Contação
de história: O Olho que transvê
Leonel Ferreira: Artista de Teatro e
Sociólogo. Participante do Minicurso de crítica teatral “O que pode uma crítica
teatral?”
Contação de história
pode ser considerada um espetáculo de teatro? A discussão volta e meia surge no
meio artístico em Belém nas rodas entre os que fazem contação de história e os
que fazem teatro. Bom, vamos então as análises,
se é que cabe ainda este tipo de procedimento em tempos de relativização do
fazer artístico.
Cabe destacar que no
século XVII, era considerada peça de teatro uma obra literária ou musical: “Uma
montagem ou colagem de diálogos ou monólogo. O primeiro mandamento é o
desenrolar contínuo, fechado e progressivo dos motivos da ação, o suspense deve
ser mantido continuamente” (PAVIS, 1999, p, 281).
Para Roland Barthes (apud PAVIS, 1999, p. 141), “É espetáculo
tudo o que se oferece ao olhar. O espetáculo é categoria universal sob as
espécies pela qual o mundo é visto”.
Bom, cabe ressaltar alguns
elementos constitutivos de uma apresentação teatral: figurinos, adereços,
maquiagem, sonoplastia (seja mecânica ou ao vivo). Não irei analisar a função
de cada um destes elementos. O que interessa aqui é a utilização de tais
elementos nas contações de histórias. Então retorno a pergunta inicial,
contação de história é um espetáculo de teatro?
Sobre
a arte de contar histórias
É um ato milenar, tão
antigo quanto a própria humanidade. Desde os tempos primevos quando a tribo se
reunia para ouvir as histórias vividas pelos homens que saiam para caçar. O
caçador assumia a figura do narrador para compartilhar com aqueles que ouviam,
suas aventuras, medos, angustias, etc.
O narrador tem uma função
fundamental, uma espécie de mediador entre o público e os personagens. No
teatro épico, o narrador é determinante para expor os acontecimentos. E na
contação de história? O mesmo se observa. O narrador, fazendo uso de diversas
técnicas. Segundo Olga Reverbel, “as capacidades de expressão, como
relacionamento, espontaneidade, imaginação, observação e percepção, são inatas
no ser humano, mas necessitam ser estimuladas” (1989, p, 57). Para tanto, sugere-se a utilização de técnicas
teatrais para o melhor desempenho do narrador, em particular técnicas vocais e
corporais. Ora, então, para ser contador de histórias precisa fazer uso de
técnicas teatrais? É sabido que as técnicas teatrais são utilizadas para
diversos fins como: ajudar na comunicação, superar a timidez e até para bem atuar
no palco. Creio ser indiscutível a importância das técnicas teatrais quando bem
aplicadas, pois uma história contada sem ritmo, sem pulsação, é uma história
desanimadora. Talvez se torne uma experiência frustrante para quem ouve e
assiste.
Um dos baratos mais
legais nas contações de histórias é a utilização da imaginação como disparador
de imensas possibilidades sobre o acontecimento narrado. Sobre isto
Stanislavski diz: “a imaginação cria coisas que podem existir ou acontecer. A
arte é produto da imaginação assim como deve ser a obra do dramaturgo. O ator
deve ter por objetivo aplicar sua técnica para fazer da peça uma realidade
teatral. Neste processo o maior papel cabe, sem dúvida, à imaginação.” (2010,
p, 87).
Com esta sentença,
penso que a discussão frágil sobre se contação de história é ou não teatro, cai
por terra. Também não considero justificativa a resposta quando se diz que
depende como se vê, pois em Belém criou-se um formato de apresentação de
contação de história, que na verdade são espetáculos de teatro de curta
duração. Então seria a contação de história um monólogo? Uma performance? Bom,
aí a discussão é outra. E sendo umas destas variações, já são expressões
teatrais.
Sobre
olhar pra dentro
Marluce Araújo, atriz,
educadora, contadora de história e mãe. Assim ela se apresenta. Inicia sua
apresentação explanando sobre a arte milenar das contações de histórias.
Apresenta ao público as aventuras de Alexandre, um menino que mora numa casa
que tem um imenso quintal, na verdade uma floresta. Alexandre adora brincar.
Sempre após chegar da escola, Alexandre toma banho, come e corre para a mata.
Um dia após uma tarde de brincadeiras na mata e ao voltar pra casa, o pai de
Alexandre faz o menino perceber que ele estava sem o olho esquerdo. Alexandre
lembrou que ao se assustar na mata de algo que não sabia bem o que era, saíra
correndo para sua casa. Concluiu que perdera o olho na correria pelo meio da
mata. Ele volta pelo mesmo caminho que fez e encontra seu olho pendurado num
galho. Simples, ele pega o olho e coloca no lugar. Só que Alexandre coloca o
olho ao contrário, de trás pra frente. Com isto ele cria a capacidade de ver o
lado de dentro das coisas.
Inspirada no obra de
Graciliano Ramos, Alexandre e Outros
Heróis, Marluce Araújo, concebeu a adaptação do texto, o figurino,
maquiagem e direção e assim como no conto de Graciliano Ramos, provoca a
imaginação da plateia de maneira que seja possível olhar com outros olhos,
olhar o que realmente importa, as entranhas, as profundezas, sem preconceito.
Se deixar surpreender com as cores do não imaginado. Imaginar... Por um
instante se esquece do caos das obras do BRT, do lixo que se amontoa nas
esquinas da cidade, das matanças nas baixadas, mas só por um instante. E neste
momento de digressão, também há espaço para se pensar na possibilidade de um
mundo melhor, onde se possa revirar os olhos para enxergarmos outro mundo, para
agirmos de outra forma. Para tanto, é necessário vez por outra, se afastar da
realidade para criar imagens a partir do contato com os objetos e construções
humanas, posto que o conhecimento é fruto da experiência e o mesmo só é
possível por meio das sensações, como propõe Deleuze: “Nada se faz pela imaginação,
tudo se faz na imaginação”. A imaginação possibilita tele transporte, chuva de
hambúrguer, bicicleta voadora, feijões mágicos, leões falantes, dragões que
dormem em ouro e possibilita um caminho diferente, pois se pode ser o que
quiser.
E assim, a contação de
história, tal como o espetáculo de teatro, cumpre com uma função tão importante
nos dias atuais, onde as relações frias das redes sociais moldam comportamentos
não tão quentes quantos as telas dos computadores, onde o encontro se torna
arte entre as pessoas e apenas sugere que olhemos o mundo com olhos de crianças que se deixam
perder nas matas imaginadas no fundo do quintal.
Belém, 08 de Maio de
2017.
Referências
PAVIS, Patrice. Dicionário de Teatro. São Paulo: Perspectiva, 1999.
REVERBEL, Olga. Jogos teatrais na escola: atividades globais de expressão. São
Paulo: Scipione, 1989.
STANISLAVSKI, Constantin. A preparação do ator. Rio de Janeiro:
Civilização Brasileira, 2010.
FICHA
TÉCNICA:
Contação
de História:
O
Olho que transvê
Contação,
Concepção, Adaptação textual, Direção e Figurinos de
Marluce
Araújo
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