segunda-feira, 15 de maio de 2017

É preciso estar atento e forte – Por Leonel Ferreira.

Montagem teatral: Falando sobre Flores
Leonel Ferreira: Artista de Teatro e Sociólogo. Participante do Minicurso de crítica teatral “O que pode uma crítica teatral?”

Amanhã será um outro dia... Será mesmo?  A roda-viva não para. O roda de tambor parou de rodar na Praça da República. O Sarau Multicultural parou de rodar no Mercado de São Brás... O rock 24 horas não rola mais...
Roda mundo, roda gigante
Rodamoinho, roda pião
O tempo rodou num instante
Nas voltas do meu coração.
(Roda Viva, de Chico Buarque de Holanda)


A música de Chico Buarque recepciona o público que tenta se acomodar na pequena sala da Casa da Atriz, um dos espaços alternativos e independentes da cena teatral de Belém, para assistir e testemunhar a apresentação do espetáculo Falando sobre Flores, com Renan Coelho e Demi Araújo, direção de Karine Jansen e com dramaturgia do próprio Renan Coelho. Um cenário minimalista, praticamente sem nada na sala, dão a ideia ao espectador que a escolha é proposital. Um catre, que é uma cela, que é uma sala de interrogatório, que é cenário de teatro. Teatro de resistência numa cidade vilipendiada? Teatro político para uma sociedade alienada politicamente? Teatro pedagógico para expor os fatos? Revisão histórica? Por opção da encenação do espetáculo, não há a quarta parede. O público assistirá cenas nada agridoces, bem como ouvirá pontos de vistas de dois lados dos envolvidos deste período da história (1964 a 1985).
No rádio uma canção. Um incomodo, um desconforto, uma indignação. É possível ficar indiferente?
“...Você que inventou a tristeza
Ora, tenha a fineza de desinventar
Você vai pagar e é dobrado
Cada lágrima rolada
Nesse meu penar”
(Apesar de você, de Chico Buarque de Holanda)

Não houve golpe, mas sim uma “revolução” com a pretensão de liquidar com a subversão e com a corrupção no Brasil. Era o que argumentavam os militares na época, para isto era justificável o uso da força com intuito de salvar a democracia que estava em perigo. O slogan ufanista utilizado durante o regime militar de 1964 influenciou mais de uma geração de brasileiros pela sua veiculação em todos os meios de comunicação. Alguns estão presentes até hoje no imaginário popular: “BRASIL, AME-O OU DEIXE-O!”; “NINGUÉM SEGURA ESSE PAÍS”; “PRA FRENTE BRASIL”.
... Eu te amo, meu Brasil, eu te amo.
Meu coração é verde, amarelo, branco , azul-anil
Eu te amo , meu Brasil, eu te amo
Ninguém segura a juventude do Brasil.
(Eu te amo, meu Brasil, Os Incríveis)

Renato Russo, diz na canção 1965 (Duas Tribos), do disco As Quatro Estações, de 1989, da banda Legião Urbana, que o “Brasil é o país do futuro”. Cantava essa música aos berros na esperança que, de fato a roda poderia girar, que o galo iria cantar, que o cenário iria mudar... Mas parece que somos craques em nos sabotar, de não enxergarmos para além de nossos umbigos. Uma espécie de cegueira e essa cegueira nos faz duvidar do desejo de alguns que clamam por uma intervenção militar. Imagina, os militares com seus coturnos reluzentes, cassetetes prontos para manter a ordem, com chaves para abrir todas as portas.
O som do molho de chaves já é escutado antes de entrar na sala. Aquele som chato, irritante, o sinal de que se deve está em prontidão. Mas quem fez esse acordo para se estar pronto ao ouvir o som da chave? Quem quer estar de prontidão para sinais de alerta, de atenção, toques de recolher? Ordem e Progresso. Progresso pra quem? Segundo dados da Comissão da Verdade, publicados em 2014, reconhece 434 mortes e desaparecidos durante a ditadura militar. Mas esses números são questionáveis. Neles não estão inclusos as chacinas ocorridas em terras indígenas, nos manicômios e colônias hospitalares. Tudo se deu em nome do progresso, afim de manter a ordem.

 ... É seu dever manter a ordem,
É seu dever de cidadão,
Mas o que é criar desordem,
Quem é que diz o que é ou não?
....  Quem quer manter a ordem?
Quem quer criar desordem?
(Desordem, Titãs)

Ao violão um trecho de “Pra não dizer que não falei das flores”, de Geraldo Vandré. Um dos hinos da resistência do movimento contra ditadura militar na época do golpe. Impressionante como uma canção pode despertar sentimentos diversos nas pessoas. Imediatamente me transporto para a passeata dos Cem Mil, em junho de 1968.  E todos estavam lá: artistas, intelectuais, advogados, estudantes, trabalhadores anônimos naquilo que foi uma das maiores manifestações populares da história republicana brasileira. Suas vozes fazem eco até hoje e talvez necessárias em tempo de obscurantismo na tão frágil democracia do país. Mas cadê o povo nas ruas contra o desmonte dos direitos conquistados pelos trabalhadores?  Da reforma da previdência? Da educação? Cadê o povo que assiste o desmonte da democracia arquitetada por um governo golpista que não representa a maioria da nação? 

 – Oi, tudo bem?
- Tudo bem...
... Fora o tédio que me consome,
Todas às 24 horas do dia,
Fora a decepção de ontem,
A decepção de hoje, a desesperança crônica no amanhã,
Tenho vontade de chorar, raiva de não poder,
Quero gritar até ficar rouco, quero gritar até ficar louco,
Isso sem contar com a ânsia de vomito,
Reação a tal pergunta idiota
...Fora tudo isso, tudo bem”.
(Oi! Tudo Bem?, Garotos Podres).

Para reaviar a memória, um pouco de eletrochoque. Uma dose de pressão psicológica, ameaças de morte, uma surra de cassetete, afogamentos...
Como é difícil acordar calado
Se na calada da noite eu me dano
Quero lançar um grito desumano
Que é uma maneira de ser escutado
Esse silêncio todo me atordoa
Atordoado eu permaneço atento...
(Cálice, Chico Buarque).

É preciso estar atento e forte! (Divino Maravilhoso, Caetano Veloso)

Belém, 15 de maio de 2017.



Nenhum comentário:

Postar um comentário