Montagem
teatral: Falando sobre Flores
Leonel
Ferreira: Artista de Teatro e Sociólogo. Participante do Minicurso de crítica
teatral “O que pode uma crítica teatral?”
Amanhã será um outro
dia... Será mesmo? A roda-viva não para.
O roda de tambor parou de rodar na Praça da República. O Sarau Multicultural
parou de rodar no Mercado de São Brás... O rock 24 horas não rola mais...
Roda
mundo, roda gigante
Rodamoinho,
roda pião
O
tempo rodou num instante
Nas
voltas do meu coração.
(Roda Viva, de Chico Buarque de Holanda)
A música de Chico
Buarque recepciona o público que tenta se acomodar na pequena sala da Casa da Atriz, um dos espaços
alternativos e independentes da cena teatral de Belém, para assistir e
testemunhar a apresentação do espetáculo Falando
sobre Flores, com Renan Coelho e Demi Araújo, direção de Karine Jansen e
com dramaturgia do próprio Renan Coelho. Um cenário minimalista, praticamente
sem nada na sala, dão a ideia ao espectador que a escolha é proposital. Um
catre, que é uma cela, que é uma sala de interrogatório, que é cenário de
teatro. Teatro de resistência numa cidade vilipendiada? Teatro político para
uma sociedade alienada politicamente? Teatro pedagógico para expor os fatos?
Revisão histórica? Por opção da encenação do espetáculo, não há a quarta
parede. O público assistirá cenas nada agridoces, bem como ouvirá pontos de
vistas de dois lados dos envolvidos deste período da história (1964 a 1985).
No rádio uma canção. Um
incomodo, um desconforto, uma indignação. É possível ficar indiferente?
“...Você
que inventou a tristeza
Ora,
tenha a fineza de desinventar
Você
vai pagar e é dobrado
Cada
lágrima rolada
Nesse
meu penar”
(Apesar
de você, de Chico Buarque de Holanda)
Não
houve golpe, mas sim uma “revolução” com a pretensão de liquidar com a
subversão e com a corrupção no Brasil. Era o que argumentavam os militares na
época, para isto era justificável o uso da força com intuito de salvar a
democracia que estava em perigo. O slogan ufanista utilizado durante o regime
militar de 1964 influenciou mais de uma geração de brasileiros pela sua
veiculação em todos os meios de comunicação. Alguns estão presentes até hoje no
imaginário popular: “BRASIL, AME-O OU
DEIXE-O!”; “NINGUÉM SEGURA ESSE PAÍS”; “PRA FRENTE BRASIL”.
...
Eu te amo, meu Brasil, eu te amo.
Meu
coração é verde, amarelo, branco , azul-anil
Eu
te amo , meu Brasil, eu te amo
Ninguém
segura a juventude do Brasil.
(Eu
te amo, meu Brasil, Os Incríveis)
Renato Russo, diz na
canção 1965 (Duas Tribos), do disco As Quatro Estações, de 1989, da banda
Legião Urbana, que o “Brasil é o país do futuro”. Cantava essa música aos
berros na esperança que, de fato a roda poderia girar, que o galo iria cantar,
que o cenário iria mudar... Mas parece que somos craques em nos sabotar, de não
enxergarmos para além de nossos umbigos. Uma espécie de cegueira e essa
cegueira nos faz duvidar do desejo de alguns que clamam por uma intervenção
militar. Imagina, os militares com seus coturnos reluzentes, cassetetes prontos
para manter a ordem, com chaves para abrir todas as portas.
O som do molho de
chaves já é escutado antes de entrar na sala. Aquele som chato, irritante, o
sinal de que se deve está em prontidão. Mas quem fez esse acordo para se estar
pronto ao ouvir o som da chave? Quem quer estar de prontidão para sinais de
alerta, de atenção, toques de recolher? Ordem e Progresso. Progresso pra quem? Segundo
dados da Comissão da Verdade, publicados em 2014, reconhece 434 mortes e
desaparecidos durante a ditadura militar. Mas esses números são questionáveis.
Neles não estão inclusos as chacinas ocorridas em terras indígenas, nos
manicômios e colônias hospitalares. Tudo se deu em nome do progresso, afim de
manter a ordem.
...
É seu dever manter a ordem,
É
seu dever de cidadão,
Mas
o que é criar desordem,
Quem
é que diz o que é ou não?
.... Quem quer manter a ordem?
Quem
quer criar desordem?
(Desordem,
Titãs)
Ao violão um trecho de
“Pra não dizer que não falei das flores”, de Geraldo Vandré. Um dos hinos da
resistência do movimento contra ditadura militar na época do golpe. Impressionante
como uma canção pode despertar sentimentos diversos nas pessoas. Imediatamente
me transporto para a passeata dos Cem Mil, em junho de 1968. E todos estavam lá: artistas, intelectuais,
advogados, estudantes, trabalhadores anônimos naquilo que foi uma das maiores
manifestações populares da história republicana brasileira. Suas vozes fazem
eco até hoje e talvez necessárias em tempo de obscurantismo na tão frágil
democracia do país. Mas cadê o povo nas ruas contra o desmonte dos direitos
conquistados pelos trabalhadores? Da
reforma da previdência? Da educação? Cadê o povo que assiste o desmonte da
democracia arquitetada por um governo golpista que não representa a maioria da
nação?
–
Oi, tudo bem?
-
Tudo bem...
...
Fora o tédio que me consome,
Todas
às 24 horas do dia,
Fora
a decepção de ontem,
A
decepção de hoje, a desesperança crônica no amanhã,
Tenho
vontade de chorar, raiva de não poder,
Quero
gritar até ficar rouco, quero gritar até ficar louco,
Isso
sem contar com a ânsia de vomito,
Reação
a tal pergunta idiota
...Fora
tudo isso, tudo bem”.
(Oi!
Tudo Bem?, Garotos Podres).
Para reaviar a memória,
um pouco de eletrochoque. Uma dose de pressão psicológica, ameaças de morte,
uma surra de cassetete, afogamentos...
Como
é difícil acordar calado
Se
na calada da noite eu me dano
Quero
lançar um grito desumano
Que
é uma maneira de ser escutado
Esse
silêncio todo me atordoa
Atordoado
eu permaneço atento...
(Cálice,
Chico Buarque).
É preciso estar atento
e forte! (Divino Maravilhoso, Caetano Veloso)
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