sexta-feira, 26 de maio de 2017

A Casa do Gruta – Por Marton Maués



Montagem teatral: A Casa do Rio, Grupo Gruta de Teatro.

Autor da crítica: Marton Maués, Ator e Diretor, Mestre e Doutor em Artes Cênicas, Fundador do grupo Palhaços Trovadores.   

São três mulheres, três irmãs. Apenas um rio. O rio atravessa a vida destas três mulheres, ligadas entre si como as contas de um colar de três contas. O rio é o fio, elas são as contas. Lágrimas de Nossa Senhora, colhidas ali no mato, na vazante do rio.

A Casa do Rio, do Grupo Gruta de Teatro, com texto de Adriano Barroso e direção de Henrique da Paz, com as atrizes Monalisa da Paz, Valéria Costa e Astréa Lucena, está repleta de atravessamentos: histórias que atravessam a história principal, vidas irmanadas que se atravessam, um rio que tudo atravessa. E um grupo que atravessa o tempo e que também me atravessa. O Gruta parece um rio, rio que dorme, mas não para nunca de correr, até que de repente faz ondas, ondas, ondas. Minha vida no teatro foi atravessada pelo Gruta, durante sete anos banhei-me em seu rio. Ali, sobretudo com Henrique da Paz, sonhei uma aventura e consolidei um aprendizado na arte da direção teatral. Henrique é a terceira e mais importante pessoa de uma trindade que me formou no teatro – antes dele vieram Luiz Otávio Barata e Cláudio Barradas. Meus mestres todos. Ele, Henrique da Paz, com certeza o mais importante, o mestre parceiro. Atravessamo-nos, líquidos.

Rio e ritos. Passagens. Atravessamentos. Bom ver o Gruta de volta, bom vê-lo voltar desta forma: o rio não para de correr, embora vezenquando adormeça . Volta em pororoca de emoção. As irmãs sonham-se ou são sonhadas? Rio-ritos narrativos.  A mais nova sonha as mais velhas, de quem recebe a herança da história, das crenças, cantos, contos, parlendas? Rios-ritos de passagem. Sonhamos nós, os espectadores, com aquelas três fiandeiras a tecer histórias, cantos e causos. Rio-ritos de encantamentos. Tecer-tecemos os fios da vida, das suas vidas, em contos, cantos. No canto da sala, em volta da mesa, enquanto os barcos passam e o rio as aparta da outra margem. Perdas, sonhos sangrados, idas e voltas, o rio.

Sempre o rio. A vontade de partir, largar tudo, atravessar aquelas águas que lhes atravessam.

O rio a nos atravessar, cercar nossa cidade, que cresceu nos separando dele. De costas para ele permanecemos. O rio recebe toda a sujeira da cidade levada pela chuva. A chuva cai forte e lava as dores da cidade. A chuva lava/leva as mulheres, purifica-as. A chuva é a água do rio que sobe aos céus e volta ao rio. A chuva é também o rio. Nossa água, nossa mágoa. M’água. O Grupo Gruta é um rio de resistência na maré negra, duradoura maré desgovernada. Chuva forte, toró da tarde. O Gruta é a casa, A Cabana, com força interior nas vigas do telhado, resistindo às grandes tempestades, às correntezas dos muitos rios. O Gruta é a casa das três irmãs, que abriga histórias, três vidas, muitas vidas naquelas três vidas, e resiste à força do rio. A casa que é também o rio, que atravessa a vida daquelas mulheres que nos atravessa também.

A casa é um sonho e um rio flutuando no espaço.

A casa é firme, há força interior nos esteios também. Mas a casa do Gruta também navega no rio que a (des)navega. A casa é vezenquando um barco, ora seguindo mansa correnteza, ora em turbulenta ondulação. Mas há firmeza no leme e a casa navega em Paz. Vozes, gestos, sons, nada se perde, nada é levado pela correnteza. A palavra é água que penetra nossos ouvidos, enche nossas cabeças de histórias, causa certa zoeira e escorre, escorre, escorre de volta ao rio. Vira chuva, vira rio, vira chuva e rio. A casa é do rio ou o rio é da casa?

Não há casa sem o rio, não há rio sem a casa.

Nada nos habita além da água. Corpos aquáticos, vidas presas às marés, aos ciclos. Uns seguem na Casa, outros lançam-se no rio. Casa e rio se irmanam. A casa segue flutuando: firme em suas vigas, líquida em suas histórias. Água e paixão. O Gruta tece sua história, longa história, com fios de água colhidos do rio em que a Casa navega. Navegar é preciso, tecido é precisão. Fio a fio, ponto a ponto a trama se expande, tapete aquoso, rio.

Navegamos: molhados de chuva, paixão e emoção.

26 de Maio de 2017



Ficha Técnica

Montagem teatral:

A Casa do Rio

Grupo Gruta de Teatro

Texto:

Adriano Barroso

Direção:

Henrique da Paz

Elenco:

Astréa Lucena, Monalisa da Paz e Waléria Costa

Cenário:

Boris Knez e Aldo Paz

Figurino:

Jeferson Cecim

Maquiagem:

Mariana Paz Barroso

Cabelos:

Germana Chalu

Iluminação:

Sonia Lopes

Assistente de iluminação:

John Rente.

Produção:

Belle Paiva Tati Brito


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