terça-feira, 9 de maio de 2017

O dedo na goela – Por Taís Sawaki

Montagem teatral: O Abajur lilás / Grupo Limítrofe
Autora da crítica: Taís Sawaki, Atriz, graduanda de Licenciatura em Teatro, Bolsista Pibic no GITA – Grupo de Investigação do Treinamento Psicofísico do Atuante.

Oito horas da noite. Entro no quarto, um quarto frio, com aspecto imundo, bagunçado, manchado, paredes com infiltrações, calcinhas, sutiãs, espartilhos, roupas espalhadas por todo o cômodo, maquiagens e coisas e mais coisas… Um abajur lilás, de pedrinhas brilhantes, em cima da mesinha, também cheia de coisas. Quase pude sentir o fedor daquele lugar: cheiro de mofo, coisas velhas, perfume doce – daqueles bem enjoativos –, roupas suadas, gozadas, sabão de coco, maquiagem velha… E foi assim que me senti logo de cara ao entrar na sala de espetáculo naquele domingo, dia 23 de abril.
Confesso que fui assisti ao espetáculo sem muita expectativa, sou daquelas que prefere ser pessimista, pensar no pior, para não correr o risco de me decepcionar depois. E assim segui em busca da Casa da Atriz, passei direto, mas em seguida achei. Comprei o ingresso e fiquei esperando. A primeira sessão acabou e vi as pessoas saindo, dentre elas algumas caras conhecidas, que saíram e me disseram, com os olhos brilhando:
– Muito bom, muito bom! Égua, muito bom!
Estranhei. Acho que não esperava por aquilo.
Esperei mais um pouco para entrar, fiquei quase grudada no portão. Fominha como sou, queria sentar bem na frente, ver tudo bem de perto, de camarote. E consegui, sentei ali, bem na frente, pertinho do abajur lilás…
Os personagens foram entrando, primeiro foi Dilma, depois Giro, Célia, e por fim Leninha. Quatro personagens que com suas subjetividades, me mostraram nada mais do que o humano em sua essência mais miserável.  
Dilma, a puta velha, acabada depois de oito transas, não é uma puta qualquer, ela tem moral, não dá o cú, pois quem dá o cú é viado e ela só está ali porque tem um filho pra criar, filho esse que, quando crescer, vai vir tirar a mãe do puteiro, ou pelo menos é isso que ela pensa. O seu filho querido não pode ser viado de forma alguma, ou ela o mata com suas próprias mãos, afinal, antes ter um filho morto do que viado. Dilma é aquela que fica quieta diante de tanto absurdo, prefere ficar assim pra não correr o risco. É acomodada ou uma sobrevivente? Em sua circunstância eu diria que ela não tem tanta opção, a não ser seguir com sua vida, esperando o que nunca virá.
Célia é a travesti, que como muitas outras que vivem a margem de nossa sociedade, é puta. A puta que já cansou do mundo, e bebe, acredito eu, para esquecer da dor de simplesmente existir. Mas ela se revolta, berra, bate, luta na medida do possível, pois acredita em mudança, como se puta tivesse direito de ascender na vida.
Giro, o cafetão, viado, tirano, o cara que está no poder, que “cuida” das suas putas, dá remédio, comida, quarto, e só pede uma coisa em troca: que elas trabalhem, trabalhem e trabalhem… E depois lhe dêem sua parte mais do que justa do pagamento (quase tudo), afinal ele dá tudo à elas.
E por fim, Leninha, a puta novinha, que acha que tem o poder nas mãos por ser bonitinha. Jovem prepotente que tem vantagens sobre as outras pelo seu rostinho. Acha que é esperta e que sabe como manipular o seu cafetão, mas vive nas mesmas condições que as outras putas do mocó.
Celia brigou, esperneou, mas no fim não deu em nada, achei muito familiar esse enredo do povo que luta, mas no final se ferra, acaba na mesma, na vala com a boca cheia de formiga. E do mesmo lado Dilma: o povo que se acomoda, como já dizia minha tia, “o povo lombriga, que se sair da merda morre”. E Leninha, a parte mais abastada de nossa sociedade, que acha que está na melhor, mas no final está tão na merda como qualquer um, tendo seus direitos roubados, virando escrava de um sistema que não lhe dará saída, oportunidade.
E nós (espectadores) somos meros voyeurs desse conflito. Não fazemos nada, só assistimos, como se vê o mundo pela tela do computador, por uma certa rede social.
Rimos em muitos momentos, em meio a tantas ironias, nos identificamos com a nossa própria desgraça. Rimos em meio a tanta tragédia. Faltou-nos fôlego em outros momentos. Pra que tanta crueldade Giro? Pra que tanta revolta Célia? Não seria mais fácil ficar quieta e aceitar? Sentimos raiva e medo, e no final é ele quem domina, o medo daquilo que é maior do que nós.
No final, nos identificamos com todos os personagens, somos todas Dilmas, Célias, Leninhas e até Giros, pois eles não passam de um retrato da nossa miséria, ou até onde podemos chegar. Aquilo nada mais é do que uma alegoria da nossa própria realidade. Ninguém é bom ou mau, é difícil dizer que ali há algum herói ou vilão, são todos humanos, e todos tem os seus porquês de serem o que são.
Saí do quarto. Agora tinha que encarar o mundo novamente mesmo com aquele embrulho no estômago e a angústia no peito. Plínio Marcos, com essa montagem, conseguiu trazer a ânsia de vômito que sinto toda vez que me vejo neste mundo miserável como o mocó de Giro. 
8 de Maio de 2017

Ficha Técnica:
O Abajur Lilás
Montagem Teatral do Grupo Limítrofe
Dramaturgia de Plínio Marcos
Atuantes:
Bonelly Pignatario, Felipe Almeida, Lennon Bendelak, Rafaella Cândido e Rita Ribeiro.
Sonoplastia:
Renan Delmontt
Iluminação:
Paty Grigoletto
Cenografia:
Breno Monteiro
Direção:
Renan Delmontt
Realização:

Grupo de Estudo, Pesquisa e Experimentação em Teatro de Universidade (GEPETU)-UFPA

Nenhum comentário:

Postar um comentário