Montagem
teatral: A Casa do Rio, Grupo Gruta de Teatro.
Autor
da crítica: Marton Maués, Ator e Diretor, Mestre e Doutor em Artes Cênicas,
Fundador do grupo Palhaços Trovadores.
São três mulheres, três
irmãs. Apenas um rio. O rio atravessa a vida destas três mulheres, ligadas
entre si como as contas de um colar de três contas. O rio é o fio, elas são as
contas. Lágrimas de Nossa Senhora, colhidas ali no mato, na vazante do rio.
A
Casa do Rio, do Grupo Gruta de Teatro, com texto de
Adriano Barroso e direção de Henrique da Paz, com as atrizes Monalisa da Paz, Valéria
Costa e Astréa Lucena, está repleta de atravessamentos: histórias que
atravessam a história principal, vidas irmanadas que se atravessam, um rio que
tudo atravessa. E um grupo que atravessa o tempo e que também me atravessa. O Gruta
parece um rio, rio que dorme, mas não para nunca de correr, até que de repente
faz ondas, ondas, ondas. Minha vida no teatro foi atravessada pelo Gruta,
durante sete anos banhei-me em seu rio. Ali, sobretudo com Henrique da Paz,
sonhei uma aventura e consolidei um aprendizado na arte da direção teatral.
Henrique é a terceira e mais importante pessoa de uma trindade que me formou no
teatro – antes dele vieram Luiz Otávio Barata e Cláudio Barradas. Meus mestres
todos. Ele, Henrique da Paz, com certeza o mais importante, o mestre parceiro. Atravessamo-nos,
líquidos.
Rio e ritos. Passagens.
Atravessamentos. Bom ver o Gruta de volta, bom vê-lo voltar desta forma: o rio
não para de correr, embora vezenquando adormeça . Volta em pororoca de
emoção. As irmãs sonham-se ou são sonhadas? Rio-ritos narrativos. A mais nova sonha as mais velhas, de quem
recebe a herança da história, das crenças, cantos, contos, parlendas?
Rios-ritos de passagem. Sonhamos nós, os espectadores, com aquelas três
fiandeiras a tecer histórias, cantos e causos. Rio-ritos de encantamentos.
Tecer-tecemos os fios da vida, das suas vidas, em contos, cantos. No canto da
sala, em volta da mesa, enquanto os barcos passam e o rio as aparta da outra
margem. Perdas, sonhos sangrados, idas e voltas, o rio.
Sempre o rio. A vontade
de partir, largar tudo, atravessar aquelas águas que lhes atravessam.
O rio a nos atravessar,
cercar nossa cidade, que cresceu nos separando dele. De costas para ele
permanecemos. O rio recebe toda a sujeira da cidade levada pela chuva. A chuva
cai forte e lava as dores da cidade. A chuva lava/leva as mulheres, purifica-as.
A chuva é a água do rio que sobe aos céus e volta ao rio. A chuva é também o
rio. Nossa água, nossa mágoa. M’água. O Grupo Gruta é um rio de resistência na
maré negra, duradoura maré desgovernada. Chuva forte, toró da tarde. O Gruta é
a casa, A Cabana, com força interior nas vigas do telhado, resistindo às
grandes tempestades, às correntezas dos muitos rios. O Gruta é a casa das três
irmãs, que abriga histórias, três vidas, muitas vidas naquelas três vidas, e
resiste à força do rio. A casa que é também o rio, que atravessa a vida
daquelas mulheres que nos atravessa também.
A casa é um sonho e um
rio flutuando no espaço.
A casa é firme, há
força interior nos esteios também. Mas a casa do Gruta também navega no rio que
a (des)navega. A casa é vezenquando um barco, ora seguindo mansa correnteza,
ora em turbulenta ondulação. Mas há firmeza no leme e a casa navega em Paz.
Vozes, gestos, sons, nada se perde, nada é levado pela correnteza. A palavra é
água que penetra nossos ouvidos, enche nossas cabeças de histórias, causa certa
zoeira e escorre, escorre, escorre de volta ao rio. Vira chuva, vira rio, vira
chuva e rio. A casa é do rio ou o rio é da casa?
Não há casa sem o rio,
não há rio sem a casa.
Nada nos habita além da
água. Corpos aquáticos, vidas presas às marés, aos ciclos. Uns seguem na Casa,
outros lançam-se no rio. Casa e rio se irmanam. A casa segue flutuando: firme
em suas vigas, líquida em suas histórias. Água e paixão. O Gruta tece sua
história, longa história, com fios de água colhidos do rio em que a Casa
navega. Navegar é preciso, tecido é precisão. Fio a fio, ponto a ponto a trama
se expande, tapete aquoso, rio.
26
de Maio de 2017
Ficha
Técnica
Montagem
teatral:
A
Casa do Rio
Grupo
Gruta de Teatro
Texto:
Adriano Barroso
Direção:
Henrique da Paz
Elenco:
Astréa Lucena, Monalisa da Paz e
Waléria Costa
Cenário:
Boris Knez e Aldo Paz
Figurino:
Jeferson Cecim
Maquiagem:
Mariana Paz Barroso
Cabelos:
Germana Chalu
Iluminação:
Sonia Lopes
Assistente
de iluminação:
John Rente.
Produção:
Belle Paiva Tati Brito