domingo, 23 de abril de 2017

Uma Carta Entre Andrades – Por Raphael Andrade e Oswald de Andrade.

Montagem Teatral: O Abajur Lilás
Montagem: Grupo de Estudo, Pesquisa e Experimentação em 
Teatro de Universidade (GEPETU)-UFPA

Autor da Crítica: Raphael Andrade – Ator; Graduando em Licenciatura em Teatro.

Destinatário: José Oswald de Sousa de ANDRADE
R. Oliveira Belo, nº95.
Umarizal, Belém - PA, 66050-380
Belém, 22 de Abril de 2017

Nada de formalidades, falo entre Andrades. São 22h55. Estou escrevendo esta carta, Oswald, para mostrar como descobri que sou... Não Àquelas! Tu és agora meu capanga. Portanto me empresta ANDRADE, teus versos para falar sobre a Rosa, Tuberculosa, Maria Mágica, Blenorrágica, Lulu Titica, Apocalíptica, Sifilítica, Turca Maluca, Maroca Louca, Bentevis da Madrugada ou simplesmente PUTA (Leia PUTA como substantivo uniforme)! Não é linda essa palavra Oswald: PU-TA? Soa bem, soa gostoso. Bem sabes, poeta... Leia em alto e bom som: PUTA, PUTA, PUTA, PUTA, 4x filha da PUTA. Não rima? Desculpa! Não sei como encaixar as vírgulas, muito menos extrair rimas, para criar poesias ao descrever sinestesias. Então, roubo tua oração para continuar minha explanação:
O Cristo vela e grita
- Biparto os pares
Que a Igreja uniu
Esquarteje os filhos
Quem os pariu!
[...]
Lúridas flores puras
Putas suicidas
Sentimentais
Flores horizontais
Que rezais [1]
Com Deus me deito

Com Deus me levanto
Deus, Oswald de Andrade, Deus! Onde o encontro? Não me digas! Tenho medo do castigo, do limbo, da ira, da vida, da falta de grana, de gala, de gana, que filigrana! Repito: Com Deus me deito; com Deus me levanto. CHEGA! Escrevo apenas para mostrar como descobri que sou...
Belém, vinte e três de Abril de dois mil e sete. Tinha encontro marcado com clientes às 20h. Ando pela cidade mecânica, a mesma que pôs as crianças rotas na roda. Aperto os passos pela rua soturna com aflição, cantando para fingir despreocupação:
Ciranda Cirandinha/Nosso corpo vamos dar/Aos que podem nos pagar/ Ciranda Cirandinha/Tudo que temos vamos dar/Nosso corpo, nossa alma/Tudo, tudo vamos dar.
Continuo o cortejo sem me cansar... Paro! Lá está! Não a casa dos clientes no qual irei aqui explanar. Lá está minha companheira da madruga a me analisar – Nossa Senhora LUA do Silêncio a me abençoar. Salmodio: “Ó Deus dos sem deuses” venho agora implorar: Um bálsamo para minha escara tentacular. Em passos largos lembro o que minha genitora esbravejara ao me ausentar: “Toma precauções na rua, filho da POOTA que sou eu mesma.” Feito! Número noventa e cinco. (deveria ser 69) Cheguei ao local da encenação. Pego o ingresso (dez lágrimas pagas de antemão) para adentrar ao local que iria narrar minha aflição. Casa lilás escrito atriz na fachada. Logo eu, Oswald, que sempre fui cognominada “PUTA de graça” tive agora que embolsar minha desgraça. Não se preocupe, nem ache graça. Faço por prazer para aliviar essa carcaça! Às vezes pergunto-me: Seria eu a pior das raças? Reitero: Logo eu que sempre fiz de graça...
Queria primeiro entender o por que do por quê, porque, porquê de tantos porquês que a profissão PUTA é discriminada? Mostro agora os sinônimos dessa falácia: prostituta, puta na nóia, quenga ,vadia, gp, garota de programa, mulher da esquina, vagaba, periguete , vaca, meretriz , devassa, acompanhante, piranha, vagabunda, moderna mundana , vulgar, exibicionista, mulher da má vida... AH, PARA! Que jogue a primeira pedra quem nunca foi (ou quis ser) uma PUTA. Digo só por gozar. Aliás, nascemos de um gozo. Quem não sente prazer no coito? Cale-se! Não falo das que rodam a bolsetinha – Essas não! Porque se valorizam ao cobrar cada tostão. Falo das (o) que dão ou comem de graça. (gostei disso (o) ...) Igual a mim e você que está lendo essa desgraça. Hum, queria ler seus pensamentos Oswald, por isso escrevi essa carta.
Permita-me, agora, escrever sobre a encenação, a minha vida narrada sob a perspectiva da minha imaginação. O meu segredo, o meu verso com ou sem rima, minha vida... O quase realismo (por que sentar no colo do pirralho?) exemplificado na escritura do “Bendito Maldito”. Poderia começar com “Era uma vez o AGORA”. Dizem por aí que o texto “O Abajur Lilás” refere-se a um grito metafórico narrando às mazelas da politicagem e sociedade. E não é? Que sacada do Plínio! Analogias para quê? Descobri que sou mais um fodido. Mas que tal entendê-lo por outro requisito? Preferes com ou sem eufemismo?
Adentro o local da encenação, a casa é pequena, lembro da rudimentar vez – suor, pêlos, dedos e um bocado de MEDO... “Cáli-ce”! São poucas cadeiras no quarto sombrio, atmosfera quase naturalista me faz ficar atento. Logo vem à comoção, inquietação e dicotomia – dominação e submissão no brilho maduro da direção. Lá estão Elas – as fugitivas do sol, as esmeraldas noturnas. Tudo PUTA, igual a mim e você que... Pula! Cada destino e uma sentença. A voz cavernosa do homem das esferas me faz ficar indignado. Giro o olhar, percebo a mimésis corpórea ímpar do danado. Mas CUidado! És bom, mas precisa saber quando e como usar o tom. Quem quebrou o Abajur? Acho que foi a psicologia – Tente en-ten-der! Tudo tem explicação!? (h)ora sim; (h)ora não, essa é apenas minha visão. Cadê o Osvaldo? Evaporou-se! Nem me afeto! Tenho meu Oswald. Agora deixa-me falar delas, peço tua permissão. Meu mocó cabe, também, poematização.
Fugitivas aves do Paraíso
Palmeiras
Flores capciosas flores
Uma esmola pelo amor de Deus! Um tostão de livro para minha Dilma, para aprender a ler e ensinar sua filharada. Não deves Temer, Dilma. Sempre haverá uma saída! Nem que seja pelas portas dos fundos da armadilha. Olho para ti – destruída. Por que disseste que não sabias? Se esquecer o texto, lembra-se de tua sina. Nem penses visar um sonho utópico de vida. Olho novamente... És linda! Até as rugas pintadas de violáceo na tua cigarrilha. Boca, nuca, semblante e mãos – o sistema Stanislavskiano alicerçou tua admirável construção. Entrego-te flores para aliviar tua ebulição.
Flores horizontais
Flores da vida

Flores brancas de papel
Da vida púrpura de bordel... A flor cândida desabrochada – vulgo: Leninha do mangue. Atolada na beleza da vaidade. Cadê a lágrima para passar verdade? Danada, acesa, gosta de extorsão! Quando se tem cinquentinha na mão, muda até de opinião. Não é só um rostinho bonito – quem tem fibra como ela, mostra o peito e faz bem feito.
SUBMUNDO- Seguro agora tua mão, tento entender a tua motivação para não fugir da exploração. Comodista, individualista e cheia de TESÃO. Jogue a segunda pedra quem nunca não...
Putas suicidas
Sentimentais
Flores horizontais
Que rezais
PSIU, Olha Elaaaa. Célia – Travestida de lilás e escuridão – Valente como todas Elas que usam o “picumã” como resistência. Amarela ou bronzeada – Grita, bebe e chora. O pau escondido na gruta sem memória. Apenas quer esquecer as mazelas de outrora. Outrora? Não! Detalhe contundente na encenação. Será que vais padecer na tua melhor interpretação? Logo nesses dias cinzentos do país que dizima “Dandaras” por gozação – Uni duni tê, salamê mínguê, o próximo LGBT que irá morrer vai ser vo-cê!
Basta! No meu Mocó não! Chega de tanta dizimação! Lua branca vem protegê-las com a nossa oração:
Ó Lua urinai sob o defunto
Com Deus me deito
Com Deus me levanto
Este texto não tem censura porque já vivemos na degradação, exploração, capitalismo de exacerbação e diminuta comoção. Será que existe mesmo a lei da reação? Chega! me disseram que ninguém gosta de ler textão...! Mas logo esse que cabe pretensão!? Crítico onisciente? Ah não, meu irmão!
Apagam-se as luzes da ribalta. Estou só na madrugada. Só escrevi para dizer que sou a de graça! DE GRAÇA! Chega de metáforas. Volta! Faltou elucidar. Não consigo me esquivar do último momento. Matar com travesseiro? Só pode ser coisa de teatro. No meu texto vou incrementar meu último ato:
Pá!
Fog(d)e!
Ouço um tiro.
Lá vem o carro Lilás
Cadê o Amarildo?
Quem disse que este texto é para ser entendido?
São 3h17. O último pão difícil do lar. As prostitutas choram nos umbrais da madrugada... 3h28 – Leio novamente, apago e insiro.
Vou enviar o Sedex para o Cretino.
De Quinta a Quarta-Feira morre mais uma vítima
Oswald? RESSUSCITA!
Não se importe com minhas pobres rimas.

Remetente: Raphael Andrade.
Rua da Amargura, nº 69.
MunduruCUs, Bendito Mangue- PA
CEP (o) _1_ (*)(*)

[1] Oração do mangue- poema de Oswald de Andrade (1890-1954).

Ficha Técnica:
O Abajur Lilás
Dramaturgia de Plínio Marcos
Atuantes:
Bonelly Pignatario, Felipe Almeida, Lennon Bendelak, Rafaella Cândido,
Rita Ribeiro.
Sonoplastia:
Renan Delmontt
Iluminação:
Paty Grigoletto
Cenografia:
Breno Monteiro
Direção:
Renan Delmontt
Realização:

Grupo de Estudo, Pesquisa e Experimentação em Teatro de Universidade (GEPETU)-UFPA

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