quarta-feira, 19 de abril de 2017

O sabor da lembrança – Por Afonso Gallindo

Por Afonso Gallindo – Publicitário, Produtor, Documentarista e Jornalista. Participante do Minicurso de crítica teatral “O que pode uma crítica teatral?”
O Velório de Dona Pereira
Intervenção performática In Bust Teatro com Bonecos e Produtores Criativos

Eu e minha acompanhante já estávamos atrasados. O horário marcado foi às 20:02hs, e já passavam das 20:08hs. Passamos rapidamente na frente do espaço onde estaria acontecendo o velório, olhei e nada comentei com minha companhia. Caminhávamos apressados para o ponto de encontro quando percebi, do outro lado da rua, uma mulher vestida de preto, com seu rosto coberto por um véu e sentada próximo a alguns bancos de madeira. Exclamei que talvez o segundo ponto de encontro fosse ali vendo aquela senhora digamos, pouco comum, que se encontrava do outro lado da rua. De pronto, minha companhia concordou com minha hipótese e nos propomos a atravessar.
O trânsito da rua dezesseis de novembro em plena quinta-feira à noite era generoso. Enquanto aguardava a deixa, entre um ônibus e outro, recordava o ritual prévio para acessar o velório e me perguntava: Seria uma preparação? Opa, um espaço entre ônibus. Atravessamos. A vida e a noite transcorriam aparentemente tranquilas, ignorando o velório que daqui a alguns instantes iria adentrar.
Já do outro lado, observei que logo atrás da senhora de preto, sentada no meio da calçada, uma moça acalentava seu bebê e logo a frente um senhor, que ficava andando pela calçada observando tudo que acontecia em silêncio, como que esperando algo. Nos dirigimos, então a senhora para repassar o envelope, parte do ritual pré-estabelecido e que seria o ingresso. Ela recebeu o envelope e nos repassou uma espécie de santinho. Sem poder observar sua face, oculta pelo véu negro, ela agradeceu e ofereceu um café, colocado à disposição de todos logo atrás dela. Neste momento, um grupo de pessoas se aproximam e juntam-se a nós. Todos ali para o adeus a querida Pereira. Algumas delas conhecidas e me coloquei a conversar e logo me esqueci do tal café. O senhor de antes, passava entre nós, observava e nada falava.
Chega a hora de adentrarmos o velório de Pereira. Daqui em diante fui proibido de continuar meu relato. Afinal, foi o último pedido da família da finada, de não revelar o ocorrido. Mas, para não deixar você na escuridão do desconhecimento, oferto alguns fragmentos:
O Portão se fecha
      Ciclo de vida e sombra
             Sabedoria do percurso de vida
                     Mergulho na mata e na magia
                                                 Ladrões de frutas                                                                                       Grunhidos e (in)sanidade
                                                                         Caixão & matéria
                                                                               Convite à partilha
Antropofagia na 
memória                                                                                                                              

Os cânticos ao final do cortejo fúnebre, o gosto das memórias e desejos em minha boca. Até agora recordo dos pedaços de lembrança da Dona Pereira que trago dentro de mim.
EU CANTO, EU REZO, EU CHORO... NO DIA DO JUÍZO.
19 de Abril de 2017.
FICHA TÉCNICA
O Velório de Dona Pereira
Intervenção performática In Bust Teatro com Bonecos e Produtores Criativos
Adriana Cruz, Andréa Rocha, Aníbal Pacha
Cincinato Marques Jr, Cristina Costa
Fafá Sobrinho
Lucas Alberto
Nanan Falcão
Tereza Ojú, Thiago Ferradaes,
Paulo Ricardo Nascimento
 Vandiléa Foro
REALIZAÇÃO
In Bust Teatro com Bonecos, Produtores Criativos e Coletivo Casarão do Boneco.

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