quinta-feira, 6 de abril de 2017

Entre Farsas, Perguntas, Possíveis Respostas e Subversão – Por Raphael Andrade

Montagem Teatral: Nadim Nadinha Contra o Rei de Fuleiró.
Montagem: Alunos dos Cursos Técnicos de Cenografia Figurino e Ator da ETDUFPA 
Autorda Crítica: Raphael Andrade – Ator; Graduando em Licenciatura em Teatro- UFPA.
Licença, por gentileza D. bibliotecária, gostaria de tirar algumas dúvidas sobre minha pesquisa – Tu conheces um país chamado Brezil? Ops, Brazuela... Quer dizer, BraCUba... Como se chama mesmo?
 – Não entendi. Seja específico!
– É uma nação onde as práticas de corrupção são herança de uma formação baseada em um estado centralizado, burocratizado e clientelista desde sua colonização até a contemporaneidade.
– Agora sim. Chama-se Fuleiró. Mas também cognominado carinhosamente de “país da farsa” (falando baixo). Eu sou fuleirense, sabias? Mas não fala para ninguém aqui da China, porque eles já eram preconceituosos conosco, pior agora por conta do problema da carne estragada.
(rindo) – Carne estragada? Nossa! Vai me dizer que só comias carne e por isso te mudaste para cá.
(irônica) – Não, porque eu estava com vontade de comer ratos, baratas, sapos, gafanhotos e carne de cachorro. Gosto de “Haagen Dazs”, garotinho! Estou brincando! Isso é o de menos, até fazíamos piada com esse problema. Não levamos nada a sério, na verdade. A Mudança se deu por conta do trabalho. Acreditas que trabalhei por 28 anos de carteira assinada e quando estava prestes a me aposentar o governo aprovou uma lei de terceirização? Aí, tu já viste- Fui demitida! Que desgosto! Resolvi mudar por conta do crescimento econômico chinês e de não acreditar em um Fuleiró justo.
– Poxa, que trágico. Sabes, o pouco que sei desta nação refere-se pela sua beleza –“Gigante pela própria natureza”, um país “belo, forte impávido Colosso”. Bonito, não? Quem escreveu o hino?
– Esta letra é da poetisa contemporânea Inês Fuleiró. Ela o fez como homenagem ao monarca... é... Deixa eu lembrar o nome... Hum... Ah, lembrei! Aquele que não deve ser nomeado sem Temer. (pausa) Sabias que é o único país no mundo que muda de monarquia de quatro em quatro anos? Mas, infelizmente, as propostas são as mesmas, só muda realmente a barba e o cabelo, olhos e dinheiro na cueca para “melhorias” dos cidadãos. Mas o que queres saber exatamente do meu país natal?
– Ah, sobre política, seu povo, sua arte...
– Ok. Vou tentar ser sucinta. Anote em tópicos, fica mais fácil.
Tópico 1 – Farsa embuste – Politicagem: Existe um sistema de controle em todas as ações dos que vivem nesta nação, apesar desta teia rizomática (leia Delleuze e Guatarri) romper-se se tu tiveres dinheiro capital ou for representante do poder público, ou seja, a lei não vale para todos. Desde o Fuleiró colônia para ser mais claro. Ah, quase esqueço. Este sistema é cognominado de Três poderes. Acredite, O país é dividido em três poderes na sua constituição: Legislativo, Executivo e Judiciário, estes são eleitos pela população por intermédio de um representante do povo como garantia de perpetuidade do estado democrático de direito – não, você não escreveu errado (risos) –, porém, os três não cumprem seu papel perante o bobo povo. Na verdade os políticos FuCKleirenses, nada mais são que um bando de manipulados por financiadores de campanha. Aliás, tudo que é público já foi privatizado faz tempo! A verdade é que boa parte da população não é instruída, logo, essa estrutura pífia de poder continuará se sustentando pelos anaIs (com L também sintetiza) da história.
Tópico 2 – Farsa populacional: O povo de Fuleiró não leva nada a sério, claro que existem exceções, mas a maioria da população é adepta do “deixa estar para ver no que vai dar”, ou os que vislumbram pôr sua roupa preferida à espera da aposentadoria e, quando a mesma chega, morrem. Sem contar os que protestam pintando quadros abstratos em parede alheia, achando que são os neo-revolucionários salvadores da pátria. Ora, qualquer primata com um pouco mais de dois neurônios sabe que isso não é revolução, e sim, imbecilização. Ou os pobrezinhos que lavam suas mãos perante a sujeira dos 50 reais do voto comprado e clamam: Se Deus quiser tudo irá melhorar! Coitado de Deus e deles! E o pior, os que têm acesso ao entendimento da banda podre e, antes de subverter a sujeira, preferem bater no peito ou em panelas berrando: sou Fuleirense! Mas esquecem de bater na mesa e tomar uma decisão responsável. Nesta perspectiva, todos necessitam ler: “A Revolução dos Bichos” de George Orwell (1949) e sem contar nos “cybermilitantes” que...
(assustado) – Senhora, Acho que já tenho uma noção deste contexto. Vamos falar de cultura?
(nervosa) – Claro!
Tópico 3 – Farsa cultural: Bom, a cultura fuleirense é decorrente de variados grupos étnicos que participaram da formação populacional. Visando essas hibridizações culturais, os governantes inteligentes da sede monárquica sabendo das benfeitorias para a população ao ter acesso à mesma, sobem cada vez mais o orçamento para que o povo tenha eficácia no seu desenvolvimento. Para se ter uma noção, na colônia de ParáParou onde eu morava, o Duque Jateve juntamente com seus auxiliares – Marquês Zénada e o secretário de cultura Conde Guardado a Sete Chaves, repassam aos grupos de teatro do referido estado mais de 2 milhões de reais – quase 16% do orçamento da pasta para o segundo quadrimestre de 2017. Sem contar os milhões dados aos grupos de escolas de samba para a realização do carnaval de Beleléu. Ou das doações dispondo de sete dígitos para os grupos de quadrilha junina, musicistas e etcétera.
– Nossa, até que enfim algo que beneficia o povo!
– (melancólica) Pena que é uma farsa! Escreva no sentido literal e figurado.
– Mas ninguém se rebela com a atual conjuntura?
– Ah, claro! Não somente com a atual conjuntura, Pois em Fuleiró os mambembes ou se preferires os artistas contemporâneos, galgaram os séculos subvertendo o poderio através de sua arte resistente.
– Então, abro um quarto tópico? Qual seria essa farsa?
– Sim. Escreva:
 Tópico 4 - A Etimologia Farsesca: Lhe explanarei a partir de uma peça teatral que sintetiza o retrato do povo fuleirenseNadim Nadinha Contra o Rei de Fuleiró é o nome da farsa, escrita pelo ator, diretor e inventor do ponto eletrônico, Mário Brasini (1921-1997) A peça foi feita em plena ditadura militar, mais especificamente em 1966. Porém, a mesma só foi encenada em 1979 após ser liberada pela censura – Eram tempos sombrios, rapaz. A farsa supracitada retrata o renascimento eterno de um povo contra um sistema opressor e suas inúmeras tentativas de subversão contra o despótico. Para se ter uma...
– A senhora poderia me explicar como era a peça? O contexto da mesma irei entender a partir da explanação.
– Claro, se tu me deixares terminar... (olhar de “Miranda Priestly”) Bom, era noite, sabia que não era um espaço teatral para burgueses, tendo em vista a cratera defronte de uma das portas. A montagem teatral interdisciplinar era segmentada das turmas do 2º ano dos cursos técnicos de Figurino, Cenografia e Ator da Escola de Teatro e Dança da UFPA. Começarei pela Cenografia, era uma obra de arte! Sobretudo por sair do óbvio. Ressaltada pela simbiose de inteligentes recortes do desenho da iluminação! Ah, e nem me referi nas singelas e coerentes referências da minha cultura. Arrebatou-me de imediato ao subverter a riqueza dos castelos na simplicidade realmente nobre da população ribeirinha. Percebe como isso é extremamente poético, rapaz?
– Percebo e...
– Não interrompa meu raciocínio, 他媽的! Sem falar na bela e acrônica indumentária, no qual perpassava meu imaginário ao me defrontar com vários signos imagéticos. Todos os figurinos bem elaborados com a técnica do matelassê ou se preferires do doublé étoffé (como sou chique) para dar volume na vestimenta. Este signo imagético corrobora o mote central do espetáculo – narrar debochadamente qualquer tipo de governo opressor, nisto consiste o “bufão sábio” na figura arquetípica do audaz trapaceador que, acima de tudo, transgride normas. Nas vestimentas dos soldados mostrando seu orgulho cheio de medalhas (pasme, de massa de bisqui). Sem falar na capa no formato de entulho, no qual se torna um luxo eficaz para contextualização da narrativa grotesca (que deboche). Portanto, esses figurinos somam com a zombaria eterna do trickster1 ou se preferirem Nadim Nadinha – aquele herói subversivo que retorna sempre em nova roupagem, no qual está adormecido (ou não) em cada um de nós. Sem nos deixar esquecer que quanto maior a coroa; menor a espada.
– O elenco detinha a seu favor o tempo certo da comédia, em variáveis gradações e perceptível empenho coletivo destacando, especialmente, a admirável atuação do “Rei Gordo” de Rafaella Cândido (fico angustiada em não poder alfinetar ninguém) Ops. Ok, poderiam ter cantado em grupo com potência (ou não sabiam a letra?). Quem liga?
– Não poderia deixar de relatar o que acontece com os grupos de teatro de Beleléu, quando os mesmos usam da comicidade – SEMPRE tem que fruir da figura estereotipada do gay afeminado para causar riso. Confesso que já estava preparada para tal ridicularizarão. Mas, nesta encenação, a persona que utiliza da homossexualidade – Ministro Inquiridor, o faz com sutileza e inteligência. (aprendam beleléulenses).
– Falando em comédia, outros dispunham do tempo certo da mesma: o Ministro Especial (é preciso pensar nas criancinhas S2) e os bufões. Tá, chega de elogios.
– A encenação prossegue e não cai no marasmo, nem sequer um minuto. Ah, ia esquecendo, como é belo ver o “teatro do espelho”, “representação dentro da representação”. Apolíneo e singelo recorte oposto da trama irônica e burlesca. Em suma: A peça é um grande deboche! Entre uma reflexiva, sarcástica e irônica contramão dos mecanismos sociais/ políticos. Portanto, Nadim Nadinha somos nós pobres miseráveis. Sabe o que é pior? Ainda rimos de nossas mazelas! Ponto para o autor que conseguiu passar sua mensagem no tom farsesco!
– Por último e não menos importante, gostaria de fazer uma análise sobre os artistas de Fuleiró: Os coitados são eternos mambembes, nunca terão carteira assinada (somente se for concursado. Ops. Na atual conjuntura, será o fim dos concursos?) para usufruírem do seu ofício como: ator, atriz, diretor, encenador, figurinistas, sonoplastas ou cenógrafos. Muito menos terceirizados, no máximo podem cair no conto de terceiros. Mas, no entanto, são audaciosos, arrogantes, egocêntrico (vais me dizer que não?) todos fudidos perante o governo, mas orgulhosos e apaixonados pela seu fazer artístico. Quem nos dera se todos fossem apaixonados pelo seu trabalho como estes subversivos. Começando pelo ponto vertical do poderio – a politicagem. Aí, sim, teríamos um Fuleiró digno do progresso estampado em sua flâmula.
– Enquanto isso não se realiza, rezarei inverso do bispo, para que o mártir trickster (Nadim) que está adormecido nas mentes deste povo desperte e vá à luta.
– Pelo que eu percebi, a senhorita não foi subversiva. Haja vista que, preferiu abandonar seu país ao tentar ser de alguma forma mudar a realidade.
– [silêncio]
Obs. NÃO LEIA INVERTIDO!
?ovisrevbus res siav uo átse omoc raxied iaV !seõçiele met mev euq ona ,açeuqse oãn E .arutnujnoc lauta a radum arap oçemoc mu aireS ?saicneserp euq oenôrre ota reuqlauq moc ossi serezaf lat euq ,saM .sarger sa odnaecapart sátse ,meb otium , hÁ.
06 de Abril de 2017
FICHA TÉCNICA:
Montagem Teatral:
Nadim Nadinha Contra o Rei do Fuleiró
Cenografia:
Cenógrafos:
Kellen Melo, Laís França, Márcio Perez.
Assistentes de Cenografia:
Tita Padilha, Sabrina Pena, Ruan Ribeiro, Sando AGP, Manuela Ferraz.
Figurino:
Figurinistas:
Ivete Moraes, Jean Negrão, Raquel Almeida.
Assistentes de Figurino:
Inezildo Oliveira, Lourdes Amaral, Lucas Belo, Márcia Almeida, Paulo Lino, Renato Gouveia, Thais Sales, Thalita Barros.
Atuação:
Alana Lima, Bárbara Monteiro, Bruno Silva Ferreira, Dayci Oliveira, Eliane Flexa, Felipe Almeida, João Melo, Lennon Bendelak, Noah de Moraes, Paulo César Jr., Paulo Jaime, Rafella Cândido, Rhero Lopes, Siane Morais.
Coordenação de Figurino e Cenografia:
Iara Souza.
Coordenação de iluminação:
Juliana Bentes
Músico:
José Maria
Arte gráfica e Teaser:
Rafaella Cândido.
Direção/Encenação:

Marluce Oliveira e Paulo Santana.

2 comentários:

  1. Raphael

    É um prazer ter sua colaboração e publicar o seu texto. Também me trás muita satisfação a escrita deste texto, pois mesmo não participando do minicurso que estamos desenvolvendo no projeto de extensão você mira o território do "crítico ignorante", proposição de Danielle Ávila que fundamenta nossas discussões. Danielle propõe o reenquadramento da crítica teatral, fugindo das armadilhas do "crítico especialista", aquele que explica, que domina um conhecimento e prega "verdades" universais sobre as obras, com o afã de determinar se elas são boas ou ruins. O "crítico ignorante" instala sua fala de outro lugar, lugar onde ciência e arte dançam cirandas e se divertem com responsabilidade e respeito.

    Abraços
    Prof. Edson Fernando

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  2. Eu que agradeço! Fazer parte deste projeto é de suma importância para mim. Mormente por contribuir com a memória viva do fazer teatral contemporâneo desta cidade. Abraço.

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