Montagem Teatral: Nadim Nadinha Contra o Rei de Fuleiró.
Montagem: Alunos dos Cursos Técnicos de Cenografia Figurino e Ator da
ETDUFPA
Autorda Crítica: Raphael Andrade – Ator; Graduando em Licenciatura em Teatro- UFPA.
Licença, por gentileza
D. bibliotecária, gostaria de tirar algumas dúvidas sobre minha pesquisa – Tu
conheces um país chamado Brezil? Ops, Brazuela... Quer dizer, BraCUba... Como
se chama mesmo?
– Não entendi. Seja específico!
– É uma nação onde as
práticas de corrupção são herança de uma formação baseada em um estado
centralizado, burocratizado e clientelista desde sua colonização até a
contemporaneidade.
– Agora sim. Chama-se Fuleiró. Mas também cognominado
carinhosamente de “país da farsa” (falando
baixo). Eu sou fuleirense, sabias? Mas não fala para ninguém aqui da China,
porque eles já eram preconceituosos conosco, pior agora por conta do problema
da carne estragada.
(rindo) – Carne estragada? Nossa! Vai me dizer que só comias carne e
por isso te mudaste para cá.
(irônica) – Não, porque eu estava com vontade de comer ratos,
baratas, sapos, gafanhotos e carne de cachorro. Gosto de “Haagen Dazs”, garotinho! Estou brincando! Isso é o de menos, até fazíamos
piada com esse problema. Não levamos nada a sério, na verdade. A Mudança se deu
por conta do trabalho. Acreditas que trabalhei por 28 anos de carteira assinada
e quando estava prestes a me aposentar o governo aprovou uma lei de
terceirização? Aí, tu já viste- Fui demitida! Que desgosto! Resolvi mudar por
conta do crescimento econômico chinês e de não acreditar em um Fuleiró justo.
– Poxa, que trágico.
Sabes, o pouco que sei desta nação refere-se pela sua beleza –“Gigante pela
própria natureza”, um país “belo, forte impávido Colosso”. Bonito, não? Quem
escreveu o hino?
– Esta letra é da
poetisa contemporânea Inês Fuleiró.
Ela o fez como homenagem ao monarca... é... Deixa eu lembrar o nome... Hum...
Ah, lembrei! Aquele que não deve ser nomeado sem Temer. (pausa) Sabias
que é o único país no mundo que muda de monarquia de quatro em quatro anos?
Mas, infelizmente, as propostas são as mesmas, só muda realmente a barba e o
cabelo, olhos e dinheiro na cueca para “melhorias” dos cidadãos. Mas o
que queres saber exatamente do meu país natal?
– Ah, sobre política,
seu povo, sua arte...
– Ok. Vou tentar ser
sucinta. Anote em tópicos, fica mais fácil.
Tópico
1
– Farsa embuste – Politicagem:
Existe um sistema de controle em todas as ações dos que vivem nesta nação,
apesar desta teia rizomática (leia Delleuze e Guatarri) romper-se se tu tiveres
dinheiro capital ou for representante do poder público, ou seja, a lei
não vale para todos. Desde o Fuleiró
colônia para ser mais claro. Ah, quase esqueço. Este sistema é cognominado de
Três poderes. Acredite, O país é dividido em três poderes na sua constituição:
Legislativo, Executivo e Judiciário, estes são eleitos pela população por
intermédio de um representante do povo como garantia de perpetuidade do estado
democrático de direito – não, você não escreveu errado (risos) –, porém, os três não cumprem seu papel perante o bobo
povo. Na verdade os políticos FuCKleirenses,
nada mais são que um bando de manipulados por financiadores de campanha. Aliás,
tudo que é público já foi privatizado faz tempo! A verdade é que boa parte da
população não é instruída, logo, essa estrutura pífia de poder continuará se
sustentando pelos anaIs (com L
também sintetiza) da história.
Tópico
2 – Farsa populacional: O povo de Fuleiró não leva nada a sério, claro que existem exceções, mas a
maioria da população é adepta do “deixa estar para ver no que vai dar”, ou os
que vislumbram pôr sua roupa preferida à espera da aposentadoria e, quando a
mesma chega, morrem. Sem contar os que protestam pintando quadros abstratos em
parede alheia, achando que são os neo-revolucionários salvadores da pátria.
Ora, qualquer primata com um pouco mais de dois neurônios sabe que isso não é
revolução, e sim, imbecilização. Ou os pobrezinhos que lavam suas mãos perante
a sujeira dos 50 reais do voto comprado e clamam: Se Deus quiser tudo irá
melhorar! Coitado de Deus e deles! E o pior, os que têm acesso ao entendimento
da banda podre e, antes de subverter a sujeira, preferem bater no peito ou em
panelas berrando: sou Fuleirense!
Mas esquecem de bater na mesa e tomar uma decisão responsável. Nesta
perspectiva, todos necessitam ler: “A
Revolução dos Bichos” de George Orwell (1949) e sem contar nos
“cybermilitantes” que...
(assustado) – Senhora, Acho que já tenho uma noção deste contexto.
Vamos falar de cultura?
(nervosa) – Claro!
Tópico
3 – Farsa cultural: Bom, a cultura fuleirense é decorrente de variados grupos étnicos que participaram
da formação populacional. Visando essas hibridizações culturais, os governantes
inteligentes da sede monárquica sabendo das benfeitorias para a população ao
ter acesso à mesma, sobem cada vez mais o orçamento para que o povo tenha
eficácia no seu desenvolvimento. Para se ter uma noção, na colônia de ParáParou onde eu morava, o Duque Jateve juntamente com seus
auxiliares – Marquês Zénada e o
secretário de cultura Conde Guardado a Sete
Chaves, repassam aos grupos de teatro do referido estado mais de 2 milhões
de reais – quase 16% do orçamento da pasta para o segundo quadrimestre de 2017.
Sem contar os milhões dados aos grupos de escolas de samba para a realização do
carnaval de Beleléu. Ou das doações
dispondo de sete dígitos para os grupos de quadrilha junina, musicistas e etcétera.
– Nossa, até que enfim
algo que beneficia o povo!
– (melancólica) Pena que é uma farsa! Escreva no sentido literal e
figurado.
– Mas ninguém se rebela
com a atual conjuntura?
– Ah, claro! Não
somente com a atual conjuntura, Pois em Fuleiró
os mambembes ou se preferires os artistas contemporâneos, galgaram os séculos
subvertendo o poderio através de sua arte resistente.
– Então, abro um quarto
tópico? Qual seria essa farsa?
– Sim. Escreva:
Tópico
4 - A Etimologia Farsesca: Lhe explanarei a partir de uma peça teatral que
sintetiza o retrato do povo fuleirense
– Nadim Nadinha Contra o Rei de Fuleiró
é o nome da farsa, escrita pelo ator, diretor e inventor do ponto eletrônico,
Mário Brasini (1921-1997) A peça foi feita em plena ditadura militar, mais
especificamente em 1966. Porém, a mesma só foi encenada em 1979 após ser
liberada pela censura – Eram tempos sombrios, rapaz. A farsa supracitada
retrata o renascimento eterno de um povo contra um sistema opressor e suas
inúmeras tentativas de subversão contra o despótico. Para se ter uma...
– A senhora poderia me
explicar como era a peça? O contexto da mesma irei entender a partir da
explanação.
– Claro, se tu me
deixares terminar... (olhar de “Miranda
Priestly”) Bom, era noite, sabia que não era um espaço teatral para
burgueses, tendo em vista a cratera defronte de uma das portas. A montagem
teatral interdisciplinar era segmentada das turmas do 2º ano dos cursos
técnicos de Figurino, Cenografia e Ator da Escola de Teatro e Dança da UFPA. Começarei
pela Cenografia, era uma obra de arte! Sobretudo por sair do óbvio. Ressaltada
pela simbiose de inteligentes recortes do desenho da iluminação! Ah, e nem me
referi nas singelas e coerentes referências da minha cultura. Arrebatou-me de
imediato ao subverter a riqueza dos castelos na simplicidade realmente nobre da
população ribeirinha. Percebe como isso é extremamente poético, rapaz?
– Percebo e...
– Não interrompa meu
raciocínio, 他媽的! Sem falar na bela e
acrônica indumentária, no qual perpassava meu imaginário ao me defrontar com
vários signos imagéticos. Todos os figurinos bem elaborados com a técnica do
matelassê ou se preferires do doublé étoffé (como sou chique) para dar volume
na vestimenta. Este signo imagético corrobora o mote central do espetáculo – narrar
debochadamente qualquer tipo de governo opressor, nisto consiste o “bufão
sábio” na figura arquetípica do audaz trapaceador que, acima de tudo,
transgride normas. Nas vestimentas dos soldados mostrando seu orgulho cheio de
medalhas (pasme, de massa de bisqui). Sem falar na capa no formato de entulho,
no qual se torna um luxo eficaz para contextualização da narrativa grotesca
(que deboche). Portanto, esses figurinos somam com a zombaria eterna do
trickster1 ou se preferirem Nadim
Nadinha – aquele herói subversivo que retorna sempre em nova roupagem, no
qual está adormecido (ou não) em cada um de nós. Sem nos deixar esquecer que
quanto maior a coroa; menor a espada.
– O elenco detinha a
seu favor o tempo certo da comédia, em variáveis gradações e perceptível
empenho coletivo destacando, especialmente, a admirável atuação do “Rei Gordo”
de Rafaella Cândido (fico angustiada em não poder alfinetar ninguém) Ops. Ok,
poderiam ter cantado em grupo com potência (ou não sabiam a letra?). Quem liga?
– Não poderia deixar de
relatar o que acontece com os grupos de teatro de Beleléu, quando os mesmos usam da comicidade – SEMPRE tem que fruir
da figura estereotipada do gay afeminado para causar riso. Confesso que já
estava preparada para tal ridicularizarão. Mas, nesta encenação, a persona que
utiliza da homossexualidade – Ministro
Inquiridor, o faz com sutileza e inteligência. (aprendam beleléulenses).
– Falando em comédia,
outros dispunham do tempo certo da mesma: o Ministro Especial (é preciso pensar nas criancinhas S2) e os
bufões. Tá, chega de elogios.
– A encenação prossegue
e não cai no marasmo, nem sequer um minuto. Ah, ia esquecendo, como é belo ver
o “teatro do espelho”, “representação dentro da representação”. Apolíneo e
singelo recorte oposto da trama irônica e burlesca. Em suma: A peça é um grande
deboche! Entre uma reflexiva, sarcástica e irônica contramão dos mecanismos
sociais/ políticos. Portanto, Nadim
Nadinha somos nós pobres miseráveis. Sabe o que é pior? Ainda rimos de
nossas mazelas! Ponto para o autor que conseguiu passar sua mensagem no tom
farsesco!
– Por último e não
menos importante, gostaria de fazer uma análise sobre os artistas de Fuleiró: Os coitados são eternos
mambembes, nunca terão carteira assinada (somente se for concursado. Ops. Na
atual conjuntura, será o fim dos concursos?) para usufruírem do seu ofício
como: ator, atriz, diretor, encenador, figurinistas, sonoplastas ou cenógrafos.
Muito menos terceirizados, no máximo podem cair no conto de terceiros. Mas, no
entanto, são audaciosos, arrogantes, egocêntrico (vais me dizer que não?) todos
fudidos perante o governo, mas orgulhosos e apaixonados pela seu fazer
artístico. Quem nos dera se todos fossem apaixonados pelo seu trabalho como
estes subversivos. Começando pelo ponto vertical do poderio – a politicagem.
Aí, sim, teríamos um Fuleiró digno
do progresso estampado em sua flâmula.
– Enquanto isso não se
realiza, rezarei inverso do bispo, para que o mártir trickster (Nadim) que está adormecido nas mentes
deste povo desperte e vá à luta.
– Pelo que eu percebi,
a senhorita não foi subversiva. Haja vista que, preferiu abandonar seu país ao
tentar ser de alguma forma mudar a realidade.
– [silêncio]
Obs.
NÃO LEIA INVERTIDO!
?ovisrevbus res siav uo
átse omoc raxied iaV !seõçiele met mev euq ona ,açeuqse oãn E .arutnujnoc lauta
a radum arap oçemoc mu aireS ?saicneserp euq oenôrre ota reuqlauq moc ossi
serezaf lat euq ,saM .sarger sa odnaecapart sátse ,meb otium , hÁ.
06
de Abril de 2017
FICHA
TÉCNICA:
Montagem
Teatral:
Nadim
Nadinha Contra o Rei do Fuleiró
Cenografia:
Cenógrafos:
Kellen Melo, Laís França, Márcio
Perez.
Assistentes
de Cenografia:
Tita Padilha, Sabrina Pena, Ruan
Ribeiro, Sando AGP, Manuela Ferraz.
Figurino:
Figurinistas:
Ivete Moraes, Jean Negrão, Raquel
Almeida.
Assistentes
de Figurino:
Inezildo Oliveira, Lourdes Amaral,
Lucas Belo, Márcia Almeida, Paulo Lino, Renato Gouveia, Thais Sales, Thalita
Barros.
Atuação:
Alana Lima, Bárbara Monteiro, Bruno
Silva Ferreira, Dayci Oliveira, Eliane Flexa, Felipe Almeida, João Melo, Lennon
Bendelak, Noah de Moraes, Paulo César Jr., Paulo Jaime, Rafella Cândido, Rhero
Lopes, Siane Morais.
Coordenação
de Figurino e Cenografia:
Iara Souza.
Coordenação
de iluminação:
Juliana Bentes
Músico:
José Maria
Arte
gráfica e Teaser:
Rafaella Cândido.
Direção/Encenação:
Marluce Oliveira e Paulo Santana.
Raphael
ResponderExcluirÉ um prazer ter sua colaboração e publicar o seu texto. Também me trás muita satisfação a escrita deste texto, pois mesmo não participando do minicurso que estamos desenvolvendo no projeto de extensão você mira o território do "crítico ignorante", proposição de Danielle Ávila que fundamenta nossas discussões. Danielle propõe o reenquadramento da crítica teatral, fugindo das armadilhas do "crítico especialista", aquele que explica, que domina um conhecimento e prega "verdades" universais sobre as obras, com o afã de determinar se elas são boas ou ruins. O "crítico ignorante" instala sua fala de outro lugar, lugar onde ciência e arte dançam cirandas e se divertem com responsabilidade e respeito.
Abraços
Prof. Edson Fernando
Eu que agradeço! Fazer parte deste projeto é de suma importância para mim. Mormente por contribuir com a memória viva do fazer teatral contemporâneo desta cidade. Abraço.
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