segunda-feira, 3 de abril de 2017

Sorteios de Contos ou o dia quando a verdade se transvestiu de fábula – Por Leonel Ferreira.

Montagem teatral: Sorteio de Contos.
Montagem: Sorteio de Contos.
Autor da crítica: Leonel Ferreira: Artista de Teatro e Sociólogo. Participante do Minicurso de crítica teatral “O que pode uma crítica teatral?”

Tem coco, tem embolada, tem capoeira, tem artes marciais. Tem de tudo um pouco em Sorteios de Contos, espetáculo de Lucas Alberto, que assisti na programação Amostra Aí, do Casarão do Boneco. E mais, tem verdade! Esta nos atravessa porquê traz a simplicidade de um menino-homem que brinca, faz o que acredita e divide suas verdades, convicções e quem decide que história será contada é o publico, através de uma escolha aleatória feita por Lucas Alberto, que de olhos vendados,  percorre a arena do anfiteatro. Feita a escolha, o ator apresenta quatro cartas ao espectador e este, então, terá que sortear três histórias para serem contadas. As cartas fazem referencias as cartas do tarô. O ator, então, apresenta ao público, fazendo uso de alegorias, o que pra ele é verdade.
As histórias:
Savitre, uma história de amor, onde a princesa cansada das tentativas de arranjarem um esposo para ela resolve partir para encontrar um amor verdadeiro. Ela encontra, então, Satyavan, que na versão de Lucas Alberto, além de leal, generoso, cheio de coragem e paciente, luta pelos direitos humanos, em particular das prostitutas.  Mais uma vez o ator toma a liberdade poética para apresentar suas convicções, pois para ele um verdadeiro herói é aquele que se importa com as causas dos excluídos. Para ter o final feliz desejado, Savitre terá que rebolar para conseguir tal intento, pois Satyavan não viverá mais que um ano e não poderá se casar com a jovem princesa.  Mas ela consegue vencer a morte e consegue seu intento. Mas isso já é outra história.  A história seguinte é a história de DJecupé AdJú, um índio guerreiro que se vê em volta com invasores em suas terras e para protegê-las enfrenta os invasores provocando um derramamento de sangue. E por fim a fábula da Verdade.  Malba Tahan conta à fábula que certo dia a Verdade vestida num véu claro e transparente resolveu visitar o grande Sultão, porém foi barrada pelo primeiro ministro do Sultão, alegando o que seria dele e de todos se a Verdade entrasse no palácio, então ordenou que a Verdade fosse embora. A história continua e a Verdade tenta mais uma vez entrar no palácio do Sultão, agora vestida com roupas pesadas em couro e apresentando-se como sendo a Acusação. Mais uma vez o Primeiro Ministro impede que a Verdade entrasse no palácio do Sultão alegando o que seria dele e de todos se a Acusação ali entrasse. Então, ordenou que ela fosse embora. Porém a Verdade era obstinada e não desistiu. Vestiu-se então com joias e adornos, envolveu o rosto em um manto diáfano de seda e dirigiu-se ao palácio do Sultão dizendo ser a fábula. O Primeiro Ministro, envaidecido com a notícia que uma linda e encantadora mulher, vestida como uma princesa de nome Fábula estava a solicitar uma audiência com o Sultão, ficou radiante e determinou que a Fábula fosse acolhida no palácio como uma rainha.  É assim, transvestida de Fábula, que a Verdade conseguiu se apresentar ao poderoso Sultão.[1]
Amor, coragem, verdade. As três histórias se completam e acendem aquela luzinha que fica piscando para chamar atenção de que alguma coisa está fora da ordem, ainda mais em tempos de tamanha falta de ética e justiça. Ainda acredito na força e simplicidade do amor, tal qual Savitre, porém, nos dias de hoje amores para vida inteira são fenômenos da natureza humana. Por outro lado não sei te tenho a disposição de Djecupé Adjú para botar pra correr uns pilantras que invadiram o legislativo, o executivo e o judiciário. Talvez me reste me transvestir de Verdade para iludir aqueles que se julgam melhores que os outros. Ou não, deixar tudo como está. A verdade às vezes incomoda e com corações embrutecidos e desconfiados, fica mais difícil ainda furar a casca bruta da arrogância. Contudo, acredito que o teatro é uma grande brincadeira de faz de conta, na qual o mais importante não é quem vence ou perde, mas o que se aprende com a história. Mas do que ir ao mundo das ilusões, dos desejos que guardamos e coragem que encontramos, o que vale mesmo é ir adiante, seguir em frente e juntar mais e mais pessoas para que o mundo seja um pouco melhor, menos triste, menos desumano, um pouco melhor do que o encontramos. Evoé!
03 de Abril de 2017

FICHA TÉCNICA:
Montagem Teatral: Sorteios de Contos
Lucas Alberto


[1] www.muraljoia.com.br/02hiverdadefabula.htm

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