Montagem teatral: Pop Porn –
Sete vidas e infinitas possiblidades de corações partidos
Autoria Crítica: Fernanda Lima.
Psicóloga. Participante do Minicurso “O que pode uma crítica teatral?”
Como transvestir nossas
emoções? Nossa realidade? Como sublimar nossas necessidades? Ou nossas
felicidades? Felicidade(s)? No plural? Pode? Será que cabe? E o que não cabe
quando falamos de arte? Tudo pode, tudo dá, tudo acontece? Pelo menos é o que
revela o espetáculo PopPorn – Sete vidas
e infinitas possibilidades de corações partidos, de Saulo Sisnando.
O teatro de apartamento PopPorn confidencia terapeuticamente
achados da contemporaneidade, um monólogo de divagações acerca do cotidiano. Retratos
de superstição, crendices, preconceitos, inverdades, revelações. A direção de
Saulo Sisnando atualiza sua montagem que dirigi há dezesseis anos e que busca
traduzir por meio do humor os estigmas de nossa sociedade. O texto dialoga
humoristicamente com tragédias da vida contemporânea, às vezes lembrando uma
esquete do Porta dos Fundos.
O espetáculo,
primeiramente, mexe com o fetiche do consultório terapêutico, desperta
fantasias latentes entre suas quatro paredes, que às vezes pela restrição do
espaço físico aparentava uma caixinha de sentimentos. E depois, instiga o público com apresentações
performáticas da Drag Queen Tiffany Boo e do bailarino Mauro Santos, ao som de
músicas de repertório pop que nos encaminham pelos diferentes focos da peça/esquetes.
Há que se referir que uma
crítica social surge entre falas e risos, discutindo momentos políticos e
sociais do Brasil. Ainda que o diretor tente imprimir um tapa na plateia que
assiste, afirmando sua hipocrisia em rir da desgraça alheia, é ele próprio quem
gerar humor do puro lixo humano. Há quem diga, é uma forma de polemizar, a
sátira é a ferida aberta que o ator faz sangrar em doses homeopáticas. Sátira é
uma composição livre e irônica que ridiculariza os vícios e as imperfeições. E
até aonde o ridículo choca e nos faz pensar?
Sempre que sinto sangrar
as feridas sociais que o humor reflexivo traz, tenho a séria tendência de olhar
para o lado, o quanto de nós está sendo movido a refletir no riso? Será que as
pessoas sublimam o prazer de rir da desgraça alheia para perceber que o outro
são elas mesmas? Quem daquela plateia percebeu o olhar de ressentimento e
tristeza daqueles que não são compreendidos, que são estigmatizados pela
sociedade que estava justamente ali para aplaudi-los?
Jamais pude compreender a
mulher que dança ao som de Wesley Safadão a tecer impropérios afirmando que
mulher gosta mesmo é de homem safado, ou bailar sob as rimas do funk que denigrem a imagem feminina em
objeto de puro desejo sexual reprimido. Respostas como: “Eu só estava curtindo
o som”, não me dizem nada. Todavia, olho para um lado e olho para o outro e
vejo homofóbicos enrustidos, preconceituosos emudecidos rindo na hipocrisia de
tudo. Um fingir e dissimular de falsos sentimentos. Não se perca fácil em dizer
é só humor, é despretensioso e descomprometido. A vida é uma sequencia de
significados, faça-se valer, faça-se entender. Quem é você no simples exercício
do pensamento crítico? Quando que imagens aleatórias e alegóricas ensejam sobre
você e lhe impulsionar a almejar mais? Muito mais para além do principio do
prazer, como diriam os psicanalistas.
Não há lógica no cômico
para despertar o mundo. São insurgentes, intrépidos, insolentes, e por que não
irritantes? Inconvenientes. Sim, esta é
a melhor palavra para descrever o humor de esquete, são os inconvenientes a
ridicularizar a sociedade por meio da arte. A arte da inconveniência. A
montagem teatral nos apresenta Ricardo, Fátima, Nazareth, e outros verbalizando
suas neuroses e psicoses.
Não se assuste, você está
num divã! É aqui no consultório do doutor que ouvirá todos falarem, todos que
têm voz, porém não costumam falar. E por que não falam? Não têm boca? Não
querem falar? O que os calam? O que te cala? A felicidade me cala, ela
transvestida de tristeza, disfarçada com salto alto e batom, ou caneta e
gravata, tanto faz. Ao longo da condução do espetáculo eu me perguntei algumas
vezes: o que te faz feliz? Todavia, em casa já a meia luz e a olhar a cidade da
varanda privilegiada com vista para a Praça Batista Campos, onde posso ver as
pessoas a se movimentarem livremente, despretensiosamente, sem compromisso por
suas vidas, sem saber que estão sendo observadas, entendi que na incógnita da
sociedade de hoje, acho mais viável a pergunta o que é a felicidade. E se a
resposta tiver algo a ver com a subjetividade: “O que é felicidade pra ti não é
felicidade pra mim”. Então, caminhamos para uma discussão ainda mais filosófica:
“Quem é você?”. E afinal de contas, o que é ser você? Qual a sua identidade?
Quem é você pra querer ser feliz? Pode ser feliz? Pode rir? Pode só rir? Ou
vale algo mais para além do principio de ser você?
FICHA TÉCNICA
PopPorn
– Sete vidas e infinitas possibilidades de corações partidos
Elenco:
Eliane
Flexa, Erllon Viegas, Gisele Guedes, Leonardo Moraes, Rony Hofstatter, Sandra
Perlin e Saulo Sisnando.
Participação Especial:
Drag
queen Tiffany Boo e do bailarino Mauro Santos.
Iluminação:
Sônia
Lopes
Sonoplastia:
Breno
Monteiro
Supervisão de Figurinos:
Grazi
Ribeiro
Assistência de Direção:
Marina
Dahás.
Direção:
Saulo
Sisnando
Nenhum comentário:
Postar um comentário