segunda-feira, 3 de abril de 2017

Para Muito Mais Além do Princípio do Riso – Por Nanda Lima / Psicóloga.

Montagem teatral: Pop Porn – Sete vidas e infinitas possiblidades de corações partidos
Autoria Crítica: Fernanda Lima. Psicóloga. Participante do Minicurso “O que pode uma crítica teatral?”
Como transvestir nossas emoções? Nossa realidade? Como sublimar nossas necessidades? Ou nossas felicidades? Felicidade(s)? No plural? Pode? Será que cabe? E o que não cabe quando falamos de arte? Tudo pode, tudo dá, tudo acontece? Pelo menos é o que revela o espetáculo PopPorn – Sete vidas e infinitas possibilidades de corações partidos, de Saulo Sisnando.
O teatro de apartamento PopPorn confidencia terapeuticamente achados da contemporaneidade, um monólogo de divagações acerca do cotidiano. Retratos de superstição, crendices, preconceitos, inverdades, revelações. A direção de Saulo Sisnando atualiza sua montagem que dirigi há dezesseis anos e que busca traduzir por meio do humor os estigmas de nossa sociedade. O texto dialoga humoristicamente com tragédias da vida contemporânea, às vezes lembrando uma esquete do Porta dos Fundos.
O espetáculo, primeiramente, mexe com o fetiche do consultório terapêutico, desperta fantasias latentes entre suas quatro paredes, que às vezes pela restrição do espaço físico aparentava uma caixinha de sentimentos.  E depois, instiga o público com apresentações performáticas da Drag Queen Tiffany Boo e do bailarino Mauro Santos, ao som de músicas de repertório pop que nos encaminham pelos diferentes focos da peça/esquetes.
Há que se referir que uma crítica social surge entre falas e risos, discutindo momentos políticos e sociais do Brasil. Ainda que o diretor tente imprimir um tapa na plateia que assiste, afirmando sua hipocrisia em rir da desgraça alheia, é ele próprio quem gerar humor do puro lixo humano. Há quem diga, é uma forma de polemizar, a sátira é a ferida aberta que o ator faz sangrar em doses homeopáticas. Sátira é uma composição livre e irônica que ridiculariza os vícios e as imperfeições. E até aonde o ridículo choca e nos faz pensar?
Sempre que sinto sangrar as feridas sociais que o humor reflexivo traz, tenho a séria tendência de olhar para o lado, o quanto de nós está sendo movido a refletir no riso? Será que as pessoas sublimam o prazer de rir da desgraça alheia para perceber que o outro são elas mesmas? Quem daquela plateia percebeu o olhar de ressentimento e tristeza daqueles que não são compreendidos, que são estigmatizados pela sociedade que estava justamente ali para aplaudi-los?
Jamais pude compreender a mulher que dança ao som de Wesley Safadão a tecer impropérios afirmando que mulher gosta mesmo é de homem safado, ou bailar sob as rimas do funk que denigrem a imagem feminina em objeto de puro desejo sexual reprimido. Respostas como: “Eu só estava curtindo o som”, não me dizem nada. Todavia, olho para um lado e olho para o outro e vejo homofóbicos enrustidos, preconceituosos emudecidos rindo na hipocrisia de tudo. Um fingir e dissimular de falsos sentimentos. Não se perca fácil em dizer é só humor, é despretensioso e descomprometido. A vida é uma sequencia de significados, faça-se valer, faça-se entender. Quem é você no simples exercício do pensamento crítico? Quando que imagens aleatórias e alegóricas ensejam sobre você e lhe impulsionar a almejar mais? Muito mais para além do principio do prazer, como diriam os psicanalistas.
Não há lógica no cômico para despertar o mundo. São insurgentes, intrépidos, insolentes, e por que não irritantes? Inconvenientes.  Sim, esta é a melhor palavra para descrever o humor de esquete, são os inconvenientes a ridicularizar a sociedade por meio da arte. A arte da inconveniência. A montagem teatral nos apresenta Ricardo, Fátima, Nazareth, e outros verbalizando suas neuroses e psicoses.
Não se assuste, você está num divã! É aqui no consultório do doutor que ouvirá todos falarem, todos que têm voz, porém não costumam falar. E por que não falam? Não têm boca? Não querem falar? O que os calam? O que te cala? A felicidade me cala, ela transvestida de tristeza, disfarçada com salto alto e batom, ou caneta e gravata, tanto faz. Ao longo da condução do espetáculo eu me perguntei algumas vezes: o que te faz feliz? Todavia, em casa já a meia luz e a olhar a cidade da varanda privilegiada com vista para a Praça Batista Campos, onde posso ver as pessoas a se movimentarem livremente, despretensiosamente, sem compromisso por suas vidas, sem saber que estão sendo observadas, entendi que na incógnita da sociedade de hoje, acho mais viável a pergunta o que é a felicidade. E se a resposta tiver algo a ver com a subjetividade: “O que é felicidade pra ti não é felicidade pra mim”. Então, caminhamos para uma discussão ainda mais filosófica: “Quem é você?”. E afinal de contas, o que é ser você? Qual a sua identidade? Quem é você pra querer ser feliz? Pode ser feliz? Pode rir? Pode só rir? Ou vale algo mais para além do principio de ser você?
FICHA TÉCNICA
PopPorn – Sete vidas e infinitas possibilidades de corações partidos
Elenco:
Eliane Flexa, Erllon Viegas, Gisele Guedes, Leonardo Moraes, Rony Hofstatter, Sandra Perlin e Saulo Sisnando.
Participação Especial:
Drag queen Tiffany Boo e do bailarino Mauro Santos.
Iluminação:
Sônia Lopes
Sonoplastia:
Breno Monteiro
Supervisão de Figurinos:
Grazi Ribeiro
Assistência de Direção:
Marina Dahás.
Direção:

Saulo Sisnando

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