domingo, 23 de abril de 2017

Uma Carta Entre Andrades – Por Raphael Andrade e Oswald de Andrade.

Montagem Teatral: O Abajur Lilás
Montagem: Grupo de Estudo, Pesquisa e Experimentação em 
Teatro de Universidade (GEPETU)-UFPA

Autor da Crítica: Raphael Andrade – Ator; Graduando em Licenciatura em Teatro.

Destinatário: José Oswald de Sousa de ANDRADE
R. Oliveira Belo, nº95.
Umarizal, Belém - PA, 66050-380
Belém, 22 de Abril de 2017

Nada de formalidades, falo entre Andrades. São 22h55. Estou escrevendo esta carta, Oswald, para mostrar como descobri que sou... Não Àquelas! Tu és agora meu capanga. Portanto me empresta ANDRADE, teus versos para falar sobre a Rosa, Tuberculosa, Maria Mágica, Blenorrágica, Lulu Titica, Apocalíptica, Sifilítica, Turca Maluca, Maroca Louca, Bentevis da Madrugada ou simplesmente PUTA (Leia PUTA como substantivo uniforme)! Não é linda essa palavra Oswald: PU-TA? Soa bem, soa gostoso. Bem sabes, poeta... Leia em alto e bom som: PUTA, PUTA, PUTA, PUTA, 4x filha da PUTA. Não rima? Desculpa! Não sei como encaixar as vírgulas, muito menos extrair rimas, para criar poesias ao descrever sinestesias. Então, roubo tua oração para continuar minha explanação:
O Cristo vela e grita
- Biparto os pares
Que a Igreja uniu
Esquarteje os filhos
Quem os pariu!
[...]
Lúridas flores puras
Putas suicidas
Sentimentais
Flores horizontais
Que rezais [1]
Com Deus me deito

Com Deus me levanto
Deus, Oswald de Andrade, Deus! Onde o encontro? Não me digas! Tenho medo do castigo, do limbo, da ira, da vida, da falta de grana, de gala, de gana, que filigrana! Repito: Com Deus me deito; com Deus me levanto. CHEGA! Escrevo apenas para mostrar como descobri que sou...
Belém, vinte e três de Abril de dois mil e sete. Tinha encontro marcado com clientes às 20h. Ando pela cidade mecânica, a mesma que pôs as crianças rotas na roda. Aperto os passos pela rua soturna com aflição, cantando para fingir despreocupação:
Ciranda Cirandinha/Nosso corpo vamos dar/Aos que podem nos pagar/ Ciranda Cirandinha/Tudo que temos vamos dar/Nosso corpo, nossa alma/Tudo, tudo vamos dar.
Continuo o cortejo sem me cansar... Paro! Lá está! Não a casa dos clientes no qual irei aqui explanar. Lá está minha companheira da madruga a me analisar – Nossa Senhora LUA do Silêncio a me abençoar. Salmodio: “Ó Deus dos sem deuses” venho agora implorar: Um bálsamo para minha escara tentacular. Em passos largos lembro o que minha genitora esbravejara ao me ausentar: “Toma precauções na rua, filho da POOTA que sou eu mesma.” Feito! Número noventa e cinco. (deveria ser 69) Cheguei ao local da encenação. Pego o ingresso (dez lágrimas pagas de antemão) para adentrar ao local que iria narrar minha aflição. Casa lilás escrito atriz na fachada. Logo eu, Oswald, que sempre fui cognominada “PUTA de graça” tive agora que embolsar minha desgraça. Não se preocupe, nem ache graça. Faço por prazer para aliviar essa carcaça! Às vezes pergunto-me: Seria eu a pior das raças? Reitero: Logo eu que sempre fiz de graça...
Queria primeiro entender o por que do por quê, porque, porquê de tantos porquês que a profissão PUTA é discriminada? Mostro agora os sinônimos dessa falácia: prostituta, puta na nóia, quenga ,vadia, gp, garota de programa, mulher da esquina, vagaba, periguete , vaca, meretriz , devassa, acompanhante, piranha, vagabunda, moderna mundana , vulgar, exibicionista, mulher da má vida... AH, PARA! Que jogue a primeira pedra quem nunca foi (ou quis ser) uma PUTA. Digo só por gozar. Aliás, nascemos de um gozo. Quem não sente prazer no coito? Cale-se! Não falo das que rodam a bolsetinha – Essas não! Porque se valorizam ao cobrar cada tostão. Falo das (o) que dão ou comem de graça. (gostei disso (o) ...) Igual a mim e você que está lendo essa desgraça. Hum, queria ler seus pensamentos Oswald, por isso escrevi essa carta.
Permita-me, agora, escrever sobre a encenação, a minha vida narrada sob a perspectiva da minha imaginação. O meu segredo, o meu verso com ou sem rima, minha vida... O quase realismo (por que sentar no colo do pirralho?) exemplificado na escritura do “Bendito Maldito”. Poderia começar com “Era uma vez o AGORA”. Dizem por aí que o texto “O Abajur Lilás” refere-se a um grito metafórico narrando às mazelas da politicagem e sociedade. E não é? Que sacada do Plínio! Analogias para quê? Descobri que sou mais um fodido. Mas que tal entendê-lo por outro requisito? Preferes com ou sem eufemismo?
Adentro o local da encenação, a casa é pequena, lembro da rudimentar vez – suor, pêlos, dedos e um bocado de MEDO... “Cáli-ce”! São poucas cadeiras no quarto sombrio, atmosfera quase naturalista me faz ficar atento. Logo vem à comoção, inquietação e dicotomia – dominação e submissão no brilho maduro da direção. Lá estão Elas – as fugitivas do sol, as esmeraldas noturnas. Tudo PUTA, igual a mim e você que... Pula! Cada destino e uma sentença. A voz cavernosa do homem das esferas me faz ficar indignado. Giro o olhar, percebo a mimésis corpórea ímpar do danado. Mas CUidado! És bom, mas precisa saber quando e como usar o tom. Quem quebrou o Abajur? Acho que foi a psicologia – Tente en-ten-der! Tudo tem explicação!? (h)ora sim; (h)ora não, essa é apenas minha visão. Cadê o Osvaldo? Evaporou-se! Nem me afeto! Tenho meu Oswald. Agora deixa-me falar delas, peço tua permissão. Meu mocó cabe, também, poematização.
Fugitivas aves do Paraíso
Palmeiras
Flores capciosas flores
Uma esmola pelo amor de Deus! Um tostão de livro para minha Dilma, para aprender a ler e ensinar sua filharada. Não deves Temer, Dilma. Sempre haverá uma saída! Nem que seja pelas portas dos fundos da armadilha. Olho para ti – destruída. Por que disseste que não sabias? Se esquecer o texto, lembra-se de tua sina. Nem penses visar um sonho utópico de vida. Olho novamente... És linda! Até as rugas pintadas de violáceo na tua cigarrilha. Boca, nuca, semblante e mãos – o sistema Stanislavskiano alicerçou tua admirável construção. Entrego-te flores para aliviar tua ebulição.
Flores horizontais
Flores da vida

Flores brancas de papel
Da vida púrpura de bordel... A flor cândida desabrochada – vulgo: Leninha do mangue. Atolada na beleza da vaidade. Cadê a lágrima para passar verdade? Danada, acesa, gosta de extorsão! Quando se tem cinquentinha na mão, muda até de opinião. Não é só um rostinho bonito – quem tem fibra como ela, mostra o peito e faz bem feito.
SUBMUNDO- Seguro agora tua mão, tento entender a tua motivação para não fugir da exploração. Comodista, individualista e cheia de TESÃO. Jogue a segunda pedra quem nunca não...
Putas suicidas
Sentimentais
Flores horizontais
Que rezais
PSIU, Olha Elaaaa. Célia – Travestida de lilás e escuridão – Valente como todas Elas que usam o “picumã” como resistência. Amarela ou bronzeada – Grita, bebe e chora. O pau escondido na gruta sem memória. Apenas quer esquecer as mazelas de outrora. Outrora? Não! Detalhe contundente na encenação. Será que vais padecer na tua melhor interpretação? Logo nesses dias cinzentos do país que dizima “Dandaras” por gozação – Uni duni tê, salamê mínguê, o próximo LGBT que irá morrer vai ser vo-cê!
Basta! No meu Mocó não! Chega de tanta dizimação! Lua branca vem protegê-las com a nossa oração:
Ó Lua urinai sob o defunto
Com Deus me deito
Com Deus me levanto
Este texto não tem censura porque já vivemos na degradação, exploração, capitalismo de exacerbação e diminuta comoção. Será que existe mesmo a lei da reação? Chega! me disseram que ninguém gosta de ler textão...! Mas logo esse que cabe pretensão!? Crítico onisciente? Ah não, meu irmão!
Apagam-se as luzes da ribalta. Estou só na madrugada. Só escrevi para dizer que sou a de graça! DE GRAÇA! Chega de metáforas. Volta! Faltou elucidar. Não consigo me esquivar do último momento. Matar com travesseiro? Só pode ser coisa de teatro. No meu texto vou incrementar meu último ato:
Pá!
Fog(d)e!
Ouço um tiro.
Lá vem o carro Lilás
Cadê o Amarildo?
Quem disse que este texto é para ser entendido?
São 3h17. O último pão difícil do lar. As prostitutas choram nos umbrais da madrugada... 3h28 – Leio novamente, apago e insiro.
Vou enviar o Sedex para o Cretino.
De Quinta a Quarta-Feira morre mais uma vítima
Oswald? RESSUSCITA!
Não se importe com minhas pobres rimas.

Remetente: Raphael Andrade.
Rua da Amargura, nº 69.
MunduruCUs, Bendito Mangue- PA
CEP (o) _1_ (*)(*)

[1] Oração do mangue- poema de Oswald de Andrade (1890-1954).

Ficha Técnica:
O Abajur Lilás
Dramaturgia de Plínio Marcos
Atuantes:
Bonelly Pignatario, Felipe Almeida, Lennon Bendelak, Rafaella Cândido,
Rita Ribeiro.
Sonoplastia:
Renan Delmontt
Iluminação:
Paty Grigoletto
Cenografia:
Breno Monteiro
Direção:
Renan Delmontt
Realização:

Grupo de Estudo, Pesquisa e Experimentação em Teatro de Universidade (GEPETU)-UFPA

sábado, 22 de abril de 2017

No Buteco do Matias –Por Edson Fernando

Montagem Teatral: A Vingança de Ringo
Palhaços Trovadores  
Autor da Crítica: Edson Fernando: Ator e Diretor Teatral; Coordenador do Projeto TRIBUNA DO CRETINO.
A atmosfera do lugar lembra as tabernas e baiúcas freqüentadas por meu pai no início dos anos oitenta. Ainda não havia completado dez anos de idade e adorava acompanhá-lo até a loja maçônica localizada na travessa Padre Eutíquio, bem do lado da Mesbla. O programa acontecia, com certa regularidade, aos domingos pela manhã quando, então, caminhávamos de nossa casa, no Jurunas, até o imponente prédio da maçonaria, local onde papai fazia “bico” de serviços gerais. No trajeto, eu, entusiasmadamente, catava tampinhas de garrafas de cerveja e refrigerante pra minha coleção – cheguei a acumular cerca de mil tampinhas no auge da coleção. Algumas vezes meu irmão, três anos mais novo, ia junto e o passeio ficava ainda mais divertido, pois brincávamos nas dependências da maçonaria: jogávamos bola na frente da loja; brincávamos de “pira mãe” pelos imensos corredores; usávamos o aparelho telefônico pra saber a hora certa discando pro 130; sentávamos naquelas imensas cadeiras de madeira com estufado vermelho que mais pareciam um trono; duelávamos com as pesadíssimas espadas de metal que ficavam embainhadas no centro das cadeiras; e morríamos de medo dos crânios espalhados pelos vários cômodos da loja. O banho de mangueira no quintal da loja anunciava que o dia de brincadeiras chegava ao fim. O retorno pra casa também era feito a pé, mas o percurso era cumprido com paradas obrigatórias nos diversos botecos espalhados pelo caminho. Exímio degustador de uma “branquinha”, papai parava e se congratulava com os amigos, erguia o copo com dois dedos de “tatuzinho” e brindava em saudação à vida. Meu irmão e eu matávamos a sede com um guaraná Taí e ainda éramos acarinhados com balas soft, bombons de leite, chocolate Surpresa, Ploc Gigante, Pirocóptero, bombons Lollo e/ou jujubas. Naquela época nem desconfiava se tratar de uma estratégia pedagógica de meu pai para que não contássemos nada sobre suas bebericagens pra mamãe. Inevitavelmente a estratégia falhava, pois, embora nos mantivéssemos reticentes sobre o assunto, o cheiro flagrante de pinga e a fala arrastada denunciavam o ato bebunico de papai.
Estas reminiscências me foram trazidas por ocasião de minha passagem pelo “Buteco do Matias”. O proprietário do estabelecimento, o seu Matias, guarda certa semelhança com o dono de uma taberninha que ficava localizada na Apinagés, defronte da São Silvestre – fronteira do Jurunas com a Batista Campos. Falo da baiúca do seu Guíto, que de tão vagabunda sequer possuía placa com o nome da venda. Papai simplesmente falava que passaríamos pela taberna do Guíto, antes de chegar em casa. Tal como o seu Matias, o seu Guíto tinha aquele andar de homem brabo, cara fechada de poucos amigos e não costumava ficar de papo furado atrás do balcão. Por algum motivo que desconheço, meu pai tinha crédito na casa, o que lhe garantia as “meiotinhas” de “tatu” fiado; tudo era anotado num caderno de capa dura seboso contendo as informações das dívidas dos papudinhos. O chão e as paredes do lugar eram de madeira, sem cor, sem pintura, um pouco sem vida. Nas prateleiras por trás do balcão, enfileiravam-se garrafas de Tatuzinho, Cortezano, Velho Barreiro, 51, Dom Bosco, Pirassununga, Pitú e algumas outras bebidas. Em cima do balcão uma balança Filizola vermelha, caraquenta e um baleiro recheado com diversos bombons. A paisagem daquela taberna de outrora, de alguma forma, foi evocada pelo Buteco do Matias, lugar despojado, também com pouca cor e de ambiente bastante rudimentar.
Resolvi ir até lá pra distrair, relaxar a cabeça, enfim, esquecer que o país está sendo tomado de assalto por uma quadrilha multipartidária que todos os dias faz troça da nossa cara ao usar o seu foro privilegiado pra escapar da lei. O Buteco do Matias, neste sentido, me parecia o lugar ideal para escapar deste mundo dos infernos, tomar quem sabe uma “branquinha” em homenagem ao papai e, de quebra, encontrar uma boa companhia para esquentar a costela pelo resto da noite chuvosa de sexta-feira. Quando entro no estabelecimento, seu Matais, com seu jeitão de sempre, curte uma balada ao estilo de filmes de Bang Bang, que imediatamente me remete a vinheta de abertura da Patrulha da Cidade, da rádio marajoara. É a deixa pra eu ficar esperto, ficar ligado, pois assim como nas tabernas do Jurunas – de ontem e de hoje –, os freqüentadores deste ambiente não brincam em serviço. Puxo um banco pro cantinho da sala, me encosto na parede e sento com as pernas bem apertas e com a coluna arqueada displicentemente; coloco um palito de fósforo no canto da boca e fico chupando-o. É minha tentativa de me integrar ao ambiente. Seu Matias me fita de soslaio sem trocar uma palavra; é o sinal de que estou harmonizado com o lugar. Tudo que me resta agora é apreciar. Meu desejo de permanecer ali quieto e curtir o lugar é interrompido pela Cantora. Putz! Penso eu, suspeitando ser uma daquelas que adoram cantarolar enquanto bebe. A bebida, aliás, parece revelar a alma dos autênticos poetas de botequins. Papai conhecia e era parceiro de copo de alguns desses genuínos trovadores de alambique. Certa vez, numa dessas andanças com meu pai, testemunhei a jocosa cena envolvendo o senhor Alípio Martins. Dono de composições clássicas do cancioneiro brega-romântico-cafona-piegas, Alípio considerava-se um autêntico amante profissional, capaz de rivalizar com Dom Juan. Tal opinião não era partilhada, no entanto, por seus parceiros de copo e muito menos pelas moças de fino trato da época. Dispostos a lhe mostrar a realidade dos fatos, os amigos, dentre eles meu pai, o desafiaram a presentear a primeira moça que passasse pela porta do bar, com um LP de sua autoria. Com a face ruborizada pelo excesso de cachaça já entornada, Alípio não se fez de rogado e prontamente sacou um “bolachudo” de sua bolsa de couro, autografou o LP que trazia seu rosto estampado na capa e se dirigiu até a porta do boteco com passos que ele julgava serem da maior galhardia. Parou diante da porta e quando avistou a “boazuda” se aproximando, olhou pra trás na direção do balcão do boteco, piscou sinicamente pros amigos e partir para dar o bote. Tropicou, no entanto, no piso irregular da calçada vindo a se estatelar no chão; o LP voou e aterrissou pra dentro do bueiro que estava com a boca aberta. Imediatamente levou uma sonora vaia dos colegas bebuns; a moça “boazuda”, assustada, atravessou a rua ignorando por completo o decaído Dom Juan. Confesso que na hora fui tomado por uma terrível sensação de pena e vergonha alheia, mas hoje fico pensando se isso não seria uma espécie de conspiração do universo pregando uma peça no autor da canção “Tira a calcinha”. Fiquei torcendo pra Cantora presente no Buteco do Matias, ter a mesma sorte. A desgraçada, no entanto, se manteve firme até o fim e parece que quanto mais bebia, mais segura de si e do espaço ela ficava, entoando canções bebunicas que encadeavam as ações que se passavam naquele lugar.
Continuei quietinho ali no meu canto, com o fósforo no canto da boca, observando o desenrolar dos acontecimentos. O Apresentador parecia o mais entusiasmado com tudo que se passava. Seu modo de falar andar e agir pareciam tão céleres quanto às providências municipais e estaduais para resolver o problema do lixão de Marituba. E aquela cara de cachorro São Bernardo arrependido quase me fez engolir o fósforo de tanto rir. Mas controlei o ímpeto para não chamar muita atenção dos demais convivas do lugar.  Do meu baquinho, então, fui observando que aquelas figuras que freqüentavam o Buteco do Matias não me eram estranhas, já os vi por outras paragens, por outros caminhos, por outras trovas. Estão sem cor, mas muito mais vibrantes, mais vigorosos e afinados entre si. O duelo que travam no Buteco não se deixa levar pela sedução do riso incontinente e a qualquer custo. Como numa boa peleja cada um dos combatentes sabe que a vida ou a morte depende do tempo certo, do gesto no momento certo – nem antes e nem depois –, do movimento preciso e econômico, da partitura limpa e bem executada como numa orquestra de oito cordas. O papel do maestro, neste caso, é fundamental, pois é ele quem afina o conjunto da obra.
Ajeito-me no meu banquinho e penso se não seria esse um excelente caminho para continuar percorrendo, visitando talvez outros “butecos”, outras “tabernas”, mas com a mesma orquestra em concerto. Ouvindo a harmonia e evolução particular dos eventos do Buteco do Matias, inevitavelmente me sinto novamente na companhia de meu pai, mas desta vez na sala de casa, num final de tarde de domingo, deitados na rede, na frente da televisão. Assistimos e nos divertimos muito com as peripécias de um dos maiores grupos de comediantes que o Brasil já produziu: Os Trapalhões. Lembrem-se que ainda não completei dez anos de idade e, portanto, ainda temos toda a vitalidade e frescor cômico de todos os quatro integrantes originas do grupo: Didi, Dedé, Mussum e Zacarias. Papai encontra-se sóbrio e comemora o desenrolar de cada quadro do grupo de comediantes com a interjeição efusiva: Tera-te!!! Eu e meu irmão mais novo caímos na gargalhada com os esquetes mais surreais daquele tempo.
Todas estas reminiscências me dão coragem para falar com seu Matias. Levanto-me, cuspo o fósforo e vou em direção ao balcão. Desferindo um sonoro murro, exclamo:
– Me serve uma “meiota”!!! Hoje vou beber em homenagem a meu pai!!!
22 de Abril de 2017                

Ficha Técnica:
Montagem teatral:
A vingança de Ringo
Elenco:
Adriano Furtado/Palhaço Geninho (Juvêncio J Torres/Ringo)
Alessandra Nogueira/Palhaça Neguinha (Matias)
Cleice Maciel/Palhaça Pipita (Maria)
Marcelo Villela/Palhaço Tchelo (Corisco)
Marcelo David/Palhaço Feijão (Cachimbinho)
Suani Correa/Palhaça Aurora (Cangaceiro)
Rosana Darwich/Palhaça Bromélia (Cantora)
Isac Oliveira/Palhaço Xuxo (Cangaceiro/Apresentador)
Cenário:
Adriano Furtado
Figurinos e Adereços:
Aníbal Pacha
Trilha Sonora:
Marcelo Villela
Efeitos Sonoros:
Sonia Alão
Produção:
Rosana Darwich e Alessandra Nogueira
Assistente de Produção:
Romana Melo
Assessoria de Imprensa:
Ana Maria Castro
Direção Geral:

Marton Maués

quarta-feira, 19 de abril de 2017

O sabor da lembrança – Por Afonso Gallindo

Por Afonso Gallindo – Publicitário, Produtor, Documentarista e Jornalista. Participante do Minicurso de crítica teatral “O que pode uma crítica teatral?”
O Velório de Dona Pereira
Intervenção performática In Bust Teatro com Bonecos e Produtores Criativos

Eu e minha acompanhante já estávamos atrasados. O horário marcado foi às 20:02hs, e já passavam das 20:08hs. Passamos rapidamente na frente do espaço onde estaria acontecendo o velório, olhei e nada comentei com minha companhia. Caminhávamos apressados para o ponto de encontro quando percebi, do outro lado da rua, uma mulher vestida de preto, com seu rosto coberto por um véu e sentada próximo a alguns bancos de madeira. Exclamei que talvez o segundo ponto de encontro fosse ali vendo aquela senhora digamos, pouco comum, que se encontrava do outro lado da rua. De pronto, minha companhia concordou com minha hipótese e nos propomos a atravessar.
O trânsito da rua dezesseis de novembro em plena quinta-feira à noite era generoso. Enquanto aguardava a deixa, entre um ônibus e outro, recordava o ritual prévio para acessar o velório e me perguntava: Seria uma preparação? Opa, um espaço entre ônibus. Atravessamos. A vida e a noite transcorriam aparentemente tranquilas, ignorando o velório que daqui a alguns instantes iria adentrar.
Já do outro lado, observei que logo atrás da senhora de preto, sentada no meio da calçada, uma moça acalentava seu bebê e logo a frente um senhor, que ficava andando pela calçada observando tudo que acontecia em silêncio, como que esperando algo. Nos dirigimos, então a senhora para repassar o envelope, parte do ritual pré-estabelecido e que seria o ingresso. Ela recebeu o envelope e nos repassou uma espécie de santinho. Sem poder observar sua face, oculta pelo véu negro, ela agradeceu e ofereceu um café, colocado à disposição de todos logo atrás dela. Neste momento, um grupo de pessoas se aproximam e juntam-se a nós. Todos ali para o adeus a querida Pereira. Algumas delas conhecidas e me coloquei a conversar e logo me esqueci do tal café. O senhor de antes, passava entre nós, observava e nada falava.
Chega a hora de adentrarmos o velório de Pereira. Daqui em diante fui proibido de continuar meu relato. Afinal, foi o último pedido da família da finada, de não revelar o ocorrido. Mas, para não deixar você na escuridão do desconhecimento, oferto alguns fragmentos:
O Portão se fecha
      Ciclo de vida e sombra
             Sabedoria do percurso de vida
                     Mergulho na mata e na magia
                                                 Ladrões de frutas                                                                                       Grunhidos e (in)sanidade
                                                                         Caixão & matéria
                                                                               Convite à partilha
Antropofagia na 
memória                                                                                                                              

Os cânticos ao final do cortejo fúnebre, o gosto das memórias e desejos em minha boca. Até agora recordo dos pedaços de lembrança da Dona Pereira que trago dentro de mim.
EU CANTO, EU REZO, EU CHORO... NO DIA DO JUÍZO.
19 de Abril de 2017.
FICHA TÉCNICA
O Velório de Dona Pereira
Intervenção performática In Bust Teatro com Bonecos e Produtores Criativos
Adriana Cruz, Andréa Rocha, Aníbal Pacha
Cincinato Marques Jr, Cristina Costa
Fafá Sobrinho
Lucas Alberto
Nanan Falcão
Tereza Ojú, Thiago Ferradaes,
Paulo Ricardo Nascimento
 Vandiléa Foro
REALIZAÇÃO
In Bust Teatro com Bonecos, Produtores Criativos e Coletivo Casarão do Boneco.

segunda-feira, 17 de abril de 2017

Quando acreditar na Arte? – Por Nanda Lima

Nanda Lima: Psicóloga, tradutora e interprete em Língua Inglesa, Participante do Minicurso de crítica teatral “O que pode uma crítica teatral?”.
Crítica à montagem teatral: A Paixão de Cristo – Paroquia dos Capuchinhos  
 Deixe-me te contar a primeira vez que eu acreditei na Arte, eu era bem pequena, deveria ter meus quatro anos de idade quando conheci Papai Noel. O encantamento da Arte arrebatou-me suspiros e olhos marejados. Eu podia ver, eu podia acreditar: Papai Noel existe. Hoje posso compreender, é isto que a Arte pode fazer, levar-nos em seus carrosséis alados por nuvens de algodão até onde os sonhos moram, até onde o impossível reside.
      Neste fim de semana pude acompanhar junto ao Grupo de Teatro e Dança Renascer da Paróquia dos Capuchinhos em Belém do Pará o espetáculo tão reprisado no mundo: A Paixão de Cristo. O grupo constituído por jovens atores evangelistas há 12 anos utiliza, de como eles mesmos bem descrevem, da simbiose liturgia-teatro na procissão na Via-Sacra para explanar os últimos momentos de Jesus Cristo de Nazaré, em 15 passos até a sua morte na Cruz, nos moldes das peças gregas, em procissões dionisíacas. Teatro ao ar livre, com acústica natural e cenário singelo e simbólico que apontam para a expressão dos atores em cena.
         Sob a direção artística de Suelen Miguele, que em outras oportunidades já atuou no espetáculo como Maria Madalena e Nossa Senhora de Nazaré, a Via-Dolorosa atraí os olhos não somente de cristãos, mas de curiosos, que abrem suas janelas e as portas de suas casas para acompanhar os passos de um homem torturado pelas suas crenças. O texto adaptado da bíblia remonta o sacrifício e ressurreição de Jesus Cristo e nos transporta por algumas horas a longa e lancinante caminhada até a crucificação.
Na oportunidade, esqueço-me onde estou, e compreendo o que nos faz acreditar, ainda que, em muitas noites, lágrimas em oração atinjam nossos rostos, ainda que a dor apedreje nosso caminho. Mesmo sem a prova que alguém possa ouvir, encerramos nos olhos e pedimos por algo que malmente conseguimos entender. Isso se chama acreditar.
Escuto alguém falar sobre um assalto na vizinhança, bandidos que levam o que arduamente se lutou pra ter e penso nos momentos de temor que sofremos. Olho para as chagas de cristo, e o peso da cruz que ele carrega, o passo fragilizado que dá para o lado. O instante de fragilidade em que o homem questiona o abandono. Parece que a esperança escapou como pássaros a revoar no céu distante. Todavia da multidão um camponês surge trazendo ajuda e abrigo a Cristo e meu coração se estufa com um sentimento que ainda não posso nomear e grito junto incentivando a árdua tarefa diante de mim. Isso se chama acreditar.
E quando, após sua crucificação, Jesus ergue-se de branco, palavreando sobre a paz, o coração se enche de esperança ainda que saibamos que há muito que se temer, a fé nos conduz a mover montanhas. Isso se chama acreditar.
Quando se acredita que milagres podem acontecer? A esperança é a ultima a morrer porque Pandora a trancou na caixa ou porque, ainda na devassidão que esta trouxe, a pequena compreendeu o significado do acreditar no melhor? Quando se acredita no espetáculo, o coração te transporta para onde você quiser. E quem pode dizer o que mais a Arte pode fazer quando se acredita? Quando se acredita, de alguma forma os olhos saem da alma para o coração.
Porém, não espere que a epifania da Arte aconteça toda vez que você assistir a uma peça, que a Arte irá desabrochar toda vez que você assim o quiser. Não isso não ocorrerá. Os momentos de fé são singelos, estão nos detalhes, nas descobertas, nas inovações, nas experiências. E é tão fácil desistir, sentir medo de fazer o novo, de fazer o velho de um jeito novo, de tentar e reinventar.
Posso compartilhar um pouco do que senti neste final de semana sobre como renascer a sua esperança e o seu acreditar. Quando estiveres cego pela dor e a chuva de domingo não te deixar ver muito além do horizonte, saiba escutar a voz que grita dentro de ti, ela parte do acreditar, ela nasce da esperança e te fará acreditar no que quiseres.
Acredite. Apenas acredite.

17 de Abril de 2017.
FICHA TÉCNICA
Montagem Teatral:
Paixão, Morte e Ressurreião de Cristo- Capuchinhos.
Atuantes:
Adrielly Nunes, Agostinho Hermes de Miranda Neto, Anderson Thiago dos S. de Souza, Beatriz Sousa da Silva, Brendo Ramos Trindade, Breno Ramos Trindade, Bruno Ramos Trindade, Camilli Silva de Oliveira, Carlos Eduardo da Silva Almeida, Cristyan Cleidison Almeida Monteiro, Crys Medeiros, Douglas Rodrigues Pinheiro da Costa, Eduardo Bandeira, Eliton Sandro Gomes de Albuquerque, Emilene Monteiro, Ester Barbosa Leray, Everson Gonçalves Rolim, Fabrício Bruno Bahia Damasceno, Felipe Henrique Bastos e Bastos, Flávio Sampaio Fasterra, Gleydson Araújo Malcher, Gabriel Souza, Helloane Sousa, Hugo Leonardo Corrêa Gomes, Igor Juan Silva de Moraes, Isabela Miranda, Jamilly Gabrielly Leray Castro, Jennifer Raiol, Gaspar José Ribamar De Oliveira, José Ronaldo Correa Batista Junior, Josyele Beatriz Souza de Souza, Joyse dos Santos Carvalho, Julia Miranda, Junior Barroso, Kananda Gonçalves de Matos, Kayla Queiroz, Kemily Lorrane Arceno Azevedo, Krys Medeiros, Lanna Nycoly Barroso Pereira, Leandro Barbosa Mota, Leonam Ribeiro, Leonardo Barbosa Mota,Livia Carvalho, Luana Bárbara Pereira Lima, Luciano Barbosa Mota, Luiz Antônio Maciel Monteiro, Marcos Henryque Leray Castro, Maria Luana Soeiro Monteiro, Mateus Leal Maurício, Felipe Almeida da Silva, Murilo Ferreira Santos, Nelson Monteiro, Nicolas André Lima Sousa, Nicolas Guilherme Mendes, Nilton Ricardo Oliveira Silva, Paula Beatriz Souza De Oliveira, Paulo Renan Cavalcante Felix, Paulo Victor da Silva Lemos, Raphael Andrade Rocha, Rafael Oliveira, Ricardo Oliveira, Ronaldo Teixeira Tavares, Rosimere Lobato Mendes, Samuel Martins Teixeira, Taissa Reis, Thiago Nazareno Basto de Oliveira, Valeska de Sousa Monteiro dos Santos, Vânia Almeida, Vinícius Silva de Oliveira, Wendel Bonelly Pignatario Pires, Wisdyslane Carvalho Maciel

Direção
Suelen Miguele – Diretora
Everson Rolim - Coordenador
Claudionor Corrêa - Vice Coordenador
Eduardo Brito - Sonoplastia
Apoio Técnico
Vanda Almeida Luís Brito Ondina Pereira Herick Gurjão Leilson Alves Suzi Ramos José Almeirindo
Pároco
Figurinos
Grupo Renascer
Frei Arilson
Estrutura Física
JEFFERSON Som & Iluminação LOC Engenharia



quinta-feira, 6 de abril de 2017

Entre Farsas, Perguntas, Possíveis Respostas e Subversão – Por Raphael Andrade

Montagem Teatral: Nadim Nadinha Contra o Rei de Fuleiró.
Montagem: Alunos dos Cursos Técnicos de Cenografia Figurino e Ator da ETDUFPA 
Autorda Crítica: Raphael Andrade – Ator; Graduando em Licenciatura em Teatro- UFPA.
Licença, por gentileza D. bibliotecária, gostaria de tirar algumas dúvidas sobre minha pesquisa – Tu conheces um país chamado Brezil? Ops, Brazuela... Quer dizer, BraCUba... Como se chama mesmo?
 – Não entendi. Seja específico!
– É uma nação onde as práticas de corrupção são herança de uma formação baseada em um estado centralizado, burocratizado e clientelista desde sua colonização até a contemporaneidade.
– Agora sim. Chama-se Fuleiró. Mas também cognominado carinhosamente de “país da farsa” (falando baixo). Eu sou fuleirense, sabias? Mas não fala para ninguém aqui da China, porque eles já eram preconceituosos conosco, pior agora por conta do problema da carne estragada.
(rindo) – Carne estragada? Nossa! Vai me dizer que só comias carne e por isso te mudaste para cá.
(irônica) – Não, porque eu estava com vontade de comer ratos, baratas, sapos, gafanhotos e carne de cachorro. Gosto de “Haagen Dazs”, garotinho! Estou brincando! Isso é o de menos, até fazíamos piada com esse problema. Não levamos nada a sério, na verdade. A Mudança se deu por conta do trabalho. Acreditas que trabalhei por 28 anos de carteira assinada e quando estava prestes a me aposentar o governo aprovou uma lei de terceirização? Aí, tu já viste- Fui demitida! Que desgosto! Resolvi mudar por conta do crescimento econômico chinês e de não acreditar em um Fuleiró justo.
– Poxa, que trágico. Sabes, o pouco que sei desta nação refere-se pela sua beleza –“Gigante pela própria natureza”, um país “belo, forte impávido Colosso”. Bonito, não? Quem escreveu o hino?
– Esta letra é da poetisa contemporânea Inês Fuleiró. Ela o fez como homenagem ao monarca... é... Deixa eu lembrar o nome... Hum... Ah, lembrei! Aquele que não deve ser nomeado sem Temer. (pausa) Sabias que é o único país no mundo que muda de monarquia de quatro em quatro anos? Mas, infelizmente, as propostas são as mesmas, só muda realmente a barba e o cabelo, olhos e dinheiro na cueca para “melhorias” dos cidadãos. Mas o que queres saber exatamente do meu país natal?
– Ah, sobre política, seu povo, sua arte...
– Ok. Vou tentar ser sucinta. Anote em tópicos, fica mais fácil.
Tópico 1 – Farsa embuste – Politicagem: Existe um sistema de controle em todas as ações dos que vivem nesta nação, apesar desta teia rizomática (leia Delleuze e Guatarri) romper-se se tu tiveres dinheiro capital ou for representante do poder público, ou seja, a lei não vale para todos. Desde o Fuleiró colônia para ser mais claro. Ah, quase esqueço. Este sistema é cognominado de Três poderes. Acredite, O país é dividido em três poderes na sua constituição: Legislativo, Executivo e Judiciário, estes são eleitos pela população por intermédio de um representante do povo como garantia de perpetuidade do estado democrático de direito – não, você não escreveu errado (risos) –, porém, os três não cumprem seu papel perante o bobo povo. Na verdade os políticos FuCKleirenses, nada mais são que um bando de manipulados por financiadores de campanha. Aliás, tudo que é público já foi privatizado faz tempo! A verdade é que boa parte da população não é instruída, logo, essa estrutura pífia de poder continuará se sustentando pelos anaIs (com L também sintetiza) da história.
Tópico 2 – Farsa populacional: O povo de Fuleiró não leva nada a sério, claro que existem exceções, mas a maioria da população é adepta do “deixa estar para ver no que vai dar”, ou os que vislumbram pôr sua roupa preferida à espera da aposentadoria e, quando a mesma chega, morrem. Sem contar os que protestam pintando quadros abstratos em parede alheia, achando que são os neo-revolucionários salvadores da pátria. Ora, qualquer primata com um pouco mais de dois neurônios sabe que isso não é revolução, e sim, imbecilização. Ou os pobrezinhos que lavam suas mãos perante a sujeira dos 50 reais do voto comprado e clamam: Se Deus quiser tudo irá melhorar! Coitado de Deus e deles! E o pior, os que têm acesso ao entendimento da banda podre e, antes de subverter a sujeira, preferem bater no peito ou em panelas berrando: sou Fuleirense! Mas esquecem de bater na mesa e tomar uma decisão responsável. Nesta perspectiva, todos necessitam ler: “A Revolução dos Bichos” de George Orwell (1949) e sem contar nos “cybermilitantes” que...
(assustado) – Senhora, Acho que já tenho uma noção deste contexto. Vamos falar de cultura?
(nervosa) – Claro!
Tópico 3 – Farsa cultural: Bom, a cultura fuleirense é decorrente de variados grupos étnicos que participaram da formação populacional. Visando essas hibridizações culturais, os governantes inteligentes da sede monárquica sabendo das benfeitorias para a população ao ter acesso à mesma, sobem cada vez mais o orçamento para que o povo tenha eficácia no seu desenvolvimento. Para se ter uma noção, na colônia de ParáParou onde eu morava, o Duque Jateve juntamente com seus auxiliares – Marquês Zénada e o secretário de cultura Conde Guardado a Sete Chaves, repassam aos grupos de teatro do referido estado mais de 2 milhões de reais – quase 16% do orçamento da pasta para o segundo quadrimestre de 2017. Sem contar os milhões dados aos grupos de escolas de samba para a realização do carnaval de Beleléu. Ou das doações dispondo de sete dígitos para os grupos de quadrilha junina, musicistas e etcétera.
– Nossa, até que enfim algo que beneficia o povo!
– (melancólica) Pena que é uma farsa! Escreva no sentido literal e figurado.
– Mas ninguém se rebela com a atual conjuntura?
– Ah, claro! Não somente com a atual conjuntura, Pois em Fuleiró os mambembes ou se preferires os artistas contemporâneos, galgaram os séculos subvertendo o poderio através de sua arte resistente.
– Então, abro um quarto tópico? Qual seria essa farsa?
– Sim. Escreva:
 Tópico 4 - A Etimologia Farsesca: Lhe explanarei a partir de uma peça teatral que sintetiza o retrato do povo fuleirenseNadim Nadinha Contra o Rei de Fuleiró é o nome da farsa, escrita pelo ator, diretor e inventor do ponto eletrônico, Mário Brasini (1921-1997) A peça foi feita em plena ditadura militar, mais especificamente em 1966. Porém, a mesma só foi encenada em 1979 após ser liberada pela censura – Eram tempos sombrios, rapaz. A farsa supracitada retrata o renascimento eterno de um povo contra um sistema opressor e suas inúmeras tentativas de subversão contra o despótico. Para se ter uma...
– A senhora poderia me explicar como era a peça? O contexto da mesma irei entender a partir da explanação.
– Claro, se tu me deixares terminar... (olhar de “Miranda Priestly”) Bom, era noite, sabia que não era um espaço teatral para burgueses, tendo em vista a cratera defronte de uma das portas. A montagem teatral interdisciplinar era segmentada das turmas do 2º ano dos cursos técnicos de Figurino, Cenografia e Ator da Escola de Teatro e Dança da UFPA. Começarei pela Cenografia, era uma obra de arte! Sobretudo por sair do óbvio. Ressaltada pela simbiose de inteligentes recortes do desenho da iluminação! Ah, e nem me referi nas singelas e coerentes referências da minha cultura. Arrebatou-me de imediato ao subverter a riqueza dos castelos na simplicidade realmente nobre da população ribeirinha. Percebe como isso é extremamente poético, rapaz?
– Percebo e...
– Não interrompa meu raciocínio, 他媽的! Sem falar na bela e acrônica indumentária, no qual perpassava meu imaginário ao me defrontar com vários signos imagéticos. Todos os figurinos bem elaborados com a técnica do matelassê ou se preferires do doublé étoffé (como sou chique) para dar volume na vestimenta. Este signo imagético corrobora o mote central do espetáculo – narrar debochadamente qualquer tipo de governo opressor, nisto consiste o “bufão sábio” na figura arquetípica do audaz trapaceador que, acima de tudo, transgride normas. Nas vestimentas dos soldados mostrando seu orgulho cheio de medalhas (pasme, de massa de bisqui). Sem falar na capa no formato de entulho, no qual se torna um luxo eficaz para contextualização da narrativa grotesca (que deboche). Portanto, esses figurinos somam com a zombaria eterna do trickster1 ou se preferirem Nadim Nadinha – aquele herói subversivo que retorna sempre em nova roupagem, no qual está adormecido (ou não) em cada um de nós. Sem nos deixar esquecer que quanto maior a coroa; menor a espada.
– O elenco detinha a seu favor o tempo certo da comédia, em variáveis gradações e perceptível empenho coletivo destacando, especialmente, a admirável atuação do “Rei Gordo” de Rafaella Cândido (fico angustiada em não poder alfinetar ninguém) Ops. Ok, poderiam ter cantado em grupo com potência (ou não sabiam a letra?). Quem liga?
– Não poderia deixar de relatar o que acontece com os grupos de teatro de Beleléu, quando os mesmos usam da comicidade – SEMPRE tem que fruir da figura estereotipada do gay afeminado para causar riso. Confesso que já estava preparada para tal ridicularizarão. Mas, nesta encenação, a persona que utiliza da homossexualidade – Ministro Inquiridor, o faz com sutileza e inteligência. (aprendam beleléulenses).
– Falando em comédia, outros dispunham do tempo certo da mesma: o Ministro Especial (é preciso pensar nas criancinhas S2) e os bufões. Tá, chega de elogios.
– A encenação prossegue e não cai no marasmo, nem sequer um minuto. Ah, ia esquecendo, como é belo ver o “teatro do espelho”, “representação dentro da representação”. Apolíneo e singelo recorte oposto da trama irônica e burlesca. Em suma: A peça é um grande deboche! Entre uma reflexiva, sarcástica e irônica contramão dos mecanismos sociais/ políticos. Portanto, Nadim Nadinha somos nós pobres miseráveis. Sabe o que é pior? Ainda rimos de nossas mazelas! Ponto para o autor que conseguiu passar sua mensagem no tom farsesco!
– Por último e não menos importante, gostaria de fazer uma análise sobre os artistas de Fuleiró: Os coitados são eternos mambembes, nunca terão carteira assinada (somente se for concursado. Ops. Na atual conjuntura, será o fim dos concursos?) para usufruírem do seu ofício como: ator, atriz, diretor, encenador, figurinistas, sonoplastas ou cenógrafos. Muito menos terceirizados, no máximo podem cair no conto de terceiros. Mas, no entanto, são audaciosos, arrogantes, egocêntrico (vais me dizer que não?) todos fudidos perante o governo, mas orgulhosos e apaixonados pela seu fazer artístico. Quem nos dera se todos fossem apaixonados pelo seu trabalho como estes subversivos. Começando pelo ponto vertical do poderio – a politicagem. Aí, sim, teríamos um Fuleiró digno do progresso estampado em sua flâmula.
– Enquanto isso não se realiza, rezarei inverso do bispo, para que o mártir trickster (Nadim) que está adormecido nas mentes deste povo desperte e vá à luta.
– Pelo que eu percebi, a senhorita não foi subversiva. Haja vista que, preferiu abandonar seu país ao tentar ser de alguma forma mudar a realidade.
– [silêncio]
Obs. NÃO LEIA INVERTIDO!
?ovisrevbus res siav uo átse omoc raxied iaV !seõçiele met mev euq ona ,açeuqse oãn E .arutnujnoc lauta a radum arap oçemoc mu aireS ?saicneserp euq oenôrre ota reuqlauq moc ossi serezaf lat euq ,saM .sarger sa odnaecapart sátse ,meb otium , hÁ.
06 de Abril de 2017
FICHA TÉCNICA:
Montagem Teatral:
Nadim Nadinha Contra o Rei do Fuleiró
Cenografia:
Cenógrafos:
Kellen Melo, Laís França, Márcio Perez.
Assistentes de Cenografia:
Tita Padilha, Sabrina Pena, Ruan Ribeiro, Sando AGP, Manuela Ferraz.
Figurino:
Figurinistas:
Ivete Moraes, Jean Negrão, Raquel Almeida.
Assistentes de Figurino:
Inezildo Oliveira, Lourdes Amaral, Lucas Belo, Márcia Almeida, Paulo Lino, Renato Gouveia, Thais Sales, Thalita Barros.
Atuação:
Alana Lima, Bárbara Monteiro, Bruno Silva Ferreira, Dayci Oliveira, Eliane Flexa, Felipe Almeida, João Melo, Lennon Bendelak, Noah de Moraes, Paulo César Jr., Paulo Jaime, Rafella Cândido, Rhero Lopes, Siane Morais.
Coordenação de Figurino e Cenografia:
Iara Souza.
Coordenação de iluminação:
Juliana Bentes
Músico:
José Maria
Arte gráfica e Teaser:
Rafaella Cândido.
Direção/Encenação:

Marluce Oliveira e Paulo Santana.