Leonel
Ferreira: Artista de Teatro e Sociólogo. Participante do Minicurso de crítica
teatral “O que pode uma crítica teatral?”
Qual o sentido da vida
para jovens adultos que vivem em Belém? Casa própria, um grande amor, um filho,
um emprego estável, ser um profissional respeitado, ser elegantemente bela,
manter as tradições da família, salvar o mundo, um grande amor...
Esse é o mote da
encenação do Grupo Teatro de Apartamento
para o espetáculo PorPorn, com
dramaturgia e direção de Saulo Sisnando. Talvez essa seja a pergunta mais enigmática
para qualquer mortal.
Dividida em esquetes[1] e
ambientada num consultório terapêutico, cada personagem desfila suas
confidências mais intimas com a/o terapeuta, sendo que este não está em cena,
já que cada esquete pode ser entendida como um monólogo. A plateia assiste,
então, dramas pessoais que se encaixam perfeitamente na vida de qualquer pessoa
que está ali para assistir a um espetáculo de teatro, pois certamente temos uma
amiga que acredita em quiromancia, nos astros e tudo mais que possa trazer a
pessoa amada, bem como temos aquele amigo machista, homofóbico que justifica
suas atitudes violentas por ser simplesmente o macho-alfa, que acredita que
gays são aberrações e devem ser exterminados da face da terra.
A
peça teve sua primeira montagem há dez anos a convite da Cia de Teatro Madalenas a Saulo Sisnando e se mostra atual onde se
percebe que pouco mudou na sociedade brasileira no que tange aos estigmas e
preconceitos. A peça vai do humor ao drama num ritmo meticuloso e as cenas são entrecortadas
com performances de uma dragqueen e
um gogo boy ao som de musicas pop que fazem a mudança de uma cena para
a outra.
Cabe
destacar que as passagens humorísticas são verdadeiras tragédias pessoais, pois
não há nada engraçado quando se vive de “foras” amorosos. Não há nada engraçado
no puritanismo de algumas mulheres que foram educadas para serem belas,
recatadas e do lar. Não há nada engraçado em se ouvir piadas de escritório a
respeito da orientação sexual de uma pessoa. Não há nada de engraçado em saber
que um colega de turma de faculdade faz programas como transvestir para pagar a
mensalidade a fim de concluir o curso. Entretanto, o público se espoca de rir. Aqui
reside a força de PopPorn de Saulo
Sisnando, ele consegue colocar o dedo na ferida, em nossas feridas, nos faz vestir a carapuça da hipocrisia disfarçadas de licença humorística.
A
sutileza com que os dramas pessoais são expostos, divididos com a plateia, nos
coloca na condição não só de espectador, mas também de próprios analisados numa
espécie de consultório que não mais a da/do terapeuta, mas sim a sala de teatro
onde muitos chegam a ele, o teatro, para tentar se encontrar, responder algumas
questões de ordem pessoal, encontrar o sentido da vida.
...On
vit au jour le jour
Nos
envies, nos amours
On
s'enva sans savoir
On
esttoujours
Dans
La même histoire
La
même histoire.[2]
A arte imita a vida. PopPorn é o tipo de peça inspirada em
acontecimentos de vidas comuns, pois não há nada mais autêntico e pertinente na vida do que tentar encontrar o sentido da vida. A música La Meme Histoire,
de Leslie Feist, que é utilizada tanto na abertura, quanto no encerramento do
espetáculo, imprime o tom do espetáculo. De certa forma ela suaviza nossos
corações após nos serem confidenciadas tantas desgraças. E com todos os
percalços que a vida possa apresentar, e mesmo que o amor não tenha vindo ou
que não tenha acontecido, ou ainda venha transvestido de uma matéria confusa ou
mal compreendida, a vida segue, pois não se deve desistir de encontrar um
sentido para o que nos acontece, nem que para isso se tenha que virar as costas
para tudo e buscar a felicidade em Catimandu, no Nepal ou em Curralinho, na
ilha do Marajó ou ainda, quem sabe, reunir os amigos, formar um grupo e fazer
teatro.
Leonel
Ferreira
21
de Março de 2017.
FICHA
TÉCNICA
Elenco:
Eliane Flexa, Erllon Viegas, Gisele
Guedes, Leonardo Moraes, Rony Hofstatter, Sandra Perlin e Saulo Sisnando.
Participação
Especial:
Drag queen Tiffany Boo e do bailarino Mauro
Santos.
Iluminação:
Sônia Lopes
Sonoplastia:
Breno Monteiro
Supervisão
de Figurinos:
Grazi Ribeiro
Assistência
de Direção:
Marina Dahás.
Direção:
Saulo Sisnando
Referências
PAVIS, Patrice. Dicionário de Teatro. São Paulo:
Perspectiva, 2005.
[1] Segundo Patrice Pavis, “esquete
é uma cena curta que apresenta uma situação geralmente cômica, interpretada por
um número de atores sem caracterização aprofundada ou de intriga aos saltos e
insistindo nos momentos engraçados e subversivos. O esquete é, sobretudo, o
número de atores de teatro ligeiro que interpretam uma personagem ou uma cena
com base em um texto humorístico e satírico”. (2005, p.143)
[2]
Trecho da música La Meme Histoire,
de Leslie Feist. Tradução direta: “Vivemos todos os dias nossos desejos, nossos
amores. Partimos sem saber que estamos sempre na mesma história, na mesma
história”
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