Edson
Fernando: Ator e Diretor Teatral. Coordenador do projeto TRIBUNA DO CRETINO.
Sala
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“Preciso procurar meu
terapeuta”. No meu imaginário havia uma espécie de charme, acompanhado de um
tom blasé, um fetiche um tanto adolescente, talvez até um desejo hipocondríaco
sedutor em torno da ideia de consultar um psicoterapeuta, ou melhor, uma
psicoterapeuta. Embora a ideia me parecesse encantadora, nunca vi muito sentido
em procurar uma, pois na minha opinião, tudo se resume em como lidar com as
pedras que a vida te dá: ou se carrega, ou se quebra e escolhe os pedaços que
convém levar. Desse modo, por mais encantadora que fosse a ideia de deitar em
um divã na companhia de um belo par de pernas torneadas, salto agulha preto,
saia lápis preta demarcando o exuberante quadril, camisetinha tecido fino branco,
sem sutiã, mas com decote generoso e terninho preto; por mais voluptuosa que
fosse a idéia de ter aquela voz rouca, pausada e suave, sussurrando os
conselhos e/ou recomendações médicas por entre os lábios contornados pelo batom
vermelho sexy, traçando o diagnóstico de minhas crises existências; por maior
que fosse o deleite de tal fantasia, mantive distância por dois bons motivos
simples: por convicção de não precisar de ninguém me dizendo que o tenho que
fazer com minha vida; uma consulta desse quilate estava muito distante da
realidade que o minha conta bancária permitia.
Determinei, então, que
seria autossuficiente e lidaria sozinho com as pedras que a vida me reservasse
– pelo menos até engordar minha conta bancária. O problema é que nunca sabemos,
ao certo, qual o tamanho das pedras que a vida coloca em nosso caminho. E a
certa altura me deparei com um baita pedregulho, um misto de amor, dor, afeto,
paixão, mágoa, frustração, carinho, desejo carnal, ódio, tristeza, desilusão,
angústia, melancolia, medo, raiva, saudade, solidão. Um coquetel molotov
violento de sentimentos que me consumia sem que eu pudesse reagir, sem que eu
pudesse conter a causa, sem que eu pudesse mover ou destruir aquela imensa
rocha de sufixo Ana. E embora pudesse sentir todo o peso do bloco rígido de
concreto sobre minhas costas, tratava-se apenas de um peso fantasma, pois o
olhar misterioso, o sorriso enigmático e sua aura de bruxa estavam em terras
bem distantes.
A princípio quis
acreditar se tratar de mais uma desilusão amorosa, como tantas outras já
vividas na adolescência. E como minha conta bancária ainda não me permitia
procurar ajuda de uma psicoterapeuta, investi na tática de dar vazão às
lágrimas. E elas vieram em grande quantidade. Por vários dias. Por várias
semanas. Decorridos os primeiros meses, percebi um tremor nas mãos, uma espécie
de tremedeira que surgia inesperadamente e da qual não conseguia controlar.
Depois vieram os pesadelos. No primeiro, minha mãe levou aproximadamente 10
minutos pra conseguir me acordar. Não me lembro de muita coisa, apenas do vulto
de um rosto monstruoso vindo em minha direção para, então, acordar dando um
grito medonho. Com respiração ofegante, suado e aos prantos, acordei nos braços
de minha mãe, tendo a minha frente meus dois irmãos com os olhos perplexos.
Naquela noite, depois de mais de vinte anos dormindo sozinho na minha
aconchegante rede, procurei asilo na cama da minha mãe. E com a sensação de que
alguma coisa ruim estava me espreitando, permaneci acordado até que surgissem
os primeiros raios de sol. Pela manhã, tive a certeza de que precisava de ajuda
para quebrar aquela rocha. E embora minha conta no banco ainda não me
favorecesse, vislumbrei, com certo prazer, a possibilidade de realizar a
fantasia da psicoterapeuta sensual.
Sem os recursos
financeiros necessários para uma consulta particular, e na condição de
estudante da UFPA, recorri ao atendimento público do Departamento de Psicologia
da instituição. Fui bem recebido por uma jovem e encantadora estagiária – estudante
do curso de Psicologia – que realizou meu cadastro de modo atencioso e
afável. “– É um ótimo indício do que
está por vir!” Pensei, sonhando logo encontrar com a figura arrebatadora de
minha terapêutica-fantasia. Mas este pensamento logo se desfez quando fui
informado, pelo doce sorriso da estagiária, que eu havia entrado na lista de
espera. E esperei. Esperei bastante até que pudesse realizar a libidinosa
fantasia, único alento que possuía naqueles longos meses que se seguiram, por
entre novos pesadelos e crises de choro.
A sabedoria popular diz
que o “tempo é o melhor remédio” pra tudo. E então, sem alternativa, deixei o
tempo agir sobre o fantasma daquela rocha. Como um camelo no deserto, coloquei
a rocha entre as corcovas e segui à procura de meu oásis – minha psicoterapeuta
me aguardaria em breve, com seus seios fartos e sua cintura provocante. A
passos lentos deixei o tempo agir... no primeiro mês, lutei para colocar a
rocha entre as corcovas... no segundo mês, a rocha me feriu as corcovas... no terceiro,
as feridas atraíram insetos e parasitas... no quarto, a rocha se cravou entre
as corcovas... no quinto, ela se tornou apenas um estorvo... no sexto,
transformou-se em couraça... no sétimo, usava-a para desobstruir os
obstáculos... no oitavo, deixei de arrastar os passos... no
nono mês, já não conseguia distinguir o que era o camelo e o que era a rocha...
O comunicado impresso tinha o brasão da
universidade. Minha mãe suspeitando se tratar de algo importante tentou violar
a correspondência para descobrir sobre seu conteúdo, mas cheguei a tempo de
evitar. Era a confirmação da terapia. Finalmente o oásis. Finalmente o divã.
Finalmente a psicoterapeuta.
Cheguei pontualmente às
9h00. Apenas aquela porta de divisória modulada nos separava. A maçaneta se move
e com ela, todas as minhas expectativas entram em ebulição. A porta se abre sem
que eu veja quem a manipula. Entro, e sem que nenhuma palavra fosse proferida
um braço e mão robusta direciona o lugar para onde devo me dirigir. Procuro o
divã, mas somente encontro uma pequena mesa de madeira com duas cadeiras,
também de madeira. A sala não tem janelas, mas ostenta um empoeirado ventilador
de teto. Sento. E finalmente ela se senta na cadeira bem à minha frente. Calça
jeans, tênis surrado, camiseta com estampa colorida, jaleco branco semi
abotoado. Cabelos desgrenhados pretos que descem até pouco abaixo da altura dos
ombros. Óculos de grau quadradinho, silhueta generosa nas laterais e um pequeno
detalhe por entre os dedos da mão direita: um cigarro. A voz embargada pelos
anos de nicotina acumulada no organismo, em fim, dispara a sentença que dá
início a terapia: “ – Pode falar!”.
Desapontado com a
abordagem pus-me a pensar, e entre o lapso de tempo da pergunta da
psicoterapeuta e da resposta que elaborei, refleti sobre o sentido da vida: Qual
o sentido de estar ali? Qual o sentido de depositar no outro a responsabilidade
por encontrar a resolução para nossos próprios problemas? Qual o sentido de
sofrer incomensuravelmente por alguém que já seguiu o seu caminho? O que nos
leva a acreditar que somos o camelo e não a rocha?
Absorto nesses
pensamentos pus-me a falar sobre o que sentia, com a certeza de que, o que
sentia, não fazia mais nenhum sentido, embora continuasse sentido a presença da
rocha. Enquanto eu falava, passaram-se mais dois ou três cigarros, algumas
anotações num caderno de arame e apenas algumas intervenções como: “– Por que
você acha isso?” ou “Por que você não acha isso normal?”. Sai dali me sentindo
ridículo. Voltei para mais uma sessão e depois abandonei o tratamento sem dar
satisfações.
Meses depois recebi
outro comunicado do Departamento de Psicologia dizendo que eu estava “sob a
responsabilidade e os cuidados médicos daquela clínica de psicologia”, ao que
imediatamente respondi com cópia da carta enviada também ao gabinete do reitor:
“Descobri que sou rocha. Cuidem dos camelos!”
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Sempre achei divertido
abordar os assuntos cotidianos com humor e extrair deles pequenas reflexões
sobre a vida; reflexões despretensiosas, nada que tornasse a vida ainda mais
séria e chata do que ela já é, pois pra isso já existem os filósofos e as mães;
reflexões que de tão despretensiosas, passassem quase despercebidas sem que,
por outro lado, deixassem de oportunizar o exercício do simples ato do pensamento
crítico. Acredito que haja no riso, no humor e no cômico um nobre tipo de
reflexão crítica descomprometida de mudar o mudo, de mudar as pessoas, de mudar
o ser humano, ou de melhorar a humanidade. A lógica na perspectiva cômica, me
parece, não ser aquela que se compromete com “endireitar” o mundo, mas sim
aquela que se apropria do que há de mais errado e torto no mundo, tomando isso
como matéria prima, mimetizando e trazendo a público um retrato irreverente,
satírico, debochado, escrachado, por vezes insolente, petulante, atrevido,
caricato, pilhérico, hilário, jocoso, burlesco ou histriônico mostrando a banda
podre do mundo e da humanidade. Já cai na armadilha de pensar que o cômico
fosse um obstáculo ao pensamento crítico, uma espécie de fiel escudeiro da
alienação. Atualmente, consegui entender, felizmente, que o cômico é talvez uma
das maiores armas que se pode ter para afrontar um sociedade caótica, hipócrita
e moralista como a que temos no Brasil, neste início de século. Talvez por isso
mesmo, eu esteja aqui, sentado em seu divã, doutora Nazaré. Vejo que meu ofício
ligado ao cômico encontra-se ameaçado ou distorcido por uma visão que pretende
lhe imputar todas as responsabilidades do mundo. Tem sido difícil fazer humor
quando todos parecem estar vigilantes a procura de um deslize, de um escorregão
para que se atire a pecha de “isso” ou “daquilo”, quando na verdade o que se
está a fazer é simplesmente “arte”. Eu sei que “arte” é uma palavra esquisita,
imprecisa, lacônica, subversiva. Eu sei que o termo pode servir para ocultar ou
mascarar crimes repulsivos e graves. Mas, Nazaré: Como seria a vida sem “arte”?
Me responde em que período histórico, nós artistas, não fomos tidos como
perigosos a ordem das convenções estabelecidas? Me responde se a “arte” pode
ser pautada pela “moral” e pelos “bons costumes”? Não fez nenhum sentido,
Nazaré. E é por isso, Nazaré que eu não consigo compreender por que alguns
trabalhos de teatro da cidade se curvam a “pseudo necessidade” de colocar em
suas montagens cômicas ou de entretenimento nonsense
a discussão e desenvolvimento de temas caros aos nossos dias. Como se
precisássemos estar comprometidos com um ensinamento moral a qualquer custo.
Como se precisássemos estar engajados nas pautas e causas sociais de modo
didático e pedagógico. Ah, que chato, Nazaré. Parece o Platão expulsando os
artistas da república ideal, ou minha mãe me enchendo o saco pra eu comprar uma
capa de chuva pra não chegar encharcado em casa. Nazaré me responde uma coisa: Que
graça tem andar de bike na chuva, com uma capa de chuva? Não tem graça nenhuma.
Agora imagina a bosta da república do Platão sem nenhum artista pra fazer
galhofa, pra fazer pilhéria, pra fazer sátira, pra fazer humor. Poxa, Nazaré.
Será que simplesmente fazer rir já não é tarefa das mais nobres? Já não é
exercitar àquele pensamento crítico de que te falava no inicio dessa sessão?
Pois é. Por que perguntar pelo sentido da vida quando o barato está em
mimetizar e ridicularizar o sem sentido da bosta desta vida? Mais humor, por
favor, Nazaré. Mais “arte”, Nazaré. Na atual conjuntura, eu gosto mesmo é
quando tudo descamba pro escracho desmedido, pra tinta forte do deboche, pra
caricatura farsesca que revela o rei, a corte e os plebeus, todos nus. Sabe Nazaré,
às vezes fico pensando que o Grégor Samsa é quem foi o grande sortudo da
humanidade. O cara amanheceu certo dia, com seu DNA alterado e com a
possibilidade de perpetuar sua espécie, aconteça o que acontecer com esta bosta
de mundo. Salve as Blattodeas, pois
elas resistirão a este mundo chato e insosso. E sem a necessidade de uma
terapeuta.
Salas: 02, 05, 12, 14
A primeira vez que o vi
com aquele terno alinhado, a barba bem aparadinha, o tom de voz mais suave e
comedido, quis acreditar que era por uma boa causa, uma estratégia necessária
depois de três derrotas consecutivas. O famoso “Lulinha Paz e Amor”, criado por
Duda Mendonça, talvez fosse apenas uma peça publicitária inofensiva e necessária
para que o primeiro operário chegasse ao topo do poder no Brasil. Olha Fátima,
eu te confesso que apesar de ter essa consciência, e de já ter votado nele nas
últimas duas vezes anteriores, em 2002 eu votei nele com certa relutância. Sei
lá, acho que meu instinto jedi me
alertava pra merda que podia dar; sentia o lado negro da força rondando a barba
daquele metalúrgico. Confesso também que àquela altura, o voto nulo ainda não
me parecia uma boa opção. Então, apertei a tecla 13 no primeiro e no segundo
turno das eleições, muito mais com o desejo de deixar o vampiro, José Serra,
longe do poder, do que propriamente colocar o Lula no planalto. Mas Fátima,
confesso também que no dia da confirmação da sua vitória, fiquei comovido. O
país inteiro ficou. Aquele homem do povo, com sua trajetória de trabalhador e militante
de partido político, com participação ativa na luta pelo direito dos operários,
e ainda por cima com uma oratória capaz de mobilizar e emocionar as massas,
também me comoveu. Mas ai veio a formação do primeiro escalação dos ministérios;
aquele argumento da governabilidade no congresso nacional, as alianças
necessárias, o “toma lá, da cá” de sempre, Fátima. Tava na cara que ia dar
merda, Fátima. Se aproximar do Sarney, ACM, Antony Garotinho e Jader Barbalho seria
o mesmo que mandar o Anakin Skywalker trabalhar na casa do senador Palpatine. Não
ia dar certo. E não demorou. Veio o escândalo do Mensalão em 2005. E o que foi
que ele disse, Fátima? Ele disse que NÃO SABIA. Fátima, ele disse que N – Ã –O SA –BI – A. Oh, santo homem de deus. Ele NÃO SABIA.
Eu juro, Fátima que me esforcei pra acreditar nisso, mas já conseguia ver a cor
vermelha no sabre de luz dele. Foi a gota d’água, e partir daí fiquei
convencido do voto nulo. Era o meu modo de me manter longe daqueles sith. E quando a gente pensa que não
pode piorar, Fátima, o que acontece? A famigerada aliança com o PMDB em 2010,
entregando de bandeja a vice-presidência do país pra ninguém menos que o sith mor Michel Temer. Veja bem, Fátima,
o Michelzinho tava lá, cafungando na cadeira da Dilma desde 2010. O homem era tido
como um autêntico jedi, garantiria a “governabilidade”
com o bloco de pmdebistas, considerados fieis e leais escudeiros. Égua Fátima.
Foi essa gente que subiu no palanque dela, desde 2010. Que comemorou e
possibilitou a eleição da primeira mulher PRESIDENTA do Brasil. Caramba Fátima,
que mancha maldita na história, heim. Pois é, o Michelzinho tava lá e foi muito
bem recebido pela corte de Lula e Dilma. E eu àquela altura, quando já não esperava
que nada mais me surpreendesse, tenho o tapete puxado novamente. Os quatro
dedinhos de Lula apertando a mão do Mafuf, nas eleições de 2012, foi demais. Sabe
Fátima, acho que nunca tinha sentido tanta desilusão, frustração, raiva e nojo
ao mesmo tempo. E o pior é que os caras assumem tudo na maior cara de pau,
dizendo que isso faz parte do jogo democrático. Puta que o pariu, Fátima. Não
dá. Lula apertando a mão do Maluf e arrotando democracia, deu vontade de entrar
na Millennium Falcon e me escafeder pra galáxia mais distante possível. Olha
Fátima, dizem que errar uma vez é humano, mas errar duas vezes é estupidez das
brabas. E eu te pergunto, Fátima: quem era o vice-presidente na chapa da Dilma
em 2014? O Michelzinmho de novo. Karaléo!!! De novo o voduzento, Temer. Égua Fátima,
te juro que se dependesse só de mim, eu mirava a Estrela da Morte bem na
direção do Planalto Central e disparava sem piedade. E agora, Fátima, depois da
merda que deu colocar os sith como
aliados, esse povinho vermelho vem me falar de GOLPE? Puta que o pariu!!!
Desculpa, Fátima, eu detesto usar palavrão, mas PUTA QUE O PARIU!. GOLPE AONDE,
KARALÉO!? Depois que o Lula apertou a mão do Maluf, golpe aonde, cara de cu? E
o pior de tudo, Fátima, é que diante de todas essas cagadas, eu é quem sou
taxado de facista, reacionário, escroto e ainda sou acusado de estar fazendo performance
política blasé. Olha Fátima, pra não mandar tomo mundo tomar no Jakku, só mesmo
muitas sessões de terapia contigo.
Edson
Fernando
26
de Abril de 2017.
FICHA
TÉCNICA
Montagem
Teatral: PopPorn
Elenco:
Eliane Flexa, Erllon Viegas, Gisele
Guedes, Leonardo Moraes, Rony Hofstatter, Sandra Perlin e Saulo Sisnando.
Participação
Especial:
Drag queen Tiffany Boo e do bailarino Mauro
Santos.
Iluminação:
Sônia Lopes
Sonoplastia:
Breno Monteiro
Supervisão
de Figurinos:
Grazi Ribeiro
Assistência
de Direção:
Marina Dahás.
Direção:
Saulo Sisnando