quarta-feira, 1 de junho de 2016

A começar pelo eu, nós artistas – Por Paula Barros

Autora da Crítica: Paula Adrianna Barros da Cruz, Graduanda em Licenciatura em Teatro, Bolsista PIBEX 2016 no Projeto TRIBUNA DO CRETINO.

Através da arte da máscara, da fantasia de viagens e sonhos a Trupe Perifeéricos vai tecendo e se misturando a realidade do mundo mortal (dos seres humanos) em uma trama com artistas/personagens mágicos, com sonhos, poesia e bacanagens.
A trupe com o espetáculo A Começar Pelo Pôr do Sol, têm Mateus Moura na direção, Jimmy Góes e Camila Guerreiro na música. Nesse final de semana a montagem parou no Anfiteatro da Praça da República, e com todo seu fulgor, mais que um espetáculo, nos apresenta seu ponto de vista artístico explorando e vivenciando o reino feérico , e é assim que a trupe fala do artista, como esse que representa e vive na humanidade, ao mesmo tempo em que devaneia e se comove na incessante busca por um mundo melhor.
E essa fala sobre a arte se apresenta com o grupo no início do espetáculo quando Camila Guerreiro numa distância considerável à frente do anfiteatro toca o bumbo que está preso às costas, ao mesmo tempo em que anda em direção a plateia ansiosa; cada passo seu se torna uma dança com os pés que tocam os pratos de uma bateria localizada em cima do bumbo, mostrando o quanto é multifacetado o artista, e sua capacidade de explorar todos os lugares e pontos de vistas do universo. E já contagiada pela entrada de Camila não demora para a trupe dos atores anunciar sua chegada de perto do monumento à frente do anfiteatro. Numa espécie de prólogo inicial perguntavam o porquê de estarmos ali, se havíamos vindo pelo acaso, ou por algo maior, em busca por algo melhor, não exatamente com essas palavras, mas isso me contagiou, pois ao longo do espetáculo é o que me desperta os sentidos do ser artista.
O preâmbulo da história de amor que será contada é o seguinte: a trama se inicia com os quatro viajantes Satyr (o fauno) interpretado por Rafael Couto, Fleur (a rainha) por Lu Borgges, Dermond (o vento) por Raoni Moreira e Odorin (a confusão) por Evy Loyola, com as máscaras e características que marcam a comédia Dell’art, mas de maneira contemporânea e não restrita a forma, contam a história de amor entre Dermond o ser mágico e imortal e Rosa interpretada por Demi Araújo que é uma menina mortal, mas não comum, pois, ela é carregada de sonhos e imaginação; assim os outros da trupe planejam atrapalhar o romance com trapaças o que acaba por terra, dando tudo errado e mudando o destino dos viajantes.
E o que esse enredo tem a ver com o artista? Acredito que todo espetáculo se torna uma metáfora: o amor de Dermond com Rosa nos revela o artista que ama, sonha, poetiza e devaneia com sua arte, amor esse sincero, mas como um ser errante está sujeito as mazelas do mundo. Esse amor revela a loucura do artista em poder ser todos e ninguém: todos, porque como atores podemos encarnar diversos e ilimitados personagens, e ninguém porque nunca somos ninguém aos olhos de uma sociedade onde o que governa é o dinheiro e o poder de posse, fruto de um sistema educacional voltado para o aprendizado diretamente ligado ao mercado de trabalho, mercado esse que não tem espaço para todos, então, você deve reproduzir e não pensar, pois se refletir e pensar haverá uma grande revolução. E o que é que o artista faz? Revela, mostra, propõe, induz. Entretanto, há algo a mais que se expõe nesse enredo de amor do artista. O amor egoísta, fazendo com que a classe artística se fragmente, onde cada qual vive em seu canto, sempre a espera de um reconhecimento. Exemplo disso foi a ocupação no Minc pelo Brasil, que também gerou divisão entre a classe, pois no meu ponto de vista acabou sendo mais um levantamento de bandeiras vermelhas e amarelas do que uma união da classe pela retomada do Ministério da Cultura.
Em alguns momentos do espetáculo os artistas retiram as máscaras (características da comédia Dell’arte), revelando o artista e ser humano errante que cada um carrega em si, com suas frustrações da vida mambembe.
Em vários momentos do espetáculo quando, por exemplo, Rosa é apresentada por Dermond aos outros da Trupe, e por vezes com máscara ou sem máscara, surge uma pergunta: quem é você? Isso me remete ao momento inicial do espetáculo onde eles perguntam sobre o que faço ali, que foi justamente o que perguntei no primeiro momento da construção da minha prova prática para a Licenciatura em Teatro: o que eu sou? E o que eu quero? E a transformação foi realizada no dado momento da minha criação para a cena do teste de habilidade, assim como a cena final do espetáculo, quando a trupe consegue separar o casal e Dermond decide seguir seu caminho longe da família mambembe e Rosa se junta à trupe. Apesar das circunstâncias cada um faz a sua escolha e muda seu destino.
Então, também percebo que fiz uma escolha e mudei meu destino, retorno ao dado momento de criação para o teste de habilidade da Licenciatura que escrevo assim:
Quem eu sou?
Na verdade, quem somos nós?
Somos almas pecadoras, sonhadoras em busca da felicidade
E onde encontramos a felicidade?
Cada um encontra pra si o que busca o que deseja,
E o que desejamos, é o reflexo de nossas almas.
                                                       
E, continuando nas minhas revelações pessoais e como resposta a loucura do momento de escolha e criação, eu canto:
O que quero?
Eu quero a sina de um artista de cinema
Eu quero a cena onde eu possa brilhar
Um brilho intenso, um desejo, eu quero um beijo
Um beijo imenso, onde eu possa me afogar
Eu quero ser o matador das cinco estrelas
Eu quero ser o Bruce Lee do Maranhão
A Patativa do Norte, eu quero a sorte
Eu quero a sorte de um chofer de caminhão
Pra me danar por essa estrada, mundo afora, ir embora
Sem sair do meu lugar
Pra me danar, por essa estrada, mundo afora, ir embora
Sem sair do meu lugar
Ser o primeiro, ser o rei, eu quero um sonho
Moça donzela, mulher,dama, ilusão
Na minha vida tudo vira brincadeira
A matina é verdadeira, domingo e televisão
Eu quero um beijo de cinema americano
Fechar os olhos fugir do perigo
Matar bandido, prender ladrão
A minha vida vai virar novela
Eu quero amor, eu quero amar
Eu quero o amor de Lisbela
Eu quero o mar e o sertão
Eu quero amor, eu quero amar
Eu quero o amor de Lisbela
Eu quero o mar e o sertão
(Lisbela, Los Hermanos)

O espetáculo faz suas revelações do mundo artístico e da loucura em emponderar-se na luta por mudanças, sejam elas pessoais ou não, sempre buscando algo que é maior no ser humano, a natureza, o cosmo, as revelações da arte, no imaginário dos mitos e folclores, a busca por si, e pela liberdade. Uma história de amor pelo próximo e pela arte.
Paula Barros

01 de Junho de 2016

2 comentários:

  1. Aprendi que há diferença entre interpretar e representar. Sendo interpretar uma análise da personalidade da personagem para encená-la, enquanto a representação é você se expressar, se expor, através daquele personagem, fazendo dele um canal para a autoexpressão. Esse ensino diz que a representação é uma poética muito mais profunda, verdadeira e potente. Seu texto nos REPRESENTA muito bem. Fizeste o que mais desejamos para nosso público, tomar a obra para si, se reconhecer nela e se expressar através dela. Fiquei muito feliz ao ler o texto, pois ele vai além da crítica convencional ou de uma resenha formal sobre um espetáculo. Vi nele uma expressão artística e política, que ao mesmo tempo que é pessoal, comunga incrivelmente com nossos sentimentos ao criar essa obra, traduzindo-a de maneira precisa e exemplar. Não posso deixar de notar que a Tribuna do Cretino, não só abre espaço para essa liberdade expressiva, como também a incentiva, desenvolvendo textos carregados de percepções sensíveis, em vez de somente críticas analítica. Fico muito feliz com essa iniciativa. Grato à você Paula, pelo o que suas palavras despertaram em mim, algo que vai muito mais do que um cumprimento a um elogio, que me envolve ainda mais nesse sentimento de comunhão com o público, clareando o quanto nossa peça pode afetar e transformar um os espectadores e o quanto tudo isso que mexe com eles nos afeta, move, comove e também transforma. Grato!

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    1. Agradeço pelas palavras de incentivo e reconhecimento de um trabalho árduo que é provocar cada vez mais pessoas interessadas em pensar o teatro que é produzido por aqui. Parabéns por seu trabalho. Lamento não ter conseguido conferir.

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