Autora da Crítica:
Paula Adrianna Barros da Cruz, Graduanda em Licenciatura em Teatro, Bolsista
PIBEX 2016 no Projeto TRIBUNA DO CRETINO.
Através
da arte da máscara, da fantasia de viagens e sonhos a Trupe Perifeéricos vai
tecendo e se misturando a realidade do mundo mortal (dos seres humanos) em uma
trama com artistas/personagens mágicos, com sonhos, poesia e bacanagens.
A
trupe com o espetáculo A Começar Pelo Pôr do Sol, têm Mateus Moura na direção,
Jimmy Góes e Camila Guerreiro na música. Nesse final de semana a montagem parou
no Anfiteatro da Praça da República, e com todo seu fulgor, mais que um
espetáculo, nos apresenta seu ponto de vista artístico explorando e vivenciando
o reino feérico , e é assim que a trupe fala do artista, como esse que
representa e vive na humanidade, ao mesmo tempo em que devaneia e se comove na
incessante busca por um mundo melhor.
E
essa fala sobre a arte se apresenta com o grupo no início do espetáculo quando
Camila Guerreiro numa distância considerável à frente do anfiteatro toca o
bumbo que está preso às costas, ao mesmo tempo em que anda em direção a plateia
ansiosa; cada passo seu se torna uma dança com os pés que tocam os pratos de
uma bateria localizada em cima do bumbo, mostrando o quanto é multifacetado o
artista, e sua capacidade de explorar todos os lugares e pontos de vistas do
universo. E já contagiada pela entrada de Camila não demora para a trupe dos atores
anunciar sua chegada de perto do monumento à frente do anfiteatro. Numa espécie
de prólogo inicial perguntavam o porquê de estarmos ali, se havíamos vindo pelo
acaso, ou por algo maior, em busca por algo melhor, não exatamente com essas
palavras, mas isso me contagiou, pois ao longo do espetáculo é o que me
desperta os sentidos do ser artista.
O
preâmbulo da história de amor que será contada é o seguinte: a trama se inicia
com os quatro viajantes Satyr (o fauno) interpretado por Rafael Couto, Fleur (a
rainha) por Lu Borgges, Dermond (o vento) por Raoni Moreira e Odorin (a
confusão) por Evy Loyola, com as máscaras e características que marcam a
comédia Dell’art, mas de maneira contemporânea e não restrita a forma, contam a
história de amor entre Dermond o ser mágico e imortal e Rosa interpretada por
Demi Araújo que é uma menina mortal, mas não comum, pois, ela é carregada de
sonhos e imaginação; assim os outros da trupe planejam atrapalhar o romance com
trapaças o que acaba por terra, dando tudo errado e mudando o destino dos
viajantes.
E
o que esse enredo tem a ver com o artista? Acredito que todo espetáculo se
torna uma metáfora: o amor de Dermond com Rosa nos revela o artista que ama,
sonha, poetiza e devaneia com sua arte, amor esse sincero, mas como um ser
errante está sujeito as mazelas do mundo. Esse amor revela a loucura do artista
em poder ser todos e ninguém: todos, porque como atores podemos encarnar
diversos e ilimitados personagens, e ninguém porque nunca somos ninguém aos
olhos de uma sociedade onde o que governa é o dinheiro e o poder de posse,
fruto de um sistema educacional voltado para o aprendizado diretamente ligado
ao mercado de trabalho, mercado esse que não tem espaço para todos, então, você
deve reproduzir e não pensar, pois se refletir e pensar haverá uma grande
revolução. E o que é que o artista faz? Revela, mostra, propõe, induz.
Entretanto, há algo a mais que se expõe nesse enredo de amor do artista. O amor
egoísta, fazendo com que a classe artística se fragmente, onde cada qual vive
em seu canto, sempre a espera de um reconhecimento. Exemplo disso foi a
ocupação no Minc pelo Brasil, que também gerou divisão entre a classe, pois no
meu ponto de vista acabou sendo mais um levantamento de bandeiras vermelhas e
amarelas do que uma união da classe pela retomada do Ministério da Cultura.
Em
alguns momentos do espetáculo os artistas retiram as máscaras (características
da comédia Dell’arte), revelando o artista e ser humano errante que cada um
carrega em si, com suas frustrações da vida mambembe.
Em
vários momentos do espetáculo quando, por exemplo, Rosa é apresentada por
Dermond aos outros da Trupe, e por vezes com máscara ou sem máscara, surge uma
pergunta: quem é você? Isso me remete ao momento inicial do espetáculo onde
eles perguntam sobre o que faço ali, que foi justamente o que perguntei no
primeiro momento da construção da minha prova prática para a Licenciatura em
Teatro: o que eu sou? E o que eu quero? E a transformação foi realizada no dado
momento da minha criação para a cena do teste de habilidade, assim como a cena
final do espetáculo, quando a trupe consegue separar o casal e Dermond decide
seguir seu caminho longe da família mambembe e Rosa se junta à trupe. Apesar
das circunstâncias cada um faz a sua escolha e muda seu destino.
Então,
também percebo que fiz uma escolha e mudei meu destino, retorno ao dado momento
de criação para o teste de habilidade da Licenciatura que escrevo assim:
Quem
eu sou?
Na verdade, quem somos nós?
Somos almas pecadoras, sonhadoras em busca da
felicidade
E onde encontramos a felicidade?
Cada um encontra pra si o que busca o que deseja,
E o que desejamos, é o reflexo de nossas almas.
E,
continuando nas minhas revelações pessoais e como resposta a loucura do momento
de escolha e criação, eu canto:
O
que quero?
Eu quero a sina de um artista de cinema
Eu quero a cena onde eu possa brilhar
Um brilho intenso, um desejo, eu quero um beijo
Um beijo imenso, onde eu possa me afogar
Eu quero ser o matador das cinco estrelas
Eu quero ser o Bruce Lee do Maranhão
A Patativa do Norte, eu quero a sorte
Eu quero a sorte de um chofer de caminhão
Pra me danar por essa estrada, mundo afora, ir
embora
Sem sair do meu lugar
Pra me danar, por essa estrada, mundo afora, ir
embora
Sem sair do meu lugar
Ser o primeiro, ser o rei, eu quero um sonho
Moça donzela, mulher,dama, ilusão
Na minha vida tudo vira brincadeira
A matina é verdadeira, domingo e televisão
Eu quero um beijo de cinema americano
Fechar os olhos fugir do perigo
Matar bandido, prender ladrão
A minha vida vai virar novela
Eu quero amor, eu quero amar
Eu quero o amor de Lisbela
Eu quero o mar e o sertão
Eu quero amor, eu quero amar
Eu quero o amor de Lisbela
Eu quero o mar e o sertão
(Lisbela, Los Hermanos)
O espetáculo faz suas
revelações do mundo artístico e da loucura em emponderar-se na luta por
mudanças, sejam elas pessoais ou não, sempre buscando algo que é maior no ser
humano, a natureza, o cosmo, as revelações da arte, no imaginário dos mitos e
folclores, a busca por si, e pela liberdade. Uma história de amor pelo próximo
e pela arte.
Paula Barros
01 de Junho de 2016
Aprendi que há diferença entre interpretar e representar. Sendo interpretar uma análise da personalidade da personagem para encená-la, enquanto a representação é você se expressar, se expor, através daquele personagem, fazendo dele um canal para a autoexpressão. Esse ensino diz que a representação é uma poética muito mais profunda, verdadeira e potente. Seu texto nos REPRESENTA muito bem. Fizeste o que mais desejamos para nosso público, tomar a obra para si, se reconhecer nela e se expressar através dela. Fiquei muito feliz ao ler o texto, pois ele vai além da crítica convencional ou de uma resenha formal sobre um espetáculo. Vi nele uma expressão artística e política, que ao mesmo tempo que é pessoal, comunga incrivelmente com nossos sentimentos ao criar essa obra, traduzindo-a de maneira precisa e exemplar. Não posso deixar de notar que a Tribuna do Cretino, não só abre espaço para essa liberdade expressiva, como também a incentiva, desenvolvendo textos carregados de percepções sensíveis, em vez de somente críticas analítica. Fico muito feliz com essa iniciativa. Grato à você Paula, pelo o que suas palavras despertaram em mim, algo que vai muito mais do que um cumprimento a um elogio, que me envolve ainda mais nesse sentimento de comunhão com o público, clareando o quanto nossa peça pode afetar e transformar um os espectadores e o quanto tudo isso que mexe com eles nos afeta, move, comove e também transforma. Grato!
ResponderExcluirAgradeço pelas palavras de incentivo e reconhecimento de um trabalho árduo que é provocar cada vez mais pessoas interessadas em pensar o teatro que é produzido por aqui. Parabéns por seu trabalho. Lamento não ter conseguido conferir.
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