quinta-feira, 2 de junho de 2016

Hey, Édipo! – Por Marton Maués

Autor da Crítica: Marton Maués, Professor Dr. da Escola de Teatro e Dança da UFPA.

O que dizer de um espetáculo que se gostou muito? Édipo Rei, montagem do 1º ano do Curso Técnico de Arte Dramática da ETDUFPA, com ênfase na formação do ator, arrebatou-me, atingiu com seu brilho minhas retinas e tocou meu coração de espectador. Deixei-me levar. E digo que gostei demais do trabalho que conta com direção correta de Karine Jansen, Denis Bezerra e Renan Delmont. A montagem, que aconteceu no Museu do Estado (Palácio Lauro Sodré), conta, como toda montagem de final de ano da Escola de Teatro e Dança da UFPA, com uma grande equipe, integrada ainda pelos formandos do Curso Técnico de Figurino e Curso Técnico de Cenografia, equipes coordenadas pelas professoras Ézia Neves e Adriana Cruz, respectivamente.
Digo que gostei, mas preciso dizer mais. O espaço escolhido, o Museu do Estado do Pará – Palácio Lauro Sodré, não podia ter sido melhor. A suntuosidade de suas linhas neoclássicas, colunas, mármores, escadarias, corredores, pisos, servem com perfeição como cenário para a tragédia do rei Édipo: a peça nos mostra o fascínio pelo poder, a soberba e vaidade gerada em quem o conquista. Situação e sentimentos antigos, se pensarmos que foi escrita em 427 a.C por Sófocles, mas atualíssimos se pensarmos no momento pelo qual passa nossa Terra Brasilis: de um lado e de outro o que vemos é vaidade e soberba e, como na Tebas do rei Édipo o povo passando por dificuldades.
O trabalho de iluminação do espetáculo acentua a suntuosidade do espaço/palácio, cria clima ideal para os embates que acontecem na peça e, sobretudo para a evolução do coro, elemento importante dentro da estrutura da tragédia clássica grega, mas que ganhou, no meu entender, a melhor solução dada pela direção.
O coro teve seu texto quase que totalmente suprimido, substituído por evoluções corporais fortes e vibrantes que mostram os acontecimentos no lugar de contá-los. A ação é, sem dúvida, muito mais forte que as palavras. Um destes primeiros momentos, que abre a peça por sinal, é o “pecado” de Laio, que seduz o jovem filho de um amigo e protetor, motivo pelo qual caiu sobre si a maldição de não poder gerar filho, pois este o mataria e casaria com sua esposa. Já de posse do reino de Tebas, casa-se com Jocasta e lhe dá um filho. Com medo da maldição, manda que matem a criança, expondo-a no monte Citeron, com os pés atados, mas a criança é salva por um pastor e levada a outro reino, onde é criada como filho.
Sem saber que é adotado, Édipo, que significa pés inchados, ao consultar o oráculo fica sabendo que matará seu pai, e foge. Na fuga, em uma estrada perto de Tebas, encontra uma caravana que o impede de seguir, desentende-se com seu líder, discute e na luta mata-o e a seus súditos. Na entrada da cidade, uma esfinge lhe propõe um enigma: Qual é o animal que tem quatro patas de manhã, duas ao meio-dia e três à noite? É o homem, diz Édipo, salvando a sua e a vida da cidade. Torna-se rei, casa-se com a rainha viúva, Jocasta, com quem tem quatro filhos.
Anos depois, a cidade é atacada por uma terrível peste, da qual se livrará, segundo o oráculo de Delfos, se o assassino de Laio for encontrado. O rei Édipo, que salvará a cidade uma vez, toma pra si cheio de orgulho tal tarefa. E movido pela soberba real, a cada passo que dá em direção ao desvelamento do assassínio do antigo rei, descobre seu trágico destino, a maldição de Laio: o filho matou o pai e casou-se com a mãe. Jocasta enforca-se, Édipo cega os olhos e sai pelo mundo, levado por uma criança. O oráculo parece estar entre nós: não há como, assistindo ao Édipo Rei da ETDUFPA, não pensar no Brasil em que os “soberanos”, a cada passo que dão, desvelam suas próprias derrocadas. Mas aqui a esfinge tem muitas faces: a imprensa é uma delas, a operação lava-jato outra. E há muita gente “importante” envolvida na desgraça da nossa cidade-estado: deputados, senadores, ministros e grandes empresários. Vaidade e soberba não são privilégios de nossos soberanos.
A peste que nos assola não vem dos céus, vem da terra mesmo e provocada pela classe política. E não temos um salvador. Temos a nós mesmos e nossa força de reflexão e capacidade de protesto, indignação, ação que pode barrar o avanço da praga, nosso voto ou não voto. Mas uma ação nossa, dos coletivos, que forcem uma reforma política. A solução está numa ação do coro que possa desafinar o coro dos contentes.
Na estrutura da tragédia grega, mortes não eram mostradas, mas anunciadas. Na tragédia de hoje, além de ser mostrada ganha plasticidade: um grande tecido vermelho serve ao enforcamento da bela rainha Jocasta. Plasticidade, também, encontramos nos adereços, maquiagens e cabelos dos personagens – coroas feitas de galhos, adornando os penteados é sem dúvida um grande achado. O figurino não é rico e cheio de frufrus, como vemos em algumas montagens de textos clássicos, mas é preciso e funcional, como dever ser. Ao coro cabe ainda cantar a trilha sonora, coadjuvado por uma percussão densa e pontual, reforçando os climas e ápices da peça, e um teclado que acentua melodicamente a força da canção, conduzindo de forma vibrante a tragédia do rei Édipo.
Sei que dois elencos revezavam-se nos principais personagens da tragédia. O elenco que vi agradou-me muito: precisos e seguros na difícil tarefa de interpretar texto tão complexo, um clássico, transmitindo-nos com clareza os acontecimentos e emoções da tragédia do rei Édipo. Encantei-me com os meninos e meninas do primeiro ano do curso técnico da ETDUFPA. Como professor que sou da Escola de Teatro e Dança, não tive como não sentir uma ponta de orgulho: Evoé alunos, evoé colegas professores!
Marton Maués

02 de Junho de 2016

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