terça-feira, 21 de junho de 2016

Não foi o Boto – Por Jaqueline Miranda.

Autora da Crítica: Jaqueline Miranda, Graduanda da Licenciatura em Teatro UFPA, Bolsista PROINT 2016 pelo Projeto TRIBUNA DO CRETINO
Apresentada no Teatro Waldemar Henrique, A Lenda do Boto Cor de Rosa é um espetáculo teatral de teor cômico escrito por Jorge Miranda e realizado pela Cia Corifeus de Teatro – dirigida por Douglas Mourão e Jorge Miranda.
 A peça conta a historia de uma família de ribeirinhos e se passa na década de 80 no Pará no século XX. Antônio é o mais velho de três irmãos, um rapaz formoso e bravo, o estilo de homem que todo mundo no vilarejo tem medo, ao contrário de seus irmãos Zelito e Marcolino. Antônio tem a mulher que quiser, por ser considerado o macho alfa, ou o tipicamente "galo do terreiro".
Antônio é encantado pelo Boto cor de rosa numa noite de festa e após ficar horas desaparecido se apresenta aos pais trazido por Vardico, que supostamente o havia  encontrado com uma nova personalidade desconhecida pelos familiares. Antônio, agora fica mais frágil, gentil e até mesmo romântico, atraindo ainda mais as mulheres. São chamados uma mãe e um pai de santo até sua casa, a fim de acabar com o encantamento do boto. São feitas rezas para que o suposto boto “caísse de dor”, mas quem é encontrado pelos dois irmãos de Antônio, é Vardico que se retorcia de dor perto da casa.
A verdadeira história por trás do encantamento do Boto cor de rosa é que Vardico mantinha um relacionamento com Antonio e para que houvesse uma desculpa em relação a sua mudança de comportamento, fez sua própria versão da lenda Amazônica do Boto – na versão original se conta que em noite de festa o boto sai das águas e se transforma em homem para engravidar as mulheres ribeirinhas.
O espetáculo me despertou algumas inquietações como, por exemplo, até que ponto posso chegar para esconder algo que eu sou, mas que a sociedade vê como errada, que meios, muitas vezes, sou levado pra camuflar ou reprimir ideias e escolhas? Me coloco no lugar do personagem Antonio quando me vejo na necessidade de usar roupas tidas como adequadas para freqüentar alguns lugares formais para que as pessoas me aceitem e não me olhem com estranhamento. Refiro-me, particularmente, a seguinte situação: quando estou em um dos órgãos do estado cumprindo a carga horária do estágio referente ao 7º semestre do curso de Licenciatura em Teatro da UFPA e preciso chegar com uma roupa que as pessoas daquele meio estão acostumadas a ver; neste ambiente preciso abrir mão da minha roupa de ensaio, concordando com a regra da calça social e da blusa de botão que está enraizado em mim, para não ser repreendida. Me vejo, então, colocando a máscara de Antonio que se faz de homem bruto, ameaçador e conquistador, quando na verdade é alguém sensível e frágil, mas se coloca naquela posição para não ser julgado. Quantas vezes quis ser eu, mas precisei assumir convenções alheias ao que acredito. Não quero precisar usar uma lenda pra verem quem eu sou, o que penso e o que eu realmente quero dizer; não quero me camuflar ou trocar de máscara todos os dias, mas está tudo no automático que nem eu percebia, tomava aquela verdade como minha quando na verdade penso o oposto: uma calça jeans ou uma roupa social não representa o que sou ou o que penso.
Agora me vejo no lugar da família de Antonio julgando suas atitudes, quando estou no mesmo órgão do Estado estranhando aquelas pessoas que não vão a uma aula de Teatro vestidos como eu vou e quando quero que elas adotem a minha maneira de perceber as coisas, sem ver que isso causa nelas o mesmo estranhamento que é causado em mim. Então não quero ser como Antonio, nem ver como sua família, quero apenas não julgar e não ser obrigada a usar uma blusa de botão.
Jaqueline Miranda

21 de Junho de 2016

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