Paula
Adrianna Barros da Cruz: Atriz e discente do curso de Licenciatura Plena em
Teatro da Universidade Federal do Pará.
“Os bonequeiros
tiveram que adquirir capacidade de interpretar textos, organizar o espaço
cênico, ensaiar e experimentar para interpretar o papel e aperfeiçoar sua
atuação” (NASCIMENTO, 2014 P.24).
Ao
assistir pela primeira vez o espetáculo Fio
de pão: A lenda da cobra Norato do grupo In Bust – Teatro com Bonecos,
que estava em cartaz na Estação das Docas do Pará, algo me inquietou: foi
difícil envolver-me com o espetáculo, pois não tive como me distanciar e deixar
de observar as técnicas – o grupo In Bust utiliza uma poética
heterogênea para a construção do espetáculo com muitos tipos de bonecos, como por
exemplo o boneco de vara e o boneco de luva (fantoche), cada um possui uma
maneira de manipulação. E assim, não pude deixar de observar essas maneiras,
pois existe um diferencial que é o ator-manipulador que está presente o tempo
todo no espetáculo como personagem dividindo o espaço com os bonecos que os
auxiliam na contação e na interação com o público rompendo com a forma clássica
de manipulação.
O
Fio de Pão traz uma família cabocla
nordestina que se apresenta de lugar em lugar e sobrevive do teatro de bonecos
narrando à lenda da Cobra Norato. A mãe e o filho manipulam os bonecos contando
a lenda e o pai, que é deficiente visual, toca uma viola. O espetáculo é rico
em detalhes na sua construção desde a panada montada como se fosse a fachada da
casa da família até o Fio de Pão que na realidade não tem nada a ver com a
história em si, foi apenas um cachorro magrelo que se fez presente em uma das
apresentações do grupo e um dos atores deu um pedaço de pão para ele e assim
quiseram o representar como boneco e o trazem no começo da apresentação puxado
por um fio.
No
entanto, esses detalhes não fizeram o encanto que esperava aos meus olhos, pois
não tenho como não salientar o espaço que foi disposto para que o grupo pudesse
se apresentar: havia uma luz bem acima dos atores que
os focava diretamente, e a fachada da casa da família era preenchida com a luz
local, porém, era na fachada da casa que o jogo com bonecos e o ator-manipulador
se passava, o que a meu ver comprometeu bastante a interação com os bonecos
porque os atores PRECISARAM aparecer mais que os bonecos e a cena se deu em
desequilíbrio, sem contar os microfones que eram usados – o do pai que
precisava cantar em cena estava baixo e por vezes não o ouvir.
Porém, os atores não perderam o “rebolado” diante das disparidades
apresentadas pelo espaço inadequado e improvisado já que neste dia a chuva os
desviou do verdadeiro local da apresentação. Que mesmo por esse motivo não
deveria atrapalhar, pois poderia se fazer uma estrutura para a apresentação,
porque no fim do espetáculo como por ironia foi divulgado ao microfone que
aquela apresentação estava sendo financiada pelo Governo e Secretaria do
Estado.
E é de praxe no cenário teatral belenense os recursos, ou melhor, nenhum recurso OFERECIDO
pelos órgãos governamentais, digo nenhum, pois as poucas que temos como a de
incentivo à cultura, não dão para sustentar nem mesmo as migalhas do fio de pão,
os cachês pagos pelos espaços culturais de Belém, não compensam os custos para
realizar e estrear um espetáculo seja ele qual for, e com isso os grupos buscam
fazer sua prática com menos gente possível e explorando novos recursos para um
fazer teatro mais viável e para ter um cachê razoável no fim das contas, digo
isso pela experiência como artista e integrante de um grupo de teatro na
cidade. E assim é a construção do Fio de
Pão com pouca gente e o material utilizado para a construção dos bonecos e da
fachada e outros é material reciclado e feito justamente para se adequar a
lugares diversos, porém merece um mínimo de estrutura como qualquer outro.
E
mencionando os espaços, como se não bastasse os poucos que temos ainda nos
fazem pagar pautas para nos apresentarmos. Resta-nos espaços alternativos com
os anfiteatros, ou casa de grupos como a Casa
dos Palhaços, o Casarão do Boneco,
a Casa da Atriz, o mais recente a Casa Dirigível que são sempre locais de
parcerias artísticas, e aproveito também para mencionar o mais “novo” espaço
ocupado pela classe artística o Solar da
Beira. E ainda assim o grupo In Bust utilizou a apresentação para pedir uma “migalha” ao público
para a restauração do Casarão que no momento encontra-se em situação precária,
mas não deixa de ser um cenário artístico e cultural da cidade.
Essa
problematização não é nova, muito menos estou sendo a primeira a mencionar, nem
serei a última. Digo, pois se faz necessário diante de um grupo como a In Bust, e tantos outros que têm suas
montagens comprometidas por uma série de deficiências encontradas pelo caminho
dos artistas da cidade. O desequilíbrio que percebi no espetáculo “Fio de Pão”,
estava além do alcance dos atores-manipuladores, e não apenas deles mais de
muitos outros grupos, e como cita Paulo do Nascimento mencionado de início, que
trago em comparação para dizer que a classe artística há anos vem adquirindo
capacidades de aperfeiçoar seu fazer para se defrontar com o cenário da cidade e
as disparidades apresentadas pela ordem de poder do Estado.
17.06.2015
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