quarta-feira, 17 de junho de 2015

Migalhas do Fio de Pão

Paula Adrianna Barros da Cruz: Atriz e discente do curso de Licenciatura Plena em Teatro da Universidade Federal do Pará.

“Os bonequeiros tiveram que adquirir capacidade de interpretar textos, organizar o espaço cênico, ensaiar e experimentar para interpretar o papel e aperfeiçoar sua atuação” (NASCIMENTO, 2014 P.24).

Ao assistir pela primeira vez o espetáculo Fio de pão: A lenda da cobra Norato do grupo In Bust – Teatro com Bonecos, que estava em cartaz na Estação das Docas do Pará, algo me inquietou: foi difícil envolver-me com o espetáculo, pois não tive como me distanciar e deixar de observar as técnicas – o grupo In Bust utiliza uma poética heterogênea para a construção do espetáculo com muitos tipos de bonecos, como por exemplo o boneco de vara e o boneco de luva (fantoche), cada um possui uma maneira de manipulação. E assim, não pude deixar de observar essas maneiras, pois existe um diferencial que é o ator-manipulador que está presente o tempo todo no espetáculo como personagem dividindo o espaço com os bonecos que os auxiliam na contação e na interação com o público rompendo com a forma clássica de manipulação.
O Fio de Pão traz uma família cabocla nordestina que se apresenta de lugar em lugar e sobrevive do teatro de bonecos narrando à lenda da Cobra Norato. A mãe e o filho manipulam os bonecos contando a lenda e o pai, que é deficiente visual, toca uma viola. O espetáculo é rico em detalhes na sua construção desde a panada montada como se fosse a fachada da casa da família até o Fio de Pão que na realidade não tem nada a ver com a história em si, foi apenas um cachorro magrelo que se fez presente em uma das apresentações do grupo e um dos atores deu um pedaço de pão para ele e assim quiseram o representar como boneco e o trazem no começo da apresentação puxado por um fio.
No entanto, esses detalhes não fizeram o encanto que esperava aos meus olhos, pois não tenho como não salientar o espaço que foi disposto para que o grupo pudesse se apresentar: havia uma luz bem acima dos atores que os focava diretamente, e a fachada da casa da família era preenchida com a luz local, porém, era na fachada da casa que o jogo com bonecos e o ator-manipulador se passava, o que a meu ver comprometeu bastante a interação com os bonecos porque os atores PRECISARAM aparecer mais que os bonecos e a cena se deu em desequilíbrio, sem contar os microfones que eram usados – o do pai que precisava cantar em cena estava baixo e por vezes não o ouvir.
Porém, os atores não perderam o “rebolado” diante das disparidades apresentadas pelo espaço inadequado e improvisado já que neste dia a chuva os desviou do verdadeiro local da apresentação. Que mesmo por esse motivo não deveria atrapalhar, pois poderia se fazer uma estrutura para a apresentação, porque no fim do espetáculo como por ironia foi divulgado ao microfone que aquela apresentação estava sendo financiada pelo Governo e Secretaria do Estado.
 E é de praxe no cenário teatral belenense os recursos, ou melhor, nenhum recurso OFERECIDO pelos órgãos governamentais, digo nenhum, pois as poucas que temos como a de incentivo à cultura, não dão para sustentar nem mesmo as migalhas do fio de pão, os cachês pagos pelos espaços culturais de Belém, não compensam os custos para realizar e estrear um espetáculo seja ele qual for, e com isso os grupos buscam fazer sua prática com menos gente possível e explorando novos recursos para um fazer teatro mais viável e para ter um cachê razoável no fim das contas, digo isso pela experiência como artista e integrante de um grupo de teatro na cidade. E assim é a construção do Fio de Pão com pouca gente e o material utilizado para a construção dos bonecos e da fachada e outros é material reciclado e feito justamente para se adequar a lugares diversos, porém merece um mínimo de estrutura como qualquer outro.
E mencionando os espaços, como se não bastasse os poucos que temos ainda nos fazem pagar pautas para nos apresentarmos. Resta-nos espaços alternativos com os anfiteatros, ou casa de grupos como a Casa dos Palhaços, o Casarão do Boneco, a Casa da Atriz, o mais recente a Casa Dirigível que são sempre locais de parcerias artísticas, e aproveito também para mencionar o mais “novo” espaço ocupado pela classe artística o Solar da Beira. E ainda assim o grupo In Bust utilizou a apresentação para pedir uma “migalha” ao público para a restauração do Casarão que no momento encontra-se em situação precária, mas não deixa de ser um cenário artístico e cultural da cidade.
Essa problematização não é nova, muito menos estou sendo a primeira a mencionar, nem serei a última. Digo, pois se faz necessário diante de um grupo como a In Bust, e tantos outros que têm suas montagens comprometidas por uma série de deficiências encontradas pelo caminho dos artistas da cidade. O desequilíbrio que percebi no espetáculo “Fio de Pão”, estava além do alcance dos atores-manipuladores, e não apenas deles mais de muitos outros grupos, e como cita Paulo do Nascimento mencionado de início, que trago em comparação para dizer que a classe artística há anos vem adquirindo capacidades de aperfeiçoar seu fazer para se defrontar com o cenário da cidade e as disparidades apresentadas pela ordem de poder do Estado.
17.06.2015


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