quarta-feira, 10 de junho de 2015

Marionete por um fio

Silvia Teixeira: Atriz e Graduanda de Licenciatura em teatro – UFPA.

No domingo, na Estação das Docas, instituição da Secretaria de Cultura do Estado do Pará, presenciei simultaneamente dois espetáculos de teatro, um que denominava-se por teatro com bonecos e o outro  de teatro de bonecos: o primeiro era o do Grupo In Bust - Teatro com Bonecos, e o segundo o qual batizei de Grupo Manipão Teatro de Bonecos, o qual merece meu destaque, pois conduziu sua marionete pelos fios, suas técnicas de manipulação foram tão mal executadas, contribuindo para o primeiro, que quase por um“ fio” de ser sua pior atuação.  
Começo este parágrafo tecendo a respeito ao nome dado ao espetáculo com bonecos “Fio de Pão” que por alguns segundos pensei que o fio dado ao espetáculo justificaria a técnica de manipulação de boneco de marionete (bonecos grandes controlados por fio em uma cruzeta), mas não era, por incrível que pareça o nome surgiu de um fato curioso durante uma apresentação. Um cachorro raquítico fez-se presente durante o espetáculo, então um dos atores deu pão para o pobre animal comer, logo o batizaram de “Fio de Pão”. E para recordar a presença do bicho, os integrantes acrescentam um cachorro de boneco o qual viria ser o animal de estimação do garoto Girino que também o batizou de “Fio de pão”.
Fio de pão - A Lenda da Cobra Norato, narra a lida de uma família nordestina no Pará, que saem de feira em feira apresentando-se com seu teatro de bonecos com a narrativa da Lenda da Cobra Norato, onde o pai, deficiente visual, toca a viola, a mãe conta a lenda e o filho junto a mãe manipulam os bonecos e os objetos. O grupo apropria-se de uma arte híbrida entre o teatro, teatro de bonecos, contação de história e música. Os bonecos não são protagonistas dessa narrativa e muito menos os atores, eles compartilham do mesmo espaço, ora os manipuladores usam a neutralidade no manuseio dos mesmos, ora o boneco é uma extensão do próprio corpo do ator e outrora o ator apresenta a sua própria personagem no boneco em um jogo de co-presença (CAVALCANTE, 2008, P.40).
O grupo quebra as regras do jogo do teatro de bonecos clássicos, por isso a In Bust entra na categoria do Teatro com Bonecos, reafirmando esse conceito Henrique Sitchin, coordenador de Centro de Estudos e Práticas do Teatro de Animação de São Paulo, tecendo um comentário em seu livro “As possibilidades do Novo Teatro de Animação”. Geralmente, os grupos de teatro de bonecos clássicos utilizam os bonecos homogêneos em suas poéticas, a In bust faz a construção poética heterogênea, mesclando vários modelos, como o de vara, bonecos de miritis, fantoches e manés-côcos. E o modelo que fez meus olhos brilharem, são os que representavam o casal ao darem um salto no tempo e relatarem o momento que conheceram-se; os bonecos eram de vara, com cintura de cuia, utensílio de grande expressão na culinária paraense.
Um fato muito importante a ressaltar é a didática do ator Aníbal Pacha que atuara como Girino: ao apresentar as cobras, antes de dar vida as mesmas, mostra para as crianças que as cobras não eram de verdade e sim bonecos, quebrando o ilusionismo para retrair o medo que as mesmas poderiam ter ao longo da apresentação.
Destaquei anteriormente a segunda categoria de bonecos apresentada, por serem puxados por fios e conduzidos por um manipulador – o qual domino de Governo. No espetáculo havia personagens cegos, mudos e surdos, e como é desgastante tal encenação; pois sabemos que essa técnica de manipulação é milenar. O espetáculo apresentado pela Cia do Governo foi a falta de estrutura necessária para receber artistas e público. O grupo In Bust apresentou-se em uma passarela de grande fluxo de pessoas, a estrutura do som, não havia qualidade, aliás, não tinha um retorno para que o público entendesse a letra cantada pela personagem Jurandir, a maioria das pessoas assistiram em pé pela escassez de cadeiras, e como o espaço não é apropriado, não havia uma iluminação que valorizasse a entrada dos bonecos em cena.
É até louvável a agenda da Estação das Docas abrir espaço para o compartilhamento do teatro com a população, porém é lamentável estabelecer que somente migalha de pão é necessário. E lamentável ainda, em ter um lugar que abriga diversos espaços para o alimento do corpo e não oferecer um espaço mínimo e adequado para o alimento das artes. 

Diante de todos esses fatos o espetáculo Fio de Pão - a Lenda da Cobra Norato o qual já venho acompanhando há quinze anos, só não abateu-se pelo profissionalismo e o compromisso que a In Bust tem de levar o teatro para o povo, e acreditar que a arte é um direito de todo o ser humano.
10.06.2015 

Nenhum comentário:

Postar um comentário