Andrey Gomes: Aluno do Curso de Extensão "Crítica em Teatro e Dança" - ETDUFPA
Quando perguntei ao
mestre mamulengueiro Sólon de Carpina (1920-1987) como e quando é que tinha
começado essa história de teatro de bonecos, ele sorriu e disse: “Chico, o
boneco é anterior ao homem”. Como assim? Perguntei, e ele explicou que antes de
Deus fazer o homem, já havia feito os bonecos de vegetal, por exemplo, a boneca
de milho... Depois é que esses vegetais se transformaram em gente como nós” (SIMÕES,
2005).
Seguindo
a gênese do teatro animado, discorro sobre a obra que estabeleceu uma dramaturgia
até então incipiente por essas bandas – Fio
de Pão, a lenda da cobra Norato é uma idealização do grupo In
bust - Teatro com bonecos. Fui conferir e comprovei no ultimo domingo a
importância do espetáculo como linguagem, semiose de uma
“brasilidade-amazônica” ainda que apresentada em situação adversa.
Acredito
que a encenação em espaços inusitados seja um desafio, mas também possibilite
um tatear por novas vias, nesse caso, a apresentação que inicialmente seria ao
ar livre foi transferida para a parte coberta (talvez por consequência da chuva)
onde ocorre o projeto pôr-do-sol na Estação das Docas. A mudança, sem dúvida, exigiu adequação dos
intérpretes a um espaço menor, com iluminação inapropriada, influenciando a
interação com os bonecos, exigindo maior intervenção do ator-manipulador; mas lembremos
de que não se trata de um teatro morto e sim de metalinguagem, pois bebe na
fonte dos “mamulengueiros” instáveis e dinâmicos em sua atemporalidade – para Peter
Brook cada trabalho é único e tem seu próprio estilo, mas nos perdemos na
tentativa de especificá-lo, principalmente em se tratando de uma linguagem
singular como a do In Bust.
Fui
levado pelo olhar curioso de um desconhecedor da dramaturgia tradicional a
embarcar na oralidade cordelista cantada pelo cego Jurandir, violeiro
apresentando sua família e o “Fio
de Pão”, cãozinho animado que passou latindo ao meu lado puxado por
Girino, filho único que ia ajudar a contar a história; Infelizmente, não pude ouvir com clareza
os improvisos do cantador, levando-se em conta a má difusão sonora. Destaco
esses elementos em uma reavaliação do espetáculo, confessando minha indiferença
a todos os detalhes e simplesmente percebendo a reação do público quando provocado
naquele processo, pois em relação à linguagem do mamulengo, a companhia mantém
o principal: a brincadeira COM e PARA o povo.
Suponho
que nas condições apresentadas, o boneco fique em “segundo plano” mesmo porque se
trata da lenda contada pela família mambembe, uma realidade paralela dentro da
narrativa, que apesar de utilizar ator e boneco em cena como recurso
estabelecido, terá seu repertório definido no ato da apresentação, dependendo
de fatores externos como, por exemplo, espaço cênico e público (inclusive em
sua quantidade). Portanto interagi mais com a “família” do que com os bonecos,
sabendo que a proposta do In bust não é a de seguir o teatro
mamulengo ou qualquer outro tradicionalmente falando; prova disso está na
sequência em que Girino derruba a panada com o boneco, ou no momento em que
chora a morte da cobra tendo o consolo na explicação da mãe de que se trata de
um brinquedo! Vivenciamos o teatro de
animação.
Os
personagens brigam e brincam, manipulando regras, livres da “preocupação” com o
público. Ludicidade particularadquirida pelo grupo ao longo dos anos – ficam os
personagens-tipo, a característica improvisacional do texto, a “carta na
manga”, o humor satírico onde se estrutura a interação com a platéia, nisso percebemos
um hibridismo peculiar. Ressaltando que o teatro de animação inclui a confecção
e caracterização dos bonecos, pude constatar que as famosas bonecas de
Camiranga, região de cachoeira do Piriá foram influenciadas a partir de uma
oficina ministrada por Aníbal Pacha, membro do In bust, naquela
comunidade.
Na
verdade senti uma profunda identificação de adultos e crianças com o teatro
feito naquela noite, algo insólito para os jovens e há muito, já esquecido
pelos velhos. Finalizo seguindo o percurso do espetáculo no apelo feito pelo
grupo em manter o Casarão do Boneco
em atividade, apelo que por sinal, é semelhante ao apelo do cego Jurandir
iniciando a narrativa e justificando o “ganha-pão” de sua família, diz-se que a
arte depende do ócio para existir, e é inimiga da aristocracia
que como bem sabemos, depende da obediência; se o cego e sua família comem, ou
se o casarão permaneça, cabe ao povo decidir:
Há um ócio criador, há outro ócio
danado, há uma preguiça com asas, outra com chifres e rabo! (Ariano Suassuna,
Farsa da boa preguiça).
Pois
o boneco vai continuar a brincar!
12.06.2015
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