terça-feira, 9 de junho de 2015

Fio de Pão, a lenda da cobra Norato

Geane Oliveira: Atriz e Graduanda da Licenciatura em Teatro – UFPA  
Na fila de entrada para o teatro começa um grande burburinho, um sotaque diferente do paraense invade o espaço, e eis que surge um trio de retirantes nordestinos. A interação com o público vem acompanhada de um educado e gritado “boa noite”. Os personagens são apresentados através de uma breve conversa entre eles e o espectador. O pai Jurandir é cego e em alguns momentos é guiado pela esposa Jandira e em outros pelo filho Girino. Este último arrasta por uma cordinha um cão magrelo que ele chama por Fio de Pão – este cão na verdade é um boneco com extensor. O filho pede comida ao público para alimentar o cão e em meio ao alvoroço causado pelos personagens o público adentra o teatro. Já no palco, onde o cenário é composto apenas de um banco e uma panada que auxilia para manipulação dos bonecos, a família entoa uma canção que fala de sua trajetória. Durante a canção Jandira e Jurandir recordam o momento que se conheceram, Girino assume então a cena manipulando dois bonecos que simulam o primeiro encontro de seus pais.
   A técnica de teatro com bonecos usada pelo grupo In Bust – Teatro com Bonecos é algo indispensável de ser mencionado, pois considero importante  pontuar a técnica que cada grupo da cidade utiliza para comunicar-se no palco, mas não tenho a intenção de descrever ou apontar detalhes desta técnica, que ao meu ver foi muito bem executada pelos atores-manipuladores. Reconheço a beleza poética contida no espetáculo que possui como conteúdo histórias do folclore paraense, manipulação de bonecos e canções em forma de cordel. No entanto, quero focar em um tema que se destaca na dramaturgia desse espetáculo: a exploração do trabalho infantil. Talvez a In Bust não tenha a intenção de discutir este tema como foco principal de sua dramaturgia, mas é o recorte que faço.
O recorte está na cena onde Girino é colocado para realizar o trabalho de manipulação, sua mãe lhe auxilia, enquanto seu pai narra as histórias ou realiza a sonoplastia das cenas. Em determinado momento o menino já cansado se recusa a trabalhar e através de uma brincadeira derruba a panada; a mãe irritada persegue o garoto com uma sandália, Girino se esconde na plateia estabelecendo uma identificação com o público infantil mesmo sendo este personagem interpretado por um adulto. Quando a mãe encontra o garoto lhe dá umas palmadas e lhe põe para arrumar a bagunça e retomar o trabalho.  Nesta cena o tema que aponto aparece de forma sutil por estar dentro da comicidade do espetáculo, não considero isto um problema. As cenas seguintes retratam o cenário de miséria vivido pela família o pai entoa uma canção relatando uma situação onde conseguiram comida de graça, desta comida guardaram alguns biscoitos embaixo da terra, os quais decidem dividir com o público.
Estas cenas estabelecem um vinculo com os resultados de pesquisas afirmando que uma das principais causas da exploração infantil estão associadas às condições financeiras dos pais. No ano de 2014 a região Norte do país foi considerada campeã na exploração do trabalho infantil, com números que apresentam a precariedade da nossa região. Não há como ter um olhar otimista para este cenário, pois as soluções ao problema ainda estão acreditadas em programas sociais, os quais utilizam o discurso de que não há necessidade da criança trabalhar, pois a renda que recebem é o suficiente para sustentar a família. 
Entre tantos programas destaco o PETI (Programa  de Erradicação do Trabalho Infantil), criado em  1996  tendo como objetivo a retirada de crianças e adolescentes entre 7 e 14 anos da prática de trabalho precoce, exceto quando na condição de aprendiz, a partir dos 14 anos.  Em sua estrutura o programa parece perfeito, no entanto não consigo enxergar a eficácia em suas ações. O programa possui suas sedes apenas nas aéreas urbanas o que já vejo como deficiência, porque mesmo tendo profissionais disponíveis para visitação ás aéreas rurais, não pode se dizer que isto  é o suficiente para solucionar o problema, pois é nas sedes que a criança ou adolescente frequenta a jornada ampliada, onde recebem reforço escolar além de desenvolverem atividades esportivas, artísticas e de lazer. Outro olhar não amigável que tenho ao programa está relacionado á transferência de renda por meio do Programa Bolsa Família, renda irrisória que na maioria das vezes não é compensada pelo valor que as famílias obtém com a criança ou adolescente trabalhando. A solução não seria oferecer uma renda superior a gerada pelas famílias, mas é fato que as políticas de emprego e geração de renda precisam funcionar para que o PETI consiga ampliar seu objetivo.      
 No dia 12 de junho é o dia Mundial contra o Trabalho Infantil, mas muitos Girinos continuaram desenvolvendo atividades para ajudar na renda familiar, pois os programas sociais precisam rever suas ações, sem enfatizar em suas migalhas (ralos fios de pão), tornando a beleza das leis de proteção á criança e ao adolescente em algo concreto.   
Direitos que não funcionam direito!

09.06.2015

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