Geane
Oliveira: Atriz e Graduanda da Licenciatura em Teatro – UFPA
Na
fila de entrada para o teatro começa um grande burburinho, um sotaque diferente
do paraense invade o espaço, e eis que surge um trio de retirantes nordestinos.
A interação com o público vem acompanhada de
um educado e gritado “boa noite”. Os personagens são apresentados através de
uma breve conversa entre eles e o espectador. O pai Jurandir é cego e em alguns
momentos é guiado pela esposa Jandira e em outros pelo filho Girino. Este último
arrasta por uma cordinha um cão magrelo que ele chama por Fio de Pão – este cão
na verdade é um boneco com extensor. O filho pede comida ao público para
alimentar o cão e em meio ao alvoroço causado pelos personagens o público
adentra o teatro. Já no palco, onde o cenário é composto apenas de um banco e
uma panada que auxilia para manipulação dos bonecos, a família entoa uma canção
que fala de sua trajetória. Durante a canção Jandira e Jurandir recordam o
momento que se conheceram, Girino assume então a cena manipulando dois bonecos
que simulam o primeiro encontro de seus pais.
A técnica de teatro com bonecos usada pelo
grupo In Bust
– Teatro com Bonecos é algo indispensável de ser mencionado, pois
considero importante pontuar a técnica que
cada grupo da cidade utiliza para comunicar-se no palco, mas não tenho a intenção
de descrever ou apontar detalhes desta técnica, que ao meu ver foi muito bem
executada pelos atores-manipuladores. Reconheço a beleza poética contida no
espetáculo que possui como conteúdo histórias do folclore paraense, manipulação
de bonecos e canções em forma de cordel. No entanto, quero focar em um tema que
se destaca na dramaturgia desse espetáculo: a exploração do trabalho infantil. Talvez
a In Bust não tenha a intenção de discutir este tema como foco principal de sua
dramaturgia, mas é o recorte que faço.
O
recorte está na cena onde Girino é colocado para realizar o trabalho de
manipulação, sua mãe lhe auxilia, enquanto seu pai narra as histórias ou
realiza a sonoplastia das cenas. Em determinado momento o menino já cansado se
recusa a trabalhar e através de uma brincadeira derruba a panada; a mãe
irritada persegue o garoto com uma sandália, Girino se esconde na plateia
estabelecendo uma identificação com o público infantil mesmo sendo este
personagem interpretado por um adulto. Quando a mãe encontra o garoto lhe dá
umas palmadas e lhe põe para arrumar a bagunça e retomar o trabalho. Nesta cena o tema que aponto aparece de forma
sutil por estar dentro da comicidade do espetáculo, não considero isto um
problema. As cenas seguintes retratam o cenário de miséria vivido pela família
o pai entoa uma canção relatando uma situação onde conseguiram comida de graça,
desta comida guardaram alguns biscoitos embaixo da terra, os quais decidem
dividir com o público.
Estas
cenas estabelecem um vinculo com os resultados de pesquisas afirmando que uma
das principais causas da exploração infantil estão associadas às condições
financeiras dos pais. No ano de 2014 a região Norte do país foi considerada
campeã na exploração do trabalho infantil, com números que apresentam a
precariedade da nossa região. Não há como ter um olhar otimista para este
cenário, pois as soluções ao problema ainda estão acreditadas em programas
sociais, os quais utilizam o discurso de que
não há necessidade da criança trabalhar, pois a renda que recebem é o suficiente
para sustentar a família.
Entre
tantos programas destaco o PETI (Programa
de Erradicação do Trabalho Infantil), criado em 1996 tendo
como objetivo a retirada de crianças e adolescentes entre 7 e 14 anos da
prática de trabalho precoce, exceto quando na condição de aprendiz, a partir
dos 14 anos. Em sua estrutura o programa
parece perfeito, no entanto não consigo enxergar a eficácia em suas ações. O
programa possui suas sedes apenas nas aéreas urbanas o que já vejo como
deficiência, porque mesmo tendo profissionais disponíveis para visitação ás
aéreas rurais, não pode se dizer que isto é o suficiente para solucionar o problema,
pois é nas sedes que a criança ou adolescente frequenta a jornada ampliada,
onde recebem reforço escolar além de desenvolverem atividades esportivas,
artísticas e de lazer. Outro olhar não amigável que tenho ao programa está
relacionado á transferência de renda por meio do Programa Bolsa Família, renda irrisória
que na maioria das vezes não é compensada pelo valor que as famílias obtém com
a criança ou adolescente trabalhando. A solução não seria oferecer uma renda
superior a gerada pelas famílias, mas é fato que as políticas de emprego e
geração de renda precisam funcionar para que o PETI consiga ampliar seu
objetivo.
No
dia 12 de junho é o dia Mundial contra o Trabalho Infantil, mas muitos Girinos
continuaram desenvolvendo atividades para ajudar na renda familiar, pois os
programas sociais precisam rever suas ações, sem enfatizar em suas migalhas
(ralos fios de pão), tornando a beleza das leis de proteção á criança e ao
adolescente em algo concreto.
Direitos que não funcionam direito!
09.06.2015
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