segunda-feira, 17 de outubro de 2016

MADALENAS SOMOS NÓS – Por Alana Lima

Alana Lima – Professora; contadora de histórias; aluna do Curso Técnico em Teatro da Escola de Teatro e Dança da UFPA.

Puta. Desgraçada. Vagabunda. Meretriz. Madalena. 7 Madalenas. Um cafetão. Ops, Senhor Cristóvão pra vocês! O cabaré da Belle Époque belenense está formado e a Casa das Madalenas abre as portas a quem quiser desfrutar de suas iguarias femininas. O ambiente é agradavelmente propício ao prazer e, ao entrar, por alguns minutos é possível esquecer que se está em um espetáculo de teatro produzido pelo Grupo de Teatro Universitário-2015. Até que o palco vira o foco e o espectador passa a ser um observador útil, isto é, “aproveitado” em momentos pontuais da cena para fins específicos. No restante do tempo, o universo do bordel só existe no palco, até o transitar dos personagens pelo espaço serve tão somente para posicionamentos e entradas futuras; as seduções interativas são abandonadas e a oferta gratuita dos serviços da casa aos espectadores também. Mas isso não torna o espetáculo menos interessante e instigante, apenas modifica o olhar do espectador – inicialmente sendo cliente do cabaré e posteriormente apenas assistindo a um espetáculo.
Outras escolhas da equipe também trazem dúvidas aos olhares mais atentos e que ultrapassam o conteúdo ficcional do espetáculo – a quem assistiu a primeira temporada da Casa, as mudanças são notáveis e diante de dificuldades pontuadas nas primeiras apresentações, vê-se que foram escolhidas soluções que não prejudicassem o andamento da trama. Uma dessas soluções é o mergulho rápido em Brecht que tenho a impressão de ter visto, diante da escolha de um cenário simples e prático (as cortinas que ambientam o espaço no palco, agora único, e dois caixotes que funcionam como cama, bancos, etc), da ausência de coxias (e, portanto, presença constante dos atores “em cena”, ainda que “neutralizados” nas paredes laterais) e a montagem de desmontagem de cenário frente ao público.
No entanto, me pergunto se a escolha aprofundada pelo épico não seria mais assertiva diante da pretensão discursiva do espetáculo. O discurso que se apresenta é político e social: não estamos falando de uma madalena específica, quanto mais de madalenas de um cabaré da Belle Époque. A escolha local e temporal é representativa. Trata-se de uma discussão sobre a mulher, sobre a prostituição feminina – a qual todas estão submetidas e não apenas aquelas que trabalham com isso, sobre machismo e sobre o grande bordel que é a sociedade na qual estamos inseridas e submetidas. Assim, a escolha pelo dramático – e me arrisco a considerar melodramático, inclusive – parece deixar a desejar o discurso denunciativo e de luta proposto pela Casa das Madalenas. Há emoção, lágrimas, cenas e textos que arrepiam acompanhados da trilha – muito bem escolhida e executada pela banda. Mas de quem são essas lágrimas? Quem e o que as Madalenas do espetáculo queriam alcançar? Desconfio, assistindo ao espetáculo de uma posição privilegiada, que há empatia da plateia feminina com as cenas e histórias apresentadas, mas tenho dúvidas se o melodramático alcançou o que mais é necessário ao trazer o discurso político para a cena: a reflexão, o incômodo, o desejo de transformação.
Outro elemento é instigante - e aqui não há como não comparar novamente as duas temporadas do espetáculo. A opção pelo nu foi completamente abandonada na primeira temporada e não fez falta, diante da estética escolhida naquele momento. Nesta temporada há a escolha confusa pelo seminude. Confusa porque permanecem os shorts pretos encobrindo o sexo, mas os seios ficam à mostra em boa parte das cenas. Confusa porque temos peitos de fora e paus cobertos. Confusa porque defendemos e denunciamos cenas de opressão e repressão às mulheres, mas mantemos encobertos os paus que as praticam enquanto os peitos que já tanto vemos nas revistas, TV e em todos os espaços em que a mulher é objeto sexual são expostos. Confusa porque o único nu completo parte de Levy, a Madalena travesti, outra oprimida que, dentro da opção pelo melodrama, não tira a roupa em sinal de resistência, mas de vergonha e dor diante das agressões verbais e físicas que sofre diariamente.
Fica a dúvida da necessidade desse nu que não faz o sexo ser mais sexo, nem o estupro ser mais estupro, muito menos torna as cenas mais sensuais ou eróticas. Talvez a escolha tenha sido proposital, a fim de vulnerabilizar mais a mulher diante dos que pagam pelos seus serviços, mas ainda assim no contexto do espetáculo é uma escolha que aos olhos do espectador que vive e dissemina o discurso machista diariamente, reforça a imagem objetificada da mulher.
À parte isso, a Casa das Madalenas provoca sensações, desde a bela fotografia do espetáculo até as canções que embalam o cabaré e o corpo dos atores que segue um ritmo sensual-dançante a todo tempo. Quanto às danças, é preciso lembrar que coreografias coletivas descoordenadas perdem o brilho e a dança deixa de provocar o efeito que poderia, considerando que a ideia é muito bem elaborada. A proposta da Casa é forte, intensa e extremamente válida a qualquer tempo, mas precisa ser defendida e executada com a mesma ênfase e comprometimento com que traz o discurso e arranca lágrimas da plateia. O conteúdo estético e imagético está no ponto, mas as escolhas poéticas ainda se encontram e desencontram na trama levando a resultados que beiram somente a fruição e não a reflexão. Que a Casa volte com mais clientes, mais força e afinação, mais convicção na defesa do discurso político e social e que as Madalenas diárias sejam cada vez menos Madalenas.
Alana Lima

17 de Outubro de 2016. 

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