Alana
Lima – Professora; contadora de histórias; aluna do Curso Técnico em Teatro da
Escola de Teatro e Dança da UFPA.
Puta.
Desgraçada. Vagabunda. Meretriz. Madalena. 7 Madalenas. Um cafetão. Ops, Senhor
Cristóvão pra vocês! O cabaré da Belle Époque belenense está formado e a Casa
das Madalenas abre as portas a quem quiser desfrutar de suas iguarias
femininas. O ambiente é agradavelmente propício ao prazer e, ao entrar, por
alguns minutos é possível esquecer que se está em um espetáculo de teatro
produzido pelo Grupo de Teatro Universitário-2015. Até que o palco vira o foco
e o espectador passa a ser um observador útil, isto é, “aproveitado” em
momentos pontuais da cena para fins específicos. No restante do tempo, o
universo do bordel só existe no palco, até o transitar dos personagens pelo
espaço serve tão somente para posicionamentos e entradas futuras; as seduções
interativas são abandonadas e a oferta gratuita dos serviços da casa aos
espectadores também. Mas isso não torna o espetáculo menos interessante e
instigante, apenas modifica o olhar do espectador – inicialmente sendo cliente
do cabaré e posteriormente apenas assistindo a um espetáculo.
Outras escolhas
da equipe também trazem dúvidas aos olhares mais atentos e que ultrapassam o
conteúdo ficcional do espetáculo – a quem assistiu a primeira temporada da
Casa, as mudanças são notáveis e diante de dificuldades pontuadas nas primeiras
apresentações, vê-se que foram escolhidas soluções que não prejudicassem o
andamento da trama. Uma dessas soluções é o mergulho rápido em Brecht que tenho
a impressão de ter visto, diante da escolha de um cenário simples e prático (as
cortinas que ambientam o espaço no palco, agora único, e dois caixotes que
funcionam como cama, bancos, etc), da ausência de coxias (e, portanto, presença
constante dos atores “em cena”, ainda que “neutralizados” nas paredes laterais)
e a montagem de desmontagem de cenário frente ao público.
No entanto, me
pergunto se a escolha aprofundada pelo épico não seria mais assertiva diante da
pretensão discursiva do espetáculo. O discurso que se apresenta é político e
social: não estamos falando de uma madalena específica, quanto mais de
madalenas de um cabaré da Belle Époque. A escolha local e temporal é
representativa. Trata-se de uma discussão sobre a mulher, sobre a prostituição
feminina – a qual todas estão submetidas e não apenas aquelas que trabalham com
isso, sobre machismo e sobre o grande bordel que é a sociedade na qual estamos
inseridas e submetidas. Assim, a escolha pelo dramático – e me arrisco a
considerar melodramático, inclusive – parece deixar a desejar o discurso
denunciativo e de luta proposto pela Casa das Madalenas. Há emoção, lágrimas,
cenas e textos que arrepiam acompanhados da trilha – muito bem escolhida e
executada pela banda. Mas de quem são essas lágrimas? Quem e o que as Madalenas
do espetáculo queriam alcançar? Desconfio, assistindo ao espetáculo de uma
posição privilegiada, que há empatia da plateia feminina com as cenas e
histórias apresentadas, mas tenho dúvidas se o melodramático alcançou o que
mais é necessário ao trazer o discurso político para a cena: a reflexão, o
incômodo, o desejo de transformação.
Outro elemento
é instigante - e aqui não há como não comparar novamente as duas temporadas do
espetáculo. A opção pelo nu foi completamente abandonada na primeira temporada
e não fez falta, diante da estética escolhida naquele momento. Nesta temporada
há a escolha confusa pelo seminude. Confusa porque permanecem os shorts pretos
encobrindo o sexo, mas os seios ficam à mostra em boa parte das cenas. Confusa
porque temos peitos de fora e paus cobertos. Confusa porque defendemos e
denunciamos cenas de opressão e repressão às mulheres, mas mantemos encobertos
os paus que as praticam enquanto os peitos que já tanto vemos nas revistas, TV
e em todos os espaços em que a mulher é objeto sexual são expostos. Confusa
porque o único nu completo parte de Levy, a Madalena travesti, outra oprimida
que, dentro da opção pelo melodrama, não tira a roupa em sinal de resistência,
mas de vergonha e dor diante das agressões verbais e físicas que sofre
diariamente.
Fica a dúvida
da necessidade desse nu que não faz o sexo ser mais sexo, nem o estupro ser
mais estupro, muito menos torna as cenas mais sensuais ou eróticas. Talvez a
escolha tenha sido proposital, a fim de vulnerabilizar mais a mulher diante dos
que pagam pelos seus serviços, mas ainda assim no contexto do espetáculo é uma
escolha que aos olhos do espectador que vive e dissemina o discurso machista
diariamente, reforça a imagem objetificada da mulher.
À parte isso, a
Casa das Madalenas provoca sensações, desde a bela fotografia do espetáculo até
as canções que embalam o cabaré e o corpo dos atores que segue um ritmo
sensual-dançante a todo tempo. Quanto às danças, é preciso lembrar que
coreografias coletivas descoordenadas perdem o brilho e a dança deixa de
provocar o efeito que poderia, considerando que a ideia é muito bem elaborada.
A proposta da Casa é forte, intensa e extremamente válida a qualquer tempo, mas
precisa ser defendida e executada com a mesma ênfase e comprometimento com que
traz o discurso e arranca lágrimas da plateia. O conteúdo estético e imagético
está no ponto, mas as escolhas poéticas ainda se encontram e desencontram na
trama levando a resultados que beiram somente a fruição e não a reflexão. Que a
Casa volte com mais clientes, mais força e afinação, mais convicção na defesa
do discurso político e social e que as Madalenas diárias sejam cada vez menos
Madalenas.
Alana Lima
17 de Outubro de 2016.
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