domingo, 16 de outubro de 2016

Conversa entre Putas – Por Geane Oliveira.

Geane Oliveira: Graduada em Licenciatura em teatro UFPA, Participante do Projeto TRIBUNA DO CRETINO;
Era sexta-feira, dia de colocar o salto, um batom vermelho e vestido curto. Como dizem as amigas: dia de dá o close certo nos boys! Mas ELA precisava ouvir uma amiga antes de sair na noite, então, foi ao teatro, local do encontro. Quando entra se depara com um cenário bem parecido com o da ultima vez que se encontraram, mas as mesas do cabaré dessa vez não eram apenas quatro. Foi nesse espaço que sentou e agora era cliente, assim como os outros que também foram para ouvir a Puta Velha – MADALENA. O glamour dos lustres e  o abajur de mesa ainda estavam lá para lembrar a majestade de ser puta, o bar funcionava perfeitamente, os músicos estavam bem afinados. ELA foi bem recebida, escolheu um lugar com vista privilegiada, perto do palco das apresentações principais. Então, que comece essa conversa!
MADALENA: Oi querida! É um prazer reencontrá-la.
ELA: o que tens para mim? Preciso te ouvir, saí insatisfeita com nosso ultimo encontro, lembro que não me deu prazer.
MADALENA: Beba um pouco! Talvez depois de alguns copos virados consiga acompanhar o movimento do meu discurso. Hoje temos um pouco do mesmo: apresentação das habilidades das putas, música ao vivo como já podes notar, uns clientes mal comedores (cochicho: tocam nas putas como se tivessem nojo de mulher) e uns estereótipos para te fazer rir, pois tu pareces tensa e precisas rir um pouco. Ah! Espero que não se importe com a luz, pois ainda não consegui encaixá-la direito.
ELA: Minha cara, essas putas já conheço, suas habilidades só enganam, passam a mão no pau de seus clientes, me dão selinho, mas na hora de fazer parte de seus discursos me torno uma mera espectadora. Será que não percebes que essa tua distância ao falar de tuas dores e inquietações me coloca no mesmo lugar do telespectador das novelas? Como no nosso ultimo encontro te digo que cometeste o mesmo erro de me tornar apenas parte de tua cenografia.
MADALENA: Deves beber um pouco, estais alterada, será que não consegues enxergar meu esforço, te deixo nessa cadeira para melhor me ouvir...
ELA: Não te ouço, estais gritando, sim gritando, ou ainda cuspindo um discurso. Melhor, estais forçando teus clientes a engolirem o discurso repetido na televisão, nas ruas, praças... o Discurso é bom, o grito é bom, só não entendo porque tu não aprofundas, já  que tanto quer fazer o outro enxergar a realidade.
MADALENA: Puta da atualidade é cheia de coisa para falar, dissestes que veio para me ouvir e até então só falaste...
ELA: Eu tento te ouvir, mas tu embaralhaste tanto as coisas que não consigo engolir. Isso ta pior que o meu ultimo cliente que além de confuso nunca sabia em qual posição me colocar. O que tu tens para mim?  O que queres?  Sou puta como você, todos os dias acordo para lutar com minhas companheiras, pois acreditamos em igualdade social, política e econômica entre gêneros.
MADALENA: Quero que vejas o machismo em nossa sociedade, que lembre que muitas mulheres ainda são estupradas por causa de suas vestes, que se lembre das pesquisas do IBGE que apontam os números de mulheres assassinadas por ano. A discriminação racial (pois olhe nossa puta “pretinha”, veja como sofre). Sou Puta Velha, e quero que veja que tuas lutas podem ser representadas por mim, pois poucos passos foram dados ate aqui.
ELA: O que adianta tu me apresentar tudo isso, se não te aprofundas. Quer mesmo falar de mulher? Então mostre como somos machistas e o porquê somos. Precisamos primeiro nos reconhecer para poder cobrar do outro. Será que cada puta desse cabaré se vê empoderada? Se sim, porque tem privilégios os clientes MACHOS? O estereótipo do qual me falastes realmente me faz rir. Mas por que a menina do nordeste tem que ser puta e a mais “inexperiente” com pica?
MADALENA: Tu não entende, te dou meu corpo ali exposto! Tu não me ouves!
ELA: Querida! Não chore, pois da ultima vez você chorou e não me convenceu de tuas dores. E quanto a expor teu corpo, continuo dizendo que é tudo pela metade. Teus seios me entediam, quem me encanta mesmo é o Levi com seu corpo todo nu. Fique com seu figurino de puta, pois esse sim muito mais me encanta, afinal nas cenas de sexo estavas vestida, logo não vejo a necessidade de tirar a roupa em outro momento.
MADALENA: Só posso dizer que tudo que fiz foi para te dar prazer! Para finalizar, quero que saibas que essa conversa foi de mulher para mulher. É meu presente pra ti...
ELA: Vamos falar de presentear: tu presenteias apenas algumas com abraços. Fiquei ali sentada, como se já não bastasse todo teu discurso repetitivo, eu e algumas outras não fomos reconhecidas através do abraço como putas... pois as outras duas que estavam sentadas do meu lado também não foram abraçadas... Vá visitar outros cabarés, encontre por ai outras putas (dessas que são chamadas loucas por lutarem por seus direitos), treine para melhor satisfazer seus clientes, pois os mesmos continuam na linha rasa do discurso das novelas.
Conversa entre puta não é para sair no tapa, é para ser com classe onde cada uma aponta o que lhe dá prazer. MADALENA saiu chorando e rindo, estava emocionada. Já ELA saiu pronta para curtir a noite, sentar na mesa do bar e ouvir quem realmente senti a dor do que é ser PUTA  e não boneca inflável.
... Teus clientes ainda estão sedentos...  
Geane Oliveira
16 de Outubro de 2016

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