segunda-feira, 10 de outubro de 2016

O Tempo da Memória – Por Paula Barros.

Paula Barros: Graduanda de Licenciatura em Teatro/UFPA, Bolsista PIBEX 2016 pelo projeto TRIBUNA DO CRETINO.

“A memória costuma deixar partes para trás”
(1992, Paraíso Perdido)

Em meio ao mundo informatizado e midiático em que vivemos há um espaço ou quem sabe posso dizer um “HD de memória” que nosso cérebro de alguma forma persiste em conservar. No entanto, mão nos damos conta até sentirmos um cheiro que nos marcou, ver uma fotografia que há tempos estava guardada ou quem sabe ir a um lugar que foi especial.
  Há muitas maneiras de lembrar e é de modo tecnológico e informatizado que me atravessam as recordações de um tempo em que a vida tinha cheiro de mato molhado, som de grilo, rio que transbordava... de um tempo onde tudo era simplicidade.
Brincar na rua era a atividade preferida das crianças moradoras da Alameda Gonçalves. Sempre fui a mais arteira da turma, então, certa vez numa jogada de “cemitério” ou como também chamam “queimada” – jogo onde os participantes dividem-se em dois grupos, cada um de uma lado da quadra; o jogo se estabelece na tentativa de “matar” o adversário acertando-o com uma bolada em qualquer parte do corpo; quando isso ocorre se leva o “morto” a até o funda da quadra adversária, espaço conhecido como “cemitério”; ganha o time que estiver com mais jogadores no seu lado da quadra ao final – começamos dividindo os times, seis para cada lado; ao começar a brincadeira, exibida que eu era, me joguei na frente da bola sendo a primeira a morrer e ao chegar no “cemitério”, na tentativa de pegar a bola com combina, me agachei de um modo como se fosse fazer cambalhota, com as mãos entre as pernas, para a bola bater na minha bunda e, acreditem, cai de testa no chão, ficando com uma ferida horrorosa que acabou me dando de presente um corte de cabelo como “partinha”, o que marcou todas as fotos no meu aniversário de sete anos. Constrangedor.
A alameda se localiza na D. Romualdo de Seixas, mas naquele tempo de infância em que eu morava por lá, a Baía do Guajará chegava a banhar a rua e o que encontrávamos era mato e palafitas – construções sobre estacas em terrenos alagadiços. Eram tempos em que os grilos após um “toró” apareciam para cricrilar e nós, crianças arteiras, saíamos para caçar. Parecia que todas as noites eram de lua cheia, com vento soprando diretor do rio para secar nosso suor depois da brincadeira.  
E, então, o círio! Ahhh! O círio era bem melhor com toda a vizinhança, cheiro de maniçoba da vovó que já estava fervendo desde o início de outubro, o bolo de chocolate da tia Izaura e a confraternização das famílias após uma caminhada que saia da D. Romualdo de Seixas, passava pelo Doca de Souza Franco até a esquina da Travessa Quintino com a Avenida Nazaré, para ver a passagem da santa.
Nada mudou, ou na verdade tudo mudou, porque o tempo passou – passou para mim e para aquelas crianças –, mas a rua é a mesma. Porém, com transformações espaciais que o tempo e as mãos do homem se encarregam de criar. A rua está lá e continua a memória recordar... outras músicas escutar... ver gente passar... porém aquelas crianças ali não vão brincar.
Tempos que passam e repassam. A cada recordação um novo presente. A cada rua uma memória esquecida. A minha não é igual a tua. A rua é o espaço onde estão todas as memórias e ao mesmo tempo nenhuma.
Lembranças acionadas pelo Reator Eterno: O rio submerso vai transbordar. Então, que transborde nossas memórias lavando nossa vida e desintoxicando esse mundo sujo e corrupto. Transborda rio, transborda rio, transborda e lava o mundo!
Paula Barros
09 de Outubro   

FICHA TÉCNICA:
Projeto Reator Eterno: Instalações das Lembranças
Passeio das lembranças (performances): “O rio submerso” e “O trilho Inverso”

Direção e Coordenação Geral:
Nando Lima

Performers:
Pedro Olaia, Dudu Lobato, Wan Aleixo, Bernard Freire Nando Lima e Vandileia Foro

Entrevistas:
Pedro Olaia

Câmera e Fotos:
Dudu Lobato

Trilha Sonora:
Armando Mendonça

Roteiro da Performance:
Nando Lima e Pedro Olaia

Designer Gráfico:
Wam Aleixo

Textos Site / Blog / Imprensa
Bernard Freire

Expografia:
Nando Lima

Instalação e Montagem:
Pedro Olaia, Dudu Lobato, Wan Aleixo, Bernard Freire e Nando Lima

Figurino:
Telma Lima

Edição de Vídeo:
Nando Lima

Montagem de Iluminação:
Nelson Dantas

Recepção:
Wan Aleixo e Bernard Freire

Produção e realização:
Estúdio REATOR

Agradecimentos aos moradores dos bairros de São Brás e Fátima e
Abílio Franco

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