Marton Maués: Professor
Dr. da Escola de Teatro e Dança da UFPA.
O homem não ajuda o homem.
A frase fica ecoando na cabeça depois que você deixa o teatro após assistir Baden Baden - Sobre o Acordo, de
Bertolt Brecht, montagem do 2º ano do Curso Técnico de Arte Dramática, com
ênfase na formação do Ator, da Escola de Teatro e Dança da UFPA. A montagem tem
direção de Paulo Santana e Marluce Oliveira e, como toda produção da ETDUFPA,
envolve um grande número de professores e alunos-artistas, pois junto com os
atores, formam-se também as turmas dos Cursos Técnicos de Cenografia e Figurino.
Juntam-se ainda aos alunos dos cursos técnicos, alguns formando da Licenciatura
em Teatro, atuando como estagiários na montagem. É muita gente envolvida, junta
e misturada e tudo, no final das contas, funciona bem. Faço este preâmbulo todo
para deixar claro que falamos de uma escola, de uma montagem realizada por
artistas em formação e assim deve ser vista. Eles estão deixando a Escola e
muitos terão que aprender ainda com a vida, esta, sem dúvida, a melhor
professora.
O homem ajuda o
homem? É a questão levantada na peça. Aviadores sofrem um acidente e caem em uma
cidade onde pedem ajuda dos moradores. Os moradores formam o coro que
contracena com os pilotos, implantando um verdadeiro julgamento, para avaliar
se devem ou não ajudar aqueles quatro. E chamam o público para refletir,
ilustrando a questão com vários recursos: canções, cenas, solilóquios. O homem
não ajuda o homem?
O espetáculo começa
fora do teatro, com os atores invadindo, aos gritos, a área de espera e já
criando, assim, uma tensão no público. Ali fora, já se delineia o que se vai
ver dentro do teatro e como tudo será conduzido pelo coro, no inquérito que
este instaura contra os aviadores, a fim de avaliar se os ajuda ou não.
Personagens desfiam suas dores.
O coro entra no teatro
e nos leva com ele. Recepciona-nos um telão, projetando imagens de vários
momentos emblemáticos, duros, da vida nacional e internacional. Finalmente
adentramos à sala e constatamos que não há cadeiras: opta-se por ficar de pé ou
sentar no chão, na lateral da sala. No centro, a fuselagem de um avião e pedaços
destes espalhados pelo espaço, alguns pendurados nas laterais e ao fundo. O
coro é composto por gente do povo, trabalhadores e outros – enfermeiro,
cozinheiro, noiva etc – e estão todos de branco. Os aviadores vestem macacões
caqui. O texto é forte, poético e preciso em suas indagações, dito aos
aviadores e ao público. Os avanços civilizatórios foram céleres, as máquinas
aperfeiçoaram-se, as comunicações sofisticaram-se e, reflete o coro, nem por
isso o pão ficou mais barato.
Nota-se, no elenco, e o
fato de formar um coro contribui para isso, uma energia excessiva, um tom
fortemente emocional nas falas e canto. Estes elementos, quando conjugados com
as imagens, com as quais dialogam constantemente, tocam forte a emoção do
público, distanciando a montagem do tão propalado distanciamento proposto pelo
autor do texto, Brecht. Tudo é muito emocional e tudo contribui para isso: luz,
cenário, canção, interpretação. É a emoção a via de contato com o público, em
Baden Baden, e os atores que se incumbem dos solilóquios, carregam nestas
tintas: e o fazem bem. Um pouco mais de comedimento, acredito, deixaria ao
texto a força própria que ele já tem, sem provocar certa fuga que o tom
fortemente emocional provoca. São jovens atores e o tempo se encarregará de
burilar, dosar mais este vigor juvenil, esta emoção da formatura. A maturidade
há de vir, torço.
O espetáculo é
plástico, justo nos figurinos, cenografia e iluminação. O elenco está coeso,
mantém a rítmica do espetáculo, sem desníveis significativos. Os clowns promovem
bons momentos, seguram a cena nada fácil, cheia de filigranas, de um jogo de
precisão e ironia fina, cortante como a espada de um samurai. Nesta cena,
penso, reside o pecado da cenografia: a concepção do Sr. Smith, personagem que
tem seus membros cortados pelos palhaços, não é completamente funcional e não
oferece elementos para o jogo dos palhaços (as duas vezes que vi aconteceram
acidentes, falhas). Mas nada tanto assim, entendemos o recado: o homem quando
ajuda o homem nem sempre ajuda mesmo o homem.
É quase sempre assim: os
acordos dos homens – e estamos vivendo atualmente a rebordosa de muitos deles– muitas
vezes ajudam muito alguns poucos homens, mas pouco ajudam muitos outros homens.
E sabemos bem que são estes e quem são aqueles.
Marton
Maués
03
de Maio de 2016
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