terça-feira, 3 de maio de 2016

Brecth com emoção (inclusive a minha, ao ver mais uma turma partindo) – Por Marton Maués

Marton Maués: Professor Dr. da Escola de Teatro e Dança da UFPA.

O homem não ajuda o homem. A frase fica ecoando na cabeça depois que você deixa o teatro após assistir Baden Baden - Sobre o Acordo, de Bertolt Brecht, montagem do 2º ano do Curso Técnico de Arte Dramática, com ênfase na formação do Ator, da Escola de Teatro e Dança da UFPA. A montagem tem direção de Paulo Santana e Marluce Oliveira e, como toda produção da ETDUFPA, envolve um grande número de professores e alunos-artistas, pois junto com os atores, formam-se também as turmas dos Cursos Técnicos de Cenografia e Figurino. Juntam-se ainda aos alunos dos cursos técnicos, alguns formando da Licenciatura em Teatro, atuando como estagiários na montagem. É muita gente envolvida, junta e misturada e tudo, no final das contas, funciona bem. Faço este preâmbulo todo para deixar claro que falamos de uma escola, de uma montagem realizada por artistas em formação e assim deve ser vista. Eles estão deixando a Escola e muitos terão que aprender ainda com a vida, esta, sem dúvida, a melhor professora.
O homem ajuda o homem?  É a questão levantada na peça.  Aviadores sofrem um acidente e caem em uma cidade onde pedem ajuda dos moradores. Os moradores formam o coro que contracena com os pilotos, implantando um verdadeiro julgamento, para avaliar se devem ou não ajudar aqueles quatro. E chamam o público para refletir, ilustrando a questão com vários recursos: canções, cenas, solilóquios. O homem não ajuda o homem?
O espetáculo começa fora do teatro, com os atores invadindo, aos gritos, a área de espera e já criando, assim, uma tensão no público. Ali fora, já se delineia o que se vai ver dentro do teatro e como tudo será conduzido pelo coro, no inquérito que este instaura contra os aviadores, a fim de avaliar se os ajuda ou não. Personagens desfiam suas dores.
O coro entra no teatro e nos leva com ele. Recepciona-nos um telão, projetando imagens de vários momentos emblemáticos, duros, da vida nacional e internacional. Finalmente adentramos à sala e constatamos que não há cadeiras: opta-se por ficar de pé ou sentar no chão, na lateral da sala. No centro, a fuselagem de um avião e pedaços destes espalhados pelo espaço, alguns pendurados nas laterais e ao fundo. O coro é composto por gente do povo, trabalhadores e outros – enfermeiro, cozinheiro, noiva etc – e estão todos de branco. Os aviadores vestem macacões caqui. O texto é forte, poético e preciso em suas indagações, dito aos aviadores e ao público. Os avanços civilizatórios foram céleres, as máquinas aperfeiçoaram-se, as comunicações sofisticaram-se e, reflete o coro, nem por isso o pão ficou mais barato.
Nota-se, no elenco, e o fato de formar um coro contribui para isso, uma energia excessiva, um tom fortemente emocional nas falas e canto. Estes elementos, quando conjugados com as imagens, com as quais dialogam constantemente, tocam forte a emoção do público, distanciando a montagem do tão propalado distanciamento proposto pelo autor do texto, Brecht. Tudo é muito emocional e tudo contribui para isso: luz, cenário, canção, interpretação. É a emoção a via de contato com o público, em Baden Baden, e os atores que se incumbem dos solilóquios, carregam nestas tintas: e o fazem bem. Um pouco mais de comedimento, acredito, deixaria ao texto a força própria que ele já tem, sem provocar certa fuga que o tom fortemente emocional provoca. São jovens atores e o tempo se encarregará de burilar, dosar mais este vigor juvenil, esta emoção da formatura. A maturidade há de vir, torço.
O espetáculo é plástico, justo nos figurinos, cenografia e iluminação. O elenco está coeso, mantém a rítmica do espetáculo, sem desníveis significativos. Os clowns promovem bons momentos, seguram a cena nada fácil, cheia de filigranas, de um jogo de precisão e ironia fina, cortante como a espada de um samurai. Nesta cena, penso, reside o pecado da cenografia: a concepção do Sr. Smith, personagem que tem seus membros cortados pelos palhaços, não é completamente funcional e não oferece elementos para o jogo dos palhaços (as duas vezes que vi aconteceram acidentes, falhas). Mas nada tanto assim, entendemos o recado: o homem quando ajuda o homem nem sempre ajuda mesmo o homem.
É quase sempre assim: os acordos dos homens – e estamos vivendo atualmente a rebordosa de muitos deles– muitas vezes ajudam muito alguns poucos homens, mas pouco ajudam muitos outros homens. E sabemos bem que são estes e quem são aqueles.

Marton Maués
03 de Maio de 2016

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