Montagem teatral: A Casa do Rio, Grupo Gruta de Teatro.
Autora
da crítica: Maria Christina. Participante do mini
curso “o que pode uma crítica teatral?”
Eu quase podia ouvir,
naquela noite úmida e longa, o barulho do rio sob a casinha batendo nas
estacas, entre as falas das mulheres que guardavam seus encantos sob as mechas
dos cabelos. Uma decisão parecia se avizinhar e a ruptura já doía nas entranhas
dos pensamentos que desciam aos ventres prenhes de histórias e segredos. Nós,
escondidos pela noite, espiávamos aquela intimidade preservada há tempos,
protegida pelo tempo, pelo vento e pela chuva, pelas marés duplas e pela lua,
testemunha nossa, testemunha delas.
Era quase um estado de
graça coletivo a sensação que tomou conta de quem assistiu a pré-estreia de A Casa do Rio, do Grupo Gruta de Teatro, no Teatro Waldemar Henrique. No palco três
mulheres que também vêm construindo uma cena de resistência teatral – nesta
cidade que tudo vê passar, convidaram os presentes para uma viagem por
estreitos caminhos de terra batida, com lama aqui e acolá, até as margens de um
grande rio a banhar suas vidas. Astréa Lucena, Waléria Costa e Monalisa da
Paz despiram seus segredos e mostraram mais uma vez seus talentos diante do
público fiel e, para nosso enlevo, depositaram suas almas ali naquela nave.
Os olhares cúmplices se
arrematavam como nas dores e às vezes um grito rompe o limite invisível da cena
pra tocar um ou mais espectadores – que são todos num só, vivendo um conto de
poucas falas e muito significado, em noite de lua escondida por trás das nuvens
que a anunciariam com uma chuva grossa e vertical por três dias seguidos.
Sortilégios e
lágrimas vêm habitar todos os corações, ira e verdade saem dos olhos e da
garganta, a energia descomunal da floresta nos abraça e acolhe, e esta é a
nossa sina.
Eu quis olhar ao redor
e conferir os rostos e as respirações próximas, mas não me atrevi mexer um
milímetro sequer, mesmo quando uma voz infantil interceptou um projétil – e sua
resposta quebrou a negritude da noite, sem contudo nos fazer desviar da
atmosfera de encantamento a que nos deixamos levar.
A cada frase uma
revelação – novo momento – talvez uma antecipação da ocupação tão esperada, e
era como se nunca estivesse ficado longe daquela casa, porque as vozes das
mulheres feiticeiras vinham de muito, muito tempo atrás e se apenas agora
chegava a nós era tão somente porque um portal reabriu com a noite úmida e as
palavras se arrumaram, se aprumaram e finalmente lançaram a sorte para quem
chegou ali. Sim, o teatro paraense não morreu. Viva!
Uma noite em junho,
2017
FICHA
TÉCNICA:
Montagem
teatral:
A
Casa do Rio
Grupo
Gruta de Teatro
Texto:
Adriano Barroso
Direção:
Henrique da Paz
Elenco:
Astréa Lucena, Monalisa da Paz e
Waléria Costa
Cenário:
Boris Knez e Aldo Paz
Figurino:
Jeferson Cecim
Maquiagem:
Mariana Paz Barroso
Cabelos:
Germana Chalu
Iluminação:
Sonia Lopes
Assistente
de iluminação:
John Rente.
Produção:
Belle Paiva Tati Brito
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