Montagem teatral: Parto / BAI – Bando de Atores Independentes.
Autor
da crítica: Leonel Ferreira: Artista de Teatro e
Sociólogo. Participante do Minicurso de crítica teatral “O que pode uma crítica
teatral?”
Receita
Para se fazer um herói:
Toma-se um homem
Feito de nada como nós
Em tamanho natural
Toma-se um homem
Feito de nada como nós
Em tamanho natural
Embebe-se-lhe a carne
De um jeito irracional
Como a fome, como o ódio
Depois, perto do fim
Levanta-se o pendão
E toca-se o clarim
E toca-se o clarim
Serve-se morto
Serve-se morto
Morto, morto
Serve-se morto
Serve-se morto
(Receita para se fazer um herói – Ira – Psicoacústica,
1988)
Parto,
último trabalho de Mauricio Franco, é um convite para se ganhar o mundo e
refletir sobre as escolhas, sobre os sonhos, as buscas... Eu fui buscar o
teatro motivado por uma desilusão por reprovação no vestibular de 1993. Ainda
bem que não passei, pois do contrário, talvez eu não escrevesse essas linhas.
Queria revolucionar o mundo através do teatro. Era 2001, último ano do curso de ator da
Escola de Teatro e Dança da UFPA, eu sentado na escada de entrada da Escola
conversando com Flávio Furtado, amigo do curso. Ele se vira para mim e diz: “– Nosso
último ano, não é meu amigo? Como será daqui pra frente?” Então respondi: “– Não
sei tu, mas eu estarei fazendo teatro, nem que eu tenha que criar um grupo”.
Meses depois criamos a Cia de Teatro
Madalenas. Então eu fui atrás de Brecht, depois Grotowski, reli
Shakespeare, fui estudar Stanislavski e ações físicas, teatro pós-dramático,
performance, teatro de rua, enfim, tudo que eu considerava importante para um
plano revolucionário. Mas sabe aquela pergunta que perturba a mente? Será que
vale a pena? Minha alma não é pequena, mas será que vale realmente a pena? É
penoso o ensaio, a produção, a pesquisa, os desentendimentos, as dúvidas. Porque
insisto em fazer teatro numa cidade onde o poder público vira as costas para o
fazer artístico? Onde não se tem grana para pagar pautas longas nos teatros da
cidade!? Às vezes até as curtas. Onde a presença do público, em sua maioria,
são os parentes e amigos de ofício... Não se tem grana para uma ampla
divulgação através da televisão, busdoor, outdoor, no máximo uns cartazes
impressos em papel A4. Cômico se não fosse trágico.
Receita
para se escrever um bom texto:
- 1 limão
- 2 colheres (de sobremesa) de açúcar
- Gelo
- Cachaça
Modo
de preparo:
- Corte as pontas do limão;
- Corte o limão ao meio;
- Faça um corte em V e retire a parte
central, pois ela faz a caipirinha adquirir um sabor amargo;
- Corte o limão em pedaços menores;
- Misture o limão e o açúcar num copo;
- Amasse suavemente a mistura com um
pilão;
- Acrescente o gelo;
- Complete com a cachaça;
Pronto, agora é só escrever o texto.
Mauricio Franco se autodefine
como um operário do teatro. Escreve as cenas, concebe e confecciona figurinos e
cenários, dirige e representa. É o tipo “pau para toda obra”. Foi aluno da UNIPOP, da ETDUFPA e sempre foi
um bandoleiro, daí melhor nome o grupo do qual faz parte não poderia ter, BAI –
Bando de Atores Independentes. Parto
é uma produção independente, sem financiamento público ou privado. Conta com as
parcerias de velhos e novos amigos da cena local, dentre eles o Casarão do
Boneco, Sônia Lopes, que é a iluminadora do espetáculo, Paulo César Jr, que
assina a direção do espetáculo e que é do Coletivo
Casa de Zecas. Maurício Franco fortalece a ideia da qual teatro se faz no
coletivo e que fora dele não há saídas, principalmente quando se trata de uma
fazer artístico marginalizado, que não gera receitas, pelo contrário, só
contrai dívidas. Contudo, Parto nos
faz lembrar que nunca é tarde para se livrar de antigos nós e como na vida, que
é feita em pedaços e de desejos, histórias, o espetáculo tem as pausas certas e
uma pulsação intensa e captura o espectador para cada história contada por
Mauricio. Contudo a cena da caipirinha é impagável, um convite para brindar a
vida e seus dissabores, se deixar levar pela embriaguez das palavras soltas.
“Pegue duas medidas de estupidez
Junte trinta e quatro partes de mentira
Coloque tudo numa forma untada
previamente com promessas não cumpridas
Adicione a seguir o ódio e a inveja as
dez colheres cheias de burrice
Mexa tudo e misture bem
E não se esqueça antes de levar ao forno
Temperar com essência de espírito de
porco
Duas xícaras de indiferença
E um tablete e meio de preguiça”
(Os Anjos, Legião Urbana - O Descobrimento do Brasil, 1993)
E se nada mais der
certo, sempre haverá o teatro.
15
de Junho de 2017.
Referencia:
www.receitadecaipinha.com.br
Ficha
Técnica:
BAI – Bando de Atores Independentes
Elenco:
Maurício Franco
Maércio Monteiro
Iluminação:
Sônia Lopes
Colaboração:
Camila Paz
Operação
de Som:
Juliana Bentes
Preparação
Corporal e Direção:
Paulo Cesár Jr.
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