segunda-feira, 19 de junho de 2017

Insone – Por Ramon Oliveira



Montagem Teatral: Parto – BAI – Bando de Atores Independentes
Autor da crítica: Ramon Oliveira. Participante do minicurso “O que pode uma crítica teatral?”

“Dúvidas em dimensões, pensei ter visto alguém passar... Confusão; distorção; ilusão... Dúvidas em dimensões pensei ter visto alguém aqui... Confusão; distorção; ilusão”. Impossível pensar o que vi de olhos abertos. Foram tantas luzes. Reflexos azuis, vermelhos, reflexos brancos. Enfim, prefiro o vermelho! Não me desprendi do título da peça. Parto. Mas em qual sentido? O que me prende a cor, a palavra. O parto da partida, para mim, é preto. Como se algo perdesse coloração na despedida, mas também, meus olhos estão fechados, tudo será preto. Terei a ideia de que algo não existe mais em mim, uma despedida que deixa um vazio, um reflexo escuro.
Vermelho do parto, da vida, do sangue. Vermelho da vida. Saímos repletos de sangue, até que a primeira dor que sentimos nos faz respirar. Estranho atribuir a vida a cor vermelha, mas com meus olhos fechados, eu pensei nisso... Confusão, distorção, ilusão... Por isso, penso em parto, nosso primeiro ato em vida. Assim como viemos do sangue, por vezes, é pelo sangue que partimos. Reflexo vermelho, forte, espesso. Reflexo que acompanha o choro, a tristeza, a vontade de estar perto de alguém para ter menos medo.
Fim do reflexo, mas os olhos permanecem fechados. Presto atenção na respiração do ator. Ele estava ofegante, sua respiração sempre aumentava, a tensão naquele casarão também. Muitas idas e vindas, pulos e olhares. Olhares demorados ou não, enfim, ele nos encarava como se conhecesse cada um naquela noite. Ele se aproximava tanto que era possível sentir o calor que saia do seu corpo, depois voltava... Olhava para outra pessoa, se aproximava, repetia o processo.
O ator nos conduz a uma outra sala, aparentemente, menor, menos iluminada. Uma lâmpada de emergência ilumina parte dos rostos suados naquela sala. Além de nós, dois enormes bonecos participavam avidamente de cada movimento e aparição do ator. Minha atenção foi tomada pela lenda da senhora de Mosqueiro que na noite em que dois marinheiros desembarcaram na cidade, ela foi tratada e agredida fisicamente pelos dois homens que pernoitavam na cidade. E o mais interessante nessa história, é que esta senhora, era uma protetora da vila, e durante a noite ela se transformava em uma porca que protegia os moradores.
Em seguida, literalmente, passamos por cima da faixa de proibido passar! Fomos para um ambiente mais agradável para quem gosta de caipirinha e literatura. A tarefa era bem simples: leia um pouco e ganhe uma caipirinha com bastante álcool. O espaço era pequeno e as pessoas bastante. Obviamente, o calor aumentou naquele espaço. As  mais calorentas ouviam as leituras do lado de fora deste cômodo. Mas pra quem queria saborear aquela caipirinha, o calor se tornou um obstáculo que foi facilmente ultrapassado.
Minha cena preferida vem logo em seguida ao open bar de caipirinha literária. O ator sobe em uma parede que foi pintada com cores fortes, os tons em vermelho ocuparam a maior parte daquela tela. Gostaria de ter fotografado a parede para reproduzir em outro lugar, mas preferi prestar atenção aos movimentos que eram realizados com um excelente jogo de luz. De repente, mais um silêncio. Mais uma vez ouço apenas a respiração do ator que aos poucos vai se tranquilizando, que aos poucos vai ficando muda, que aos poucos se transforma apenas em respiração.
Ele agradece, ele bate palma, ele grita, ele nos olha e sai correndo. Como espectador de primeira viagem eu ainda não sabia que os atores iam embora no Casarão do Boneco, 815.
19 de Junho de 2017.

Ficha Técnica:
Montagem Teatral:
Parto
BAI – Bando de Atores Independentes
Elenco:
Maurício Franco
Trilha:
Maércio Monteiro
Iluminação:
Sônia Lopes
Colaboração:
Camila Paz
Operação de Som:
Juliana Bentes
Preparação Corporal e Direção:
Paulo Cesár Jr.

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