Geane Oliveira:
Graduada em Licenciatura em Teatro/UFPA, Participante do Projeto TRIBUNA DO
CRETINO.
É
carnaval, a marchinha está animada, colorida e canta com vigor! Sigo no fluxo
da música, sou conduzida por essa pequena multidão de mais ou menos dezoito
atuantes adolescentes; sento e me deparo com um palco no centro do teatro. A
marchinha continua cantando e dançando no espaço entre a plateia e o palco
montado. Nessa marcha entre tantos personagens há um “policial” que sempre para
alguém no meio da folia e pergunta: Quem és tu? Nunca se contenta com as
respostas que lhe são dadas e repete a pergunta. É sempre ignorado pelos outros
personagens, ninguém se importa com essa pergunta. É carnaval...!
Allah-ôô,
ô ô ô ô ô ô ô ô
Mas
que calor, ô ô ô ô ô ô ô ô
Atravessamos
o deserto do Saara
O
sol estava quente
Queimou
nossa cara
Viemos
do Egito
E
muitas vezes
Nós
tivemos que rezar
Allah, Allah, Allah, meu bom Allah!
Mande
água pra ioô
Mande
água pra Iaiá
Allah!meu
bom Allah
(Composição
de Haroldo Lobo-Nássara,1940)
Vamos
falar de “minorias”: homossexuais, mulheres e negros. São esses os temas
abordados no espetáculo. As cenas são conduzidas em esquetes, como
acontecimentos isolados em uma festa de carnaval. Jovens adolescentes discutem
os temas que lhes atravessam. Mas... Quem és tu? Encontro nesse carnaval a atual
condição política do país: tudo é uma grande festa, vamos celebrar a morte de
nossos direitos; ou ainda a “inexistência” da democracia; façamos longos
discursos que gerem tretas nas redes sociais; criemos memes para rir de nossa própria desgraça. É carnaval...!
Você pensa que cachaça é água
Cachaça não é água não
Cachaça vem do alambique
E água vem do ribeirão
...
Um beijo entre duas atuantes adolescentes
adoça o espetáculo, mas não me faz esquecer a maldita pergunta – Quem és tu?
Enquanto tento pensar em uma resposta entra um “Padre”, e no traseiro de vossa
santidade está escrito a frase que se repete em tantos outros espetáculos – FORA
TEMER. Continuo pensando em uma resposta e chego à resposta mais simples: sou
mulher recém formada e até então desempregada.
Outras respostas tendem a surgir quando a marcha passa animada na
mudança de cena. No forçar da mente encontro a seguinte resposta: Não sei quem
sou, mas como a maioria do público não gritei FORA TEMER (eu já gritei em algum
momento, mas não neste dia). Provavelmente porque essa expressão já se tornou
comum ao ponto de passar despercebida, ainda que seja um grito. Um grito que
parece está sendo sufocado a cada decisão tomada por este governo. Por hora prefiro
seguir a marchinha, gosto do calor do “empurra, empurra”. Não quero gritar
nada, quero continuar embriagada com o discurso de cada cena, onde a corrupção
é apresentada nas relações de micro política. É carnaval...!
As águas vão rolar
Garrafa cheia eu não quero ver sobrar
Eu passo mão na saca saca saca rolha
E bebo até me afogar
Deixa as águas rolar
...
Quem és tu?
Alguém sem direito ao
voto, mas faço parte desse carnaval, onde há confetes e serpentinas para
agradar-me. Vivo a ilusão do carnaval e estou embriagada com discurso político de
adolescentes!
A caminhada com essa
pequena multidão de foliões foi agradável e cheia de vigor. Eles se despedem
presenteando sua plateia com rosas vermelhas, e a ressaca chega sem gritar FORA
TEMER, mas encarando-me nos olhos e perguntando – QUEM ÉS TU?
Geane
Oliveira
07
de Dezembro.
Espetáculo:
Quarta-Feira de Cinzas.
Ficha
Técnica:
Elenco:
Grupo de Teatro Juvenil da ETDUFPA
Direção:
Inês Ribeiro
Olinda
Charone
Dramaturgia:
Ana Marceliano