quarta-feira, 7 de dezembro de 2016

Quarta-Feira de Carnaval – Por Geane Oliveira

Geane Oliveira: Graduada em Licenciatura em Teatro/UFPA, Participante do Projeto TRIBUNA DO CRETINO.    

É carnaval, a marchinha está animada, colorida e canta com vigor! Sigo no fluxo da música, sou conduzida por essa pequena multidão de mais ou menos dezoito atuantes adolescentes; sento e me deparo com um palco no centro do teatro. A marchinha continua cantando e dançando no espaço entre a plateia e o palco montado. Nessa marcha entre tantos personagens há um “policial” que sempre para alguém no meio da folia e pergunta: Quem és tu? Nunca se contenta com as respostas que lhe são dadas e repete a pergunta. É sempre ignorado pelos outros personagens, ninguém se importa com essa pergunta. É carnaval...!
Allah-ôô, ô ô ô ô ô ô ô ô
Mas que calor, ô ô ô ô ô ô ô ô
Atravessamos o deserto do Saara
O sol estava quente
Queimou nossa cara
Viemos do Egito
E muitas vezes
Nós tivemos que rezar
Allah, Allah, Allah, meu bom Allah!
Mande água pra ioô
Mande água pra Iaiá
Allah!meu bom Allah
(Composição de Haroldo Lobo-Nássara,1940)

Vamos falar de “minorias”: homossexuais, mulheres e negros. São esses os temas abordados no espetáculo. As cenas são conduzidas em esquetes, como acontecimentos isolados em uma festa de carnaval. Jovens adolescentes discutem os temas que lhes atravessam. Mas... Quem és tu? Encontro nesse carnaval a atual condição política do país: tudo é uma grande festa, vamos celebrar a morte de nossos direitos; ou ainda a “inexistência” da democracia; façamos longos discursos que gerem tretas nas redes sociais; criemos memes para rir de nossa própria desgraça. É carnaval...!
Você pensa que cachaça é água
Cachaça não é água não
Cachaça vem do alambique
E água vem do ribeirão
...
 Um beijo entre duas atuantes adolescentes adoça o espetáculo, mas não me faz esquecer a maldita pergunta – Quem és tu? Enquanto tento pensar em uma resposta entra um “Padre”, e no traseiro de vossa santidade está escrito a frase que se repete em tantos outros espetáculos – FORA TEMER. Continuo pensando em uma resposta e chego à resposta mais simples: sou mulher recém formada e até então desempregada.  Outras respostas tendem a surgir quando a marcha passa animada na mudança de cena. No forçar da mente encontro a seguinte resposta: Não sei quem sou, mas como a maioria do público não gritei FORA TEMER (eu já gritei em algum momento, mas não neste dia). Provavelmente porque essa expressão já se tornou comum ao ponto de passar despercebida, ainda que seja um grito. Um grito que parece está sendo sufocado a cada decisão tomada por este governo. Por hora prefiro seguir a marchinha, gosto do calor do “empurra, empurra”. Não quero gritar nada, quero continuar embriagada com o discurso de cada cena, onde a corrupção é apresentada nas relações de micro política. É carnaval...!
As águas vão rolar
Garrafa cheia eu não quero ver sobrar
Eu passo mão na saca saca saca rolha
E bebo até me afogar
Deixa as águas rolar
...
Quem és tu?
Alguém sem direito ao voto, mas faço parte desse carnaval, onde há confetes e serpentinas para agradar-me. Vivo a ilusão do carnaval e estou embriagada com discurso político de adolescentes!
A caminhada com essa pequena multidão de foliões foi agradável e cheia de vigor. Eles se despedem presenteando sua plateia com rosas vermelhas, e a ressaca chega sem gritar FORA TEMER, mas encarando-me nos olhos e perguntando – QUEM ÉS TU?
Geane Oliveira
07 de Dezembro.

Espetáculo: Quarta-Feira de Cinzas.
Ficha Técnica:
Elenco: Grupo de Teatro Juvenil da ETDUFPA
Direção: Inês Ribeiro
Olinda Charone
Dramaturgia: Ana Marceliano   

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