Geane
Oliveira: Atriz, Graduada em Licenciatura em Teatro – UFPA; Participante do
Projeto TRIBUNA DO CRETINO.
Minha avó dizia mais ou
menos assim: “Morreu é bom enterrar logo, antes que comesse a feder”.
Era apenas uma pequena
caminhada, mas a luz da lamparina, o cheiro de goiaba com mato e o som das
gotas d’água que caiam das folhas recém molhadas pela chuva tornaram aquele
pequeno momento num resgate das memórias do pomar da minha infância. De dentro
dele eu enxergava as janelas da casa, e nelas uma velha –empregada mais antiga
da casa – contava a estória de dona Pereira. Confesso que medo não dava para
sentir, mas a cada aparição, minha memória se aproximava da vivência na casa da minha avó, e quando
aquele texto fugia cheguei na porta dos fundos, ainda envolvida pelo cheiro e
sons do pomar. Lá havia uma boneca de pano quase igual a que ganhei da vovó, a
diferença era que essa estava sendo manipulada por uma menina de aparência
sombria. As duas descem as escadas e somem no meio das mangueiras, caneleira e
jambeiro.
Minha avó dizia mais ou
menos assim: “Velório tem que ter café e bolacha”.
De tanto me encantar
com o pomar havia esquecido que minha caminhada estava direcionada ao velório
de dona Pereira, uma jovem senhora de quem tanto ouvi falar. Quando passo a
cerca encontro um ser contorcido que geme enquanto guia-me ao local onde está o
tão esperado corpo a ser velado. Chego ao pátio do velório e o ser contorcido
se embrenha na mesma mata em que a garotinha da boneca, virou pássaro creio eu,
e enquanto ele desaparecia no meio da folhagem uma tosse interrompeu o
burburinho. Algo se contorcendo de dor e agonia, aguardando os últimos
suspiros. Os gemidos são crescentes e por não mais suportar aquela dor o ser entra
na mata levando toda sua agonia. A luz das velas revela uma garotinha que pela
primeira vez aparece. É tão jovem que só consegue se alimentar dos conselhos
que sua mãe lhe dá, as duas estão diante do corpo de dona Pereira, não há
lágrimas , só palavras de velório, e quando essa conversa termina era hora de
uma pausa para lanchar. Quem quer? Eu quis, e comi vários bocados. Afinal vovó
sempre disse que o melhor do velório é a comida. Estava até bom, e mais uma vez
esqueci que estava ali para prestar homenagens à dona Pereira. Porém os
moradores da casa e responsáveis pelo velório lembraram-me que precisávamos
seguir com o ritual, e assim começaram apressar o povo, pois o corpo já estava em decomposição.
Minha avó dizia mais ou
menos assim: “No carregar do corpo ao cemitério precisamos cantar, então:
cante, cante,cante...”
Seguimos com o ritual, sem
esquecer de cantar, em um clima melancólico
seguimos viagem... cantemos, cantemos, cantemos! De repente bate uma sensação
estranha, fiquei ali tentando lembrar em que momento ela realmente esteve
comigo, pois seja em forma de velha, garotinha ou pássaro ela sempre
desapareceu na mata e agora não seria diferente. Mais uma vez eu estava lhe
perdendo de vista, lentamente os cheiros, sons e sabores do velório foram se
perdendo. O enterro se aproxima, cantemos, cantemos, cantemos! Tento voltar ao
pomar na esperança de encontrá-la, mas de nada adianta, pois ela se foi. Aceito
esse destino, e aos treze malditos que ali comeram e beberam resta cantar,
cantar, cantar, carregar, cantar, cantar, cantar, cantar, cantar...
Resta-nos seguir e aceitar o conselho da vovó: “Quando chegamos aqui tudo já estava tramado, não existe esse negócio de começo, meio e fim”.
Geane
Oliveira
06
de Novembro de 2016
FICHA
TÉCNICA
Adriana Cruz, Andréa Rocha, Aníbal
Pacha, Cincinato Marques Jr, Cristina Costa, Fafá Sobrinho, Lucas Alberto,
Nanan Falcão, Tereza Ojú, Thiago Ferradaes, Paulo Ricardo Nascimento, Vandiléa
Foro.
Realização:
In Bust Teatro com Bonecos,
Produtores Criativos
e Coletivo Casarão do Boneco.
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