Raphael Andrade:
Ator: Graduando de Licenciatura em Teatro- UFPA
(...) Só tambor velho de gritar na lua cheia da minha terra
Só tambor de pele curtida ao sol da minha terra
Só tambor cavado nos troncos duros da minha terra.
Eu
Só tambor rebentando o silêncio amargo da Mafalala
Só tambor velho de sentar no batuque da minha terra
Só tambor perdido na escuridão da noite perdida.
Nestes versos do poeta e ensaísta
José Craveirinha (1922 – 2003), reverbera a beleza e importância de “gritar”
sobre belezas e mazelas de sua terra natalícia Mafalala – bairro periférico de
Maputo ou “cidade do carniço,” análogo a vivência da população ribeirinha, que
padecia pela precariedade do poderio político. Porém, por intermédio dos
fazedores artísticos da terra, fizeram desta cidade expoente na literatura,
música, teatro, modificando a realidade transgressora deste povoado. Nesta
perspectiva, podemos verificar que o teatro e ARTE em geral, têm esse poder
transformador que necessitamos para mudar (ou tentar) as “mafalalas” de nossa
terra. Algo que, a meu ver, ficou explícito no espetáculo do Grupo de Teatro
Universitário (GTU – Noite) ao qual estreou, na primeira semana de Novembro, o
espetáculo Terra Preta que narra
histórias entrecortadas de uma população ribeirinha marcada por mitos, lendas,
politicagem e memórias de uma cidade amazônica.
Ao adentrarmos no teatro
experimental Cláudio Barradas, nos deparamos com uma bela visualidade de uma
“esfinge amazônica” silenciosa com suas folhagens absortas em rostos, corpos e
cores dos (das) principiantes atuantes. Após os espectadores estarem acomodados
no plano palco-corredor, os atores crivam pela sonoridade amazônida nossas
percepções reflexivas. Estabelecendo, desta forma, uma reflexão sobre a
população tradicional identificada como ribeirinha: falar de nossa
terra/mafalala/amazônica, o teatro desta cidade precisa (também) deste enredo
silenciado por fazedores de teatro. Contudo, há de se ter cuidado com a
proposta estilística eleita para abordar este assunto ao qual descreverei, por
minhas concepções, a seguir.
O teatro contemporâneo não deve ser
classificado com apenas um gênero teatral, haja vista que, hoje, há traços dos
gêneros (épico, lírico, dramático) presentes na dramaturgia – mas, nesta
concepção, não se deve tê-los como uma “bengala” na trama – criando, desta
forma, uma não-metalinguagem. Sobretudo por misturar esses referidos gêneros em
pequenas cenas entrecortadas que não têm uma linha de raciocínio coeso. Claro
que se pode ter “volta ao tempo” ou deixar uma cena implícita, por não
tratar-se de um “teatro aristotélico”. Mas é necessário que esses fragmentos
não prejudiquem a encenação, tornando-a sem um mote central. Sobretudo por não
tratar-se de um teatro pós dramático (quebra do drama) intitulado por
Hans-Thies Lehmann (1944), ao qual a encenação é entrecortada por cenas
diferenciadas que não têm como objetivo um efeito lógico ou auto-explicativo.
Mas sim, um teatro de percepções.
O enredo mostra-nos memórias
narradas por "Seu Manel" e narradores soltos no desenrolar das
emaranhadas situações ribeirinhas sem coesão – mitos, lendas, indignações
contra o poderio político (uso de comédia para quê?), violência sexual e
exploração (fraca elaboração do tema), lembranças da infância, escalpelamento e
assim por diante, por meio de uma mimese
corpórea que beira o burlesco – burlesco este, que se torna pífio na maior
parte dos atuantes. Por que fazer deste povoado algo que beira a canastrice? Canastrice
presente em gestos largos, gritos e sexualização das personas (efeito tosco, pífio e previsível que temos deste modo de
vida ribeirinha – “cabocagem”). Seria para a encenação não cair no marasmo?
Para criar uma comédia desnecessária na temática abordada? Ou por terem essa
ideia burlesca deste povoado? Outra falha comum é o problema na dicção dos
jovens atuantes. Falha peculiar da direção\preparador de elenco (voz e
corporal). Apesar de saber quão difícil dirigir um grupo de pessoas que nunca
fizeram teatro, estes são pontos que necessitam de zelo.
Para embaraçar mais está conclusão
não coesa, a trama segue por mostrar-nos o drama das mulheres escalpeladas sem
uma linha contínua na encenação (como referida acima e contundente em todo o
espetáculo). Porém, uma das cenas mais fortes e belas do espetáculo, revelando
a amargura do arrancamento brusco do escalpo humano, comumente por erro de
donos de embarcações por intermédio da boa interpretação da atriz que começa o
espetáculo e narra à história. Infelizmente, a ação segue por culpar a plateia
pela sua fatalidade. Se a ideia era criar comoção por parte dos espectadores,
para mim, teve o efeito inverso.
Dentre erros e acertos, a lenda
folclórica brasileira “Iara” foi outro ponto alto do espetáculo (seguidos pela
ótima iluminação e boa sonorização), desviando do previsível que já está
intrínseco no imaginário popular – com a bela música de Adriana Calcanhoto
(1965) “Uma Iara”, e o texto “Uma perigosa Yara” de Clarice Lispector
(1920-1977) esta lenda, dentre outras, representa para nós (sobretudo para os
ribeirinhos) desenvolver uma relação mais transcendental e harmoniosa com o
cosmos – encontrando respostas (ou não) na subsistência.
Nesta perspectiva, Terra Preta capota no amargo erro de
querer mostrar muitas histórias entrecortadas deste povoado, deixando-nos sem
uma conclusão contundente do tema que se pretende abordar. Contudo, são pontos
a serem revistos para outra temporada, haja vista que, há temas de suma
importância a serem abordados e que necessitam ser vistos pelo povo ribeirinho
ao qual o trabalho foi idealizado. Tentando, desta maneira, dar voz ao silêncio
amargo de (suas) nossas terras – ao qual necessita ser adubada com NOSSA
CULTURA. Mas antes, necessita ser fertilizada e regenerada.
Raphael Andrade
06 de Novembro de 2016
FICHA
TÉCNICA
Elenco:
Hitalo Freitas, Jessica Ribeiro,
Jeann Carlos, John Seychelles, Yandra Cruz, Raissa Gama, Jorginho Morais, Joed
Caldas, Jhonata Scerni, Marina Moreira, Elisa Santos, Rose Mendes, Clene Lisboa,
Stephanne Mergalho, Fabi Santos, Lucas Serejo, Oth Souza, Rafael França, Ivany
Palheta
Nenhum comentário:
Postar um comentário