segunda-feira, 5 de dezembro de 2016

Essa tal de “Tebas” fica na minha rua... – Por Raphael Andrade

Autor: Raphael Andrade- Ator; Graduando em licenciatura em Teatro- UFPA.
Belém de Tebas ou do Pará, 04 de Dezembro. Domingo não é feira porque é santo. Acorda, tenta fazer alguma coisa útil. Desiste. Acende um incenso de citronela, gira o incenso na mandala, convoca os santos para pedir iluminação para a semana, faz a oração de Oyá – sincretizada Bárbara (é dia dela) para manter o ideal vivo, pinga essência de Jasmin no caboclo de pele clara. A mãe ainda diz que é Católico Apostólico Romano. Acha que é idiossincrático por causa da mulher, mas lembra que já nasceu assim por causa da cor da toalha e da coca-cola...
Às 17h10, percorre o caminho de Tebas. Suas ruas são sujas e pichadas. Dobrando o mercado de ferro, vêem-se cidadãos tebanos trabalhando em pleno domingo – vendem peixes, aromas e variadas iguarias. Sente o odor das águas calmas próxima do palácio. Retira o ingresso, é grátis! Pensa se não o fosse se estaria lotado. A fila enorme se entende ao redor do alvo palácio. Chegou cedo para pegar um bom lugar, mas dentro da corte duas moçonas fortes já estão acomodadas na primeira fila, enquanto fora, idosos e uma mãe com bebê de colo ficam em pé. Não é de se admirar! Em Tebas têm disso, os “não letrados” sempre serão os últimos. Acomoda-se na segunda fileira e observa os detalhes do suntuoso palácio. Vai assistir aquilo que já presenciou na primeira temporada e que meio mundo comentou. (O disseram que nada mudou). Mas sabe que a linha tênue da verdade é a mentira.
Édipo Rei é o nome da peça trágica. Nos primeiros minutos rola um arrepio. Parece uma espécie de canto
gregoriano que tanto admira. Lembra que não sentia esse arrepio faz tempo. Até achava que o sistema nervoso não respondia mais ao estímulo da amante amada: música. Acha belo o bailar das personas numa espécie de transe até a cópula...
A tragédia prossegue e começa a se emocionar. Mas não chora. Pausa. Lembra da primeira vez (de quê, não interessa) Arregala os olhos, Pensa em Freud, Foucault e suas teorias sobre a homossexualidade. A cena é violentamente encantadora. Lembra que é humano. Esquece que é arrogante. Lembra que não atua há muito tempo. O suor cai na boca. Sente o gosto do mar. Mare Nostrum.
Não tem nenhum senso crítico, é só emoção (inverdade)! Acha à linha contínua impecável – Aristóteles (384 a.C-322 a.C.) ficaria imbuído de encanto. Ama as quatro mãos: as que batucam e as que tocam instrumento de teclas. Vibra com o figurino e com a beleza da iluminação, mas percebe que o rei não tem trono. Lembra-se o que a poetisa se referira: "Que importa o sentido que tudo vibra?". Admira a intensidade diferente que vê e a sutileza do movimento ou seu antônimo. Acha graça das “mãos de monstro” (energia concentrada nas mãos dos atuantes). O Rei tebano parece o substantivo abstrato – RAIVA (Imagina: Lá vai uma raiva passando...). Grita, vomita o texto. Ainda assim, se agiganta no palco. Outros, porém, passam despercebidos. Reflete: o que importa diante de tamanha espetacularidade? Absorve tudo na retina.
Imagina Sófocles (498 a.C.–406 a.C.) apavorando os gregos de outrora com o maior dos terrores que os poderia assolar: parricídio e o incesto. Não o inveja, pois sabe que na sua rua ainda é Tebas. Temos semelhanças de todos os gostos: parricídio, vingança, discriminação, calamidades em geral e, para variar, o rei que manda no palácio tem trono, súditos e foi reeleito. E se faz de cego para inúmeras situações. Que os deuses o (nos) perdoe(m)! Nesta péssima perspectiva, adoraria ser Tirésias para afrontá-lo.
Vê a capa vermelha da morte. Lembra da importância do vermelho. Sabe que o céu parece azul, mas o sangue parece vermelho. Suja de sangue as emoções. Poema sujo. Tenta estabelecer a conexão concreta nas curvas de Landi (1713-1791). Lembra de guardar o poema de Cícero (106 a.C.-43 a.C.). Faz analogia. Lembra dos ex-amores, dos amigos, dos momentos, dos inimigos, dos ódios, lembra daquela sensação gostosa. Lembra de lembrar. Percebe que o mundo precisa de arte! ARTE! ARTE! ARTE – AR, TER.
Lembra: “Nenhuma criatura humana pode fugir do seu destino”.
No fim, aplaude de pé! Quer abraçar os diretores e os atuantes. Mas, morre de medo. Para ele, são todos uma espécie de Górgona. O medo maior é de virar pedra. Lembra do poema de Gullar (1930-2016), que partiu hoje. Acha interessante ser pedra. Esquece tudo. Escreve um texto para lembrar.
Agradece, lembra a importância de criticar e poematizar.
Raphael Andrade
05 de Dezembro de 2016


Ficha Técnica:
Atuação
Aj Takashi, Alana Lima, Anderson Monteiro, Bárbara Monteiro, Bruno Silva Ferreira, Dayci Oliveira, Dél Ventura, Eliane Flexa, Felipe Almeida, João Melo,
Lennon Bendelak, Marcos Bahia, Marcela Tocantins, Noah de Moraes, Paulo César Jr., Paulo Jaime, Rafella Cândido, Rhero Lopes, Siane Morais e Ysamy Charchar
Participação especial das crianças
Kaylanne Ribeiro e Lívia Mesquita
Direção/encenação
Denis Bezerra, Karine Jansen e Renan Delmontt.
Figurino
Marcelle Engelke, Christie Monteiro, Jean Negrão, Mayla Serrão, Alessandra Marques, Ana Luz, Lúcia Almeida, Mayla Serrão e Nazaré Galvão.
Maquiagem
Jean Negrão e Rafael Ventura.
Coordenação de Figurino
Ézia Neves
Cenografia
Ana Juliana Oliveira, Giovane Barbosa, Leandro Trindade e Yan Almeida.
Coordenação de Cenografia
Adriana Cruz.
Iluminação
Giovane Barbosa.
Coordenação de Iluminação
Tarik Coelho.
Músicos
Moisés Batista.
Preparação Vocal
Lúcia Uchôa.
Arte Gráfica
Raphael Andrade.
Apoio
Paulo de Tarso, Sônia Miranda e Regiane Maciel.

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