domingo, 5 de outubro de 2014

Quem não ama] muito[ não mata tão bem assim. Por Rosilene Cordeiro

Espetáculo: Zé.

Preciso readaptar meus olhos ao teatro. À casinha da 'teatradição' em permanente redesenho que se mantém inalterada em algumas (muitas!) experiências.
Quando público, hoje, me incomodo com o muito. Me enfraquece a quantidade, essa necessidade furiosa que alguns grupos da nossa cena contemporânea sentem, alta exposição pra 'mostrar' o tanto. 
Essa excessiva negAÇÃO ao espectador em sua empreitada de recepção, que muitas vezes ocorre na surdina, em elocubrações tardias depois que o 'fio da magia' do templo se rompe e suas asas de cera os lança ao chão, falidos e esgotados pela busca de sentidos de todas as coisas visíveis e inacreditáveis.
Pesquisa boa não nasce por encomenda!. Ela vem, antes, pela urgência de um produto que o próprio processo demanda como trabalho orgânico, sistêmico num fluxo grupal regular que se coloca metas e desafios contínuos, generosamente compartilhados em ocasiões-estados de comunicação pública. Ali onde os corpos partem ao encontro de perseverantes indagações em sucessivos postos de testagens e superações que não cessam de [re]aparecer conferindo-lhes uma causa [coisa!] pela qual lutar e prosseguir.
Isso de ir ao teatro e deixar a emoção em casa não existe. 
Como não existe uma emoção que deva espraiar-se confortavelmente no assento cômodo privilegiado da platéia a espera de quem lhe atenda os caprichos pessoais. Entre uma possibilidade de interação ou outra a experiência sensível é inegável e completamente importante, mas a técnica tem seu mistério e sugere sua contemplação. 
E isso, a emoção e a técnica são destaques na montagem cênica "ZÉ" do Gita- Grupo de Investigação do Treinamento Psicofísico do atuante (grupo de pesquisa da ETDUFPA).
Um texto divinizado pelo bom aproveitamento cênico em giro concêntrico entre 35 cadeiras e muitos outros  lugares subtextuais.
Tudo limpo, denso e orquestrado pela batuta brilhante do absurdo mórbido, elementar e catártico do existencialismo hodierno.
Corpos cilindricos, a lágrima vindo a tona caindo em suspensão quase no meu colo. O povo apreciando a língua, a respiração, sentindo o hálito da palavra.
Belos sapatos, como belos as personagens. Luz prodigiosa, simples e lunar.
A noite, o dia, a sombra, a morte, o homem, a mulher, a vida e a angustia que nos aprisiona ganhando asas térmicas, nos conduzindo para fora de nossos abismos ocos, lá onde tostamos no frio. 
Um estado de ausências em muitos corpos de um único Zé(s) multidão. Oscilações de humor, máscaras físicas, conversas aos pés dos ouvidos.
O texto é uma valsa, para dois: de um lado 5 atores e sua direção; do outro, 35 cabeças-divagações em descompasso inicial. O elo de ligação vai 'ditando'
É bem verdade que já ando um pouco surda (ou mais do que imagino, suponho!) mas creio que a dicção de alguns poderia concorrer melhor com a sonoplastia que é cortante e vitral. Eis o que poderia ser melhor!
Excelente escolha da métrica em versos num cavalgar de pernas a toques de pés como sinos-campainhas a acordar a nossa consciência débi, a impedir-lhe o repouso (IN)justo.
De todo é um espetáculo de pesquisa: bom, digno e barato para o tanto de maresias que esse grupo já cruzou. 
Trabalho promissor, sobretudo para seus novos  integrantes.
Vou ao espetáculo, volto com um livro, viagens de vida e morte, consciência e fronteiras em Jim...
Sinto/penso, logo falo! Esse é um trabalho que  merece ser visto burlando o tempo, a chuva, o trânsito, a preguiça e, acima de tudo a vaidade de quem já é da cena local, regional e nacional.
É um grupo de assinatura particular, sociedade paraense de poetas teatrais nem um pouco anônimos.
Prestígio público é o que eles merecem, portanto.
Sem ostentações mal vindas, porque o amor opera em silêncio, o mesmo silêncio exato e furioso que me invade quando o último facho de luz se vai para que o CORPO atuante do grupo se erga e posteriormente se curve em sinal de agradecimento e alívio.
Missão cumprida ]só por hoje![

Fim do ato ]..[momento em que todo o laborioso ofício de atuantes encerra...apenas para este público, para recomeçAR.

Sucesso a temporada, merda GITA!

Rosilene Cordeiro
02.10.2014

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