quinta-feira, 16 de outubro de 2014

Nem mais nem menos Zé(s)

Espetáculo: Zé.
Credenciais da autora da crítica: Silvia Luz, professora e atuante. 

Atmosfera sombria, um retângulo era o palco, ou será arena, masmorra, manicômio?... Enfim, os atuantes todos de preto com as caras pálidas contrastando com a penumbra da cena. Entro ou não entro no abismo do mundo. O retângulo tinha duas aberturas para a entrada dos espectadores, o espaço de duas cadeiras, por lá adentrei covardemente. Tudo escuro fecha-se o retângulo, passos com sapatos de diversos saltos são ouvidos, eram homens, mulheres, todos em vão caminhando; faziam-me acreditar que eu estava correndo, mas para onde? De quem?
A angústia do momento passou quando ouvi a voz do primeiro atuante, houve uma quebra de sensações. No início tiveram textos cuspidos de forma mecânica e fria, simplesmente o texto, mas de repente o “fogo ergueu-se da terra fria como o fogo do fogão” e a atmosfera esquentou e todos pareciam queimar insanamente, minha cabeça parecia o badalo do sino na meia noite da missa do galo. Ouvia vozes nos quatro cantos e um silêncio gritante no centro do palco, eis que era o Zé, um homúnculo que mal se mexia, mas que tinha os olhos vidrados e opacos, talvez sem vida.
Eram cinco atuantes um em cada ponta e um no meio, mas algo sentido dentro de mim os unia profundamente, pareciam unidos por um turbilhão de sensações, a das mais infames a mais sublimes, quando Maria mesmo em seu meretrício mental, cinicamente tinha gestos de ternura e emoção com o tal Zé, pois por dentro Maria tinha asco desse Zé, mas por fora esse ódio transformou-se cinicamente em falsos gestos de afeto, acredito que a sustentação dessa atuação deu-se por meio da oposição de energias e a equivalência das ações, tudo era uníssono neles.
Os sapatos usados pelos atuantes revelaram a hierarquia dos tipos sociais, botas para o Capitão e Tamboreiro, sapato de salto alto para Maria, Margarete tinha uma botinha e o Zé um sapato de pano, de aspecto fuleiro e desgastado. Todos faziam barulho quando andavam menos o Zé, o único são da história, o maioral do pedaço, mas invisível aos olhos, pois nossos valores estão nos pés, é isso!
Zé estava sendo vendido em praça pública e nós espectadores o julgávamos, a cada diálogo dos atuantes nossos preços variavam, a cada lance um recuo na cadeira, um olhar para dentro de si, para cima, para o lado e nunca à nossa frente, com vergonha de ver a realidade. Somos hipócritas como a masturbação do Capitão, ele está gozando e rindo da nossa cara com o dedo no cu e ainda nos dá para cheirar, ao final ficamos sem graça, pois isso é imoral, mas “fuder” com os outros é moral. Hoje o “certo” é sempre ser superior aos outros custe o que custar.
Que ironia! O autômato Zé nos joga na cara o que somos, insipientes, desumanos, egocêntricos, traidores, inóspitos.... Tudo que eu aponto no outro, na verdade é o que desejamos fazer ou fazemos.
Senti-me atuante nesta apresentação, apesar de estar como espectadora. A precisão do momento me puxava para a cena. O vigor presente na atuação dos atuantes era tão intensa que me fez suar e sentir a energia destes cinco corpos. Senti-me provocada e inquieta na cena do assassinato de Maria, no início da cena a atuante que fazia a Maria sufocou-me com sua naturalidade, tudo conectado, estado psicofísico. A atuante que fazia o Zé delimitou a cena em início meio e fim, por meios das ações e principalmente pela intenção das mesmas, o clímax foi sustentado por esta precisão. Confesso que fiquei chocada e atordoada com a naturalidade dos atuantes em cena. Bravo! Bravíssimo!  Sigamos em frente com o treinamento. Acordaram o Leão que existe dentro de vocês, agora é preciso domá-lo.
Prof.ªMsc. Silvia Luz
12.10.2014

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