Critica ao Espetáculo do Grupo de Teatro
Universitário (GTU) "Zeca de uma cesta só", por Tainá Lima, graduanda
em Teatro / UFPA.
O teatro por si só já é um ato
político, mas quando o teatro não usa a dramaturgia para justificar o ato, mas
faz do ato a própria dramaturgia, temos algo que ouso chamar de essência.
A experiência que vivi como
espectadora do espetáculo "Zeca de uma cesta só" foi familiar e ao
mesmo tempo estranha. Familiar porque recentemente vivenciei na condição de
atriz a montagem cênica "Zé" realizada pelo GITA, que aconteceu no
mesmo Teatro Claudio Barradas. Nomes até parecidos, Zé um homem miserável e
manipulado por seus superiores luta pra dar o melhor a sua família, mas está
doente e alucinado; Zeca, uma mulher miserável, manipulada pelo sistema que diz
que pobre é trabalhador e rico é doutor, ela é mais uma trabalhadora da base
mais populosa da pirâmide social. Conheço o contexto não somente porque
vivenciei uma dramaturgia parecida, mas porque minha mãe e eu vivenciamos na
pele uma situação conhecida por Zé e Zeca: o desemprego, a dor da fome e do
medo. O outro lado foi estranho e desafiador porque Zeca foi um espetáculo
fácil de decifrar, o difícil foi quando o espetáculo me convidou a decifrar o
mundo. Algo que é mais complexo do que se imagina.
No começo o desabafo de uma
mulher no palco seguido de uma população que grita, abafando assim o protesto
solitário dessa mulher. Depois dois extremos: a casa humilde em tijolo cru de
Zeca e a casa luxuosa de seu patrão. Nessa cena o espectador já sabe do que se
trata o espetáculo e os textos expostos em slides confirmam e intensificam uma
realidade que, no percurso do dia a dia, esquecemos. Mas o teatro, no seu
âmbito ficcional e extracotidiano, ao mesmo tempo que nos aproxima da precária
realidade do dia a dia, nos afasta dela.
Zeca, um espetáculo construído
pelo GTU por mais que pareça, não chega a ser um espetáculo predominantemente
brechtiano, para se fazer um espetáculo assim exige mais tempo de pratica e
pesquisa, contudo, Zeca é um espetáculo que utiliza magnificamente bem os
recursos brechtianos, o mais presente é sem duvida o distanciamento.
Quando começo a me envolver no
ritmo do tecnobrega, um tiro é disparado e me distancio, quando começo a me
envolver na trama de conflitos vividos por Zeca no seu dia a dia ou na
sequência repetida de seu ultimo dia de vida, ou nos dias de sua lembrança, uma
dupla de atores vestidos de preto assumem a fala, um texto é projetado em
slide, enfim, alguma coisa interrompe - acontece - e me distancia, assim, não
consigo mergulhar no estado ficcional que a cena me conduz, logo estranho, logo
percebo que estou no delicado e sutil espaço do teatro que me leva a uma
dualidade de realidades: a realidade da personagem narrada teatralmente e a
realidade narrada por todos nós fora da ficção do teatro, em nossas vidas.
Augusto Boal me lembra que é
possível fazer teatro político com não atores, o GTU me lembra que é possível
fazer bom teatro com jovens diretores, encenadores e atores. Esses jovens
começaram seu fazer teatral da melhor forma. Visivelmente mostraram potencial
cênico, entendimento político que a história aborda e propriedade do texto.
Algumas falas não entendi, questões técnicas que podem ser ajustadas, porém
todas as cenas do espetáculo estavam tão bem preenchidas dramaturgicamente que
até quando eu não entendia uma fala ou perdia uma ação, eu entendia o contexto
da cena e para além do entendimento racional, eu sentia. Os atores realmente
vivos em cena me fizeram perceber a organicidade de um ato político, algo que eu
não via há muito tempo.
O espectador ver as sensações do ator quando bem
colocadas em cena, em Zeca não só vi como percebi sensivelmente a vontade que
todos os atores tinham de está em cena, a alegria, o amor, a força e até
revolta diante do sofrimento dos personagens.
Durante meus anos estudando teatro na teoria e pratica me deparei com palavras difíceis, com cenas quase indecifráveis, com grandes produções que pouco me diziam e pequenas produções que tudo falavam ao meu coração. Zeca é um espetáculo simples até na visualidade, mas esse simples tão bem construído vale pelo singelo motivo de que me aproxima não do realismo, mas do que real. O alimento não perecível na caixa de entrada do teatro é familiar, mas os alimentos no caixão são estranhos. Zeca alcançou algo que muitos teatros tentam: do recurso pobre bem utilizado chegar ao poeticamente rico.
Durante meus anos estudando teatro na teoria e pratica me deparei com palavras difíceis, com cenas quase indecifráveis, com grandes produções que pouco me diziam e pequenas produções que tudo falavam ao meu coração. Zeca é um espetáculo simples até na visualidade, mas esse simples tão bem construído vale pelo singelo motivo de que me aproxima não do realismo, mas do que real. O alimento não perecível na caixa de entrada do teatro é familiar, mas os alimentos no caixão são estranhos. Zeca alcançou algo que muitos teatros tentam: do recurso pobre bem utilizado chegar ao poeticamente rico.
Essas oscilações, sensações,
imagens, textos, reviravoltas, distanciamentos nos levam no final para algo que
digo em um dos meus poemas "dois segundos a vida"; em Zeca "duas
escolhas, a morte". No final, quando o publico que escolheu o segundo
final pensa que Zeca continuará viva, ela vai presa e por descaso dos
"superiores" ela morre arrastada pelo carro da policia. O vídeo da mulher
que morreu ao ser arrastada pelo carro da policia é exibido, uma cena não
ficcional que aconteceu na historia do nosso país talvez já esquecida por
vários, mas relembrada por Zeca que de um jeito ou de outro morre. Talvez essa
leitura de mensagem seja pessimista, mas no fundo não é. Zeca é aquela mãe que
da um tapa na cara do filho e diz: "Acorda, tenha ordem meu filho, e
progrida na vida. Ainda há esperança".
O espetáculo inteiro leva o espectador do riso estérico
ao choro tímido recolhido na cadeira acompanhado de um fungar de nariz. Valeu a
pena rir e chorar.
Tainá Lima
30.10.2014
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