Montagem teatral: I(MUNDO) UBU.
Montagem: Grupo Imundas.
Autora: Karimme Silva, Psicóloga,
Psicopedagoga, Atriz formada pelo Curso Técnico em Ator pela ETDUFPA e
ex-bolsista do projeto de extensão PREAMAR TEATRAL.
urUBUservando, a situação
uma carraspana, na putrefação;
a lama chega até o meio da canela;
o mangue tá afundando e não nos dá mais trela!
uma carraspana, na putrefação;
a lama chega até o meio da canela;
o mangue tá afundando e não nos dá mais trela!
(Chico Science e Nação Zumbi)
Sejam bem vindos ao
caos e à desordem! Não, não tirem seus sapatos, pois eles já estão sujos. O
negócio vai feder... Apenas tirem todas as máscaras e se vejam sobre a máscara
mais frágil... E percebam o quão somos estúpidos! Essa podridão generalizada,
bem como sugere o nome Imundas, faz
um paralelo à condição se absorver dentro de uma dramaturgia, com aquela
sensação de “Eu já vi isso antes...”. Não me refiro à adaptação da obra Ubu-Rei, de Alfred Jarry, mas à
sensação que ela provoca. Dez atores se desdobram em cena, para dar vida ao Pai
e à Mãe Ubu. Percebo a importância do caráter grotesco em cena: os gestos
grandiosos, os corpos em expansão, algumas expressões faciais e vocais melhores
marcadas do que outras. Há o tom carnavalesco e já esperado dos bufões ali presentes.
Para Bakhtin (2010), o bufão
“está na fronteira entre o permissivo e o não permissivo, carrega consigo a crítica à humanidade através do sub-humano. É, por excelência, uma figura grotesca e traz a ligação com a mãe terra geradora e as capacidades fisiológicas humanas. Suas origens estão ligadas também à cultura cômico-popular, na qual sua aparição é mítica e burlesca. Por trás dessa máscara corporal, a risada provocada surge em diferentes graus de intensidade, e parece que a ridicularização do ‘feio’ e do ‘anormal’ é reveladora de grandes verdades.”
Ser o casal Ubu, longe
dos escrúpulos pelo poder, lembra bem a caricatura demarcada dos discursos
políticos reais. As frases clichês e toda a demagogia ensaiada pelos que buscam
o poder só confirma que a imundície não permeia apenas a ficção: ela é mais
real e fedorenta do que se imagina.
Panis
et circenses!
É hora de entreter o
público! Vamos dar a eles o que eles querem? Alimento pros miseráveis e
diversão pros babacas. Vamos entreter, ou como diriam algumas pessoas:
‘INTERTER’. Entretenimento é importante (e precisamos de audiência), vamos
ligar a TV pra que esse público esqueça esse cheiro ruim e saia daqui bem
satisfeito. Há uma programação variada pro espectador: talk-shows, plantões
jornalísticos, a porta dos desesperados, games, o sensacionalismo. As cenas
ditas cômicas nos fazem rir da desgraça alheia, mas na verdade não estaríamos
entretidos rindo da nossa própria desgraça?
Quando o gatilho é tão frio
quanto quem tá na mira: o morto!
(...) outros não,
ainda conseguem abrir os olhos
e no outro dia assistir TV
Dramaturgicamente a TV apresentada
em I(MUNDO) UBU pouco se diferencia
do que estamos acostumados a ver ou saber pelos noticiários diariamente. Os
recortes da atualidade ajudam a engrossar este caldo pútrido e indigesto: ponto
sujo pra vocês, Imundas. Muitas
vezes é importante repensar os fatos da realidade dentro da ficção, de repente
somos todos os cachorrinhos que comem a ração do Dória e constatamos que
direitos trabalhistas e previdenciários agora agonizam. A atemporalidade
da obra original de Jarry possibilita uma compreensão maior sobre os meios nos
quais vivemos hoje: um déspota que chega ao auge do poder após passar por cima
das leis vigentes, após cometer uma série de crimes... É realmente uma coisa
Temerosa. A peça – bem como a realidade
– nos coloca cara a cara com a nossa própria miséria. Vasculha-se a podridão
existente na lama da ambição, remexem-se as carnes podres. Estamos fedendo.
A nível interpretativo,
destaco a excelente cena da navegação: é preciso ser ágil (em corpo, voz e
intenção) e não perder o timing,
ainda mais quando se trata de coringagem.
Muitas vezes uma “passada de bastão” pode comprometer uma cena e o andamento de
um espetáculo. Nesta cena, o elenco foi hábil (tirando algumas expressões
visivelmente preocupadas com um tecido rasgando em cena), e soube se aproveitar
bem o improviso que, grosso modo, é isso mesmo: lidar com imprevistos sem
comprometer a qualidade da cena. Na cena de Pai e Mãe Ubu com o capitão,
percebi um jogo muito afinado entre os atores que seguravam o plano principal,
em nenhum momento houve queda de energia. Isto é essencial para um trabalho em
grupo: saber a hora de passar e receber o bastão, saber reter e expandir
energia.
Destaco aqui também a
grandiosidade que é para um ator não se “restringir apenas” (aspas devidamente
propositais) ao ofício da cena. É de suma importância a noção de que
vestimentas, objetos e cenários compõem o rito cênico. São elementos carregados
de símbolo e significado para a imersão em qualquer espetáculo. Em tempos
nocivos e sombrios para as políticas públicas que envolvem o teatro, construir
todo um espetáculo pautado no “faça você mesmo” mostra que atuação é
resistência; atuar é contexto político e de forma a exalar o mau cheiro que a
realidade nos apresenta. Depois que morre, toda pessoa fede. Mas algumas, fazem
questão de deixar exalar seu fedor em vida.
Pai e Mãe Ubu, vocês
fedem.
Nós todos fedemos, e
depois de pouco tempo, tudo vira carniça pros urUBUs que restarem.
12 de dezembro de 2017.
REFERÊNCIAS
BAKTHIN,
Mikhail. Cultura Popular na Idade Média
e no Renascimento: François Rabelais. São Paulo: Editora Hucitec, 2010.
SCIENCE,
Chico; PEIXE, Jorge Du. Maracatu de Tiro
Certeiro. In: Da Lama ao Caos. Gravadora Chaos, 1994.
Fica
Técnica:
Montagem
Teatral:
I(MUNDO)
UBU
Grupo
Imundas
As
Imundas da cena:
Arthur santos, Bernard Freire, Loba
Rodrigues, Enoque Paulino,
Evy Loiola, Filipe Marques, Kayo
Conká, Ruber Sarmento,
Sandrinha Wellem, Thamires Costa.
Trilha:
Aj Takashi e Jimmy Góes.
Direção:
Marcelo Andrade
Assistente
de Direção:
Bruno Rangel.
Fotos:
Kauê Barp, Laércio Esteves.
Teaser:
Paulo Evander.
Apoio:
Fórum Landi, Zecas Coletivo de Teatro,
Dirigível Coletivo de Teatro,
Notáveis Clown,
Os Varisteiros, João Ribeiro.
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