terça-feira, 12 de dezembro de 2017

urUBUservando a situação: tudo aqui é carniça – Por Karimme Silva

Montagem teatral: I(MUNDO) UBU.
Montagem: Grupo Imundas.
Autora: Karimme Silva, Psicóloga, Psicopedagoga, Atriz formada pelo Curso Técnico em Ator pela ETDUFPA e ex-bolsista do projeto de extensão PREAMAR TEATRAL.

urUBUservando, a situação
uma carraspana, na putrefação;
a lama chega até o meio da canela;
o mangue tá afundando e não nos dá mais trela!
(Chico Science e Nação Zumbi)

Sejam bem vindos ao caos e à desordem! Não, não tirem seus sapatos, pois eles já estão sujos. O negócio vai feder... Apenas tirem todas as máscaras e se vejam sobre a máscara mais frágil... E percebam o quão somos estúpidos! Essa podridão generalizada, bem como sugere o nome Imundas, faz um paralelo à condição se absorver dentro de uma dramaturgia, com aquela sensação de “Eu já vi isso antes...”. Não me refiro à adaptação da obra Ubu-Rei, de Alfred Jarry, mas à sensação que ela provoca. Dez atores se desdobram em cena, para dar vida ao Pai e à Mãe Ubu. Percebo a importância do caráter grotesco em cena: os gestos grandiosos, os corpos em expansão, algumas expressões faciais e vocais melhores marcadas do que outras. Há o tom carnavalesco e já esperado dos bufões ali presentes. Para Bakhtin (2010), o bufão

“está na fronteira entre o permissivo e o não permissivo, carrega consigo a crítica à humanidade através do sub-humano. É, por excelência, uma figura grotesca e traz a ligação com a mãe terra geradora e as capacidades fisiológicas humanas. Suas origens estão ligadas também à cultura cômico­-popular, na qual sua aparição é mítica e burlesca. Por trás dessa máscara corporal, a risada provocada surge em diferentes graus de intensidade, e parece que a ridicularização do ‘feio’ e do ‘anormal’ é reveladora de grandes verdades.”

Ser o casal Ubu, longe dos escrúpulos pelo poder, lembra bem a caricatura demarcada dos discursos políticos reais. As frases clichês e toda a demagogia ensaiada pelos que buscam o poder só confirma que a imundície não permeia apenas a ficção: ela é mais real e fedorenta do que se imagina.
Panis et circenses!
É hora de entreter o público! Vamos dar a eles o que eles querem? Alimento pros miseráveis e diversão pros babacas. Vamos entreter, ou como diriam algumas pessoas: ‘INTERTER’. Entretenimento é importante (e precisamos de audiência), vamos ligar a TV pra que esse público esqueça esse cheiro ruim e saia daqui bem satisfeito. Há uma programação variada pro espectador: talk-shows, plantões jornalísticos, a porta dos desesperados, games, o sensacionalismo. As cenas ditas cômicas nos fazem rir da desgraça alheia, mas na verdade não estaríamos entretidos rindo da nossa própria desgraça? 

Quando o gatilho é tão frio
quanto quem tá na mira: o morto!
(...) outros não,
ainda conseguem abrir os olhos
e no outro dia assistir TV

Dramaturgicamente a TV apresentada em I(MUNDO) UBU pouco se diferencia do que estamos acostumados a ver ou saber pelos noticiários diariamente. Os recortes da atualidade ajudam a engrossar este caldo pútrido e indigesto: ponto sujo pra vocês, Imundas. Muitas vezes é importante repensar os fatos da realidade dentro da ficção, de repente somos todos os cachorrinhos que comem a ração do Dória e constatamos que direitos trabalhistas e previdenciários agora agonizam.  A atemporalidade da obra original de Jarry possibilita uma compreensão maior sobre os meios nos quais vivemos hoje: um déspota que chega ao auge do poder após passar por cima das leis vigentes, após cometer uma série de crimes... É realmente uma coisa Temerosa.  A peça – bem como a realidade – nos coloca cara a cara com a nossa própria miséria. Vasculha-se a podridão existente na lama da ambição, remexem-se as carnes podres. Estamos fedendo.
A nível interpretativo, destaco a excelente cena da navegação: é preciso ser ágil (em corpo, voz e intenção) e não perder o timing, ainda mais quando se trata de coringagem. Muitas vezes uma “passada de bastão” pode comprometer uma cena e o andamento de um espetáculo. Nesta cena, o elenco foi hábil (tirando algumas expressões visivelmente preocupadas com um tecido rasgando em cena), e soube se aproveitar bem o improviso que, grosso modo, é isso mesmo: lidar com imprevistos sem comprometer a qualidade da cena. Na cena de Pai e Mãe Ubu com o capitão, percebi um jogo muito afinado entre os atores que seguravam o plano principal, em nenhum momento houve queda de energia. Isto é essencial para um trabalho em grupo: saber a hora de passar e receber o bastão, saber reter e expandir energia.
Destaco aqui também a grandiosidade que é para um ator não se “restringir apenas” (aspas devidamente propositais) ao ofício da cena. É de suma importância a noção de que vestimentas, objetos e cenários compõem o rito cênico. São elementos carregados de símbolo e significado para a imersão em qualquer espetáculo. Em tempos nocivos e sombrios para as políticas públicas que envolvem o teatro, construir todo um espetáculo pautado no “faça você mesmo” mostra que atuação é resistência; atuar é contexto político e de forma a exalar o mau cheiro que a realidade nos apresenta. Depois que morre, toda pessoa fede. Mas algumas, fazem questão de deixar exalar seu fedor em vida.
Pai e Mãe Ubu, vocês fedem. 
Nós todos fedemos, e depois de pouco tempo, tudo vira carniça pros urUBUs que restarem.
12 de dezembro de 2017.

REFERÊNCIAS
BAKTHIN, Mikhail. Cultura Popular na Idade Média e no Renascimento: François Rabelais. São Paulo: Editora Hucitec, 2010.
SCIENCE, Chico; PEIXE, Jorge Du. Maracatu de Tiro Certeiro. In: Da Lama ao Caos. Gravadora Chaos, 1994.


Fica Técnica:
Montagem Teatral:
I(MUNDO) UBU
Grupo Imundas
As Imundas da cena:
Arthur santos, Bernard Freire, Loba Rodrigues, Enoque Paulino,
Evy Loiola, Filipe Marques, Kayo Conká, Ruber Sarmento,
Sandrinha Wellem, Thamires Costa.
Trilha:
Aj Takashi e Jimmy Góes.
Direção:
Marcelo Andrade
Assistente de Direção:
Bruno Rangel.
Fotos:
Kauê Barp, Laércio Esteves.
Teaser:
Paulo Evander.
Apoio:
Fórum Landi, Zecas Coletivo de Teatro,
Dirigível Coletivo de Teatro, Notáveis Clown,
Os Varisteiros, João Ribeiro.

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