sexta-feira, 8 de dezembro de 2017

Opereta Antropofágica – Por Oswald de Andrade.

Montagem teatral: Boêmios
Montagem: Grupo de Teatro Universitário (GTU TARDE).
Autor: Oswald de Andrade – Escritor, ensaísta e dramaturgo BRASILEIRO[1].
Diletos, selvagens tupiniquins, voltei para analisar a atual conjuntura do Pau-Brasil. Nesta terra onde nem o sabiá gosta mais de cantar, rogo que um meteoro termine logo este Brasil colonizado. Voltemos para “idade de ouro” da não colonização, com sua própria linguagem e cultura. Porém, caso o dito meteoro não caia, tiremos a roupa! De fora, deixemos apenas o carnaval, a buzanfã e a boemia – a alegria é a prova dos nove! Mas, caso Deus não permita, façamos Cristo nascer na Bahia, e a mãe dele em Belém do Grão-Pará. Porque somos fortes e vingativos como o pirarucu ou boitatá.
Senhoras e senhores, fomos enganados! Nossa independência ainda não foi proclamada! Nem em Ipiranga; e muito menos em Atalaia. Se tudo isso persistir, selvagens tupiniquins, tomemos injeção de antropofagia! Contra todos os importadores de consciência enlatada. Falaremos do que é nosso por direito. Uma nova revolução instauraremos – O mundo não datado. Não rubricado! Sem Napoleão, César, Aristóteles, Temer, Paulo Chaves e Zenaldo. Caminhemos... Todavia, se tudo der errado, sejamos nacionalistas zombeteiros! Apesar deste manifesto, não seremos xenófobos e muito menos adeptos a xenofilia, seremos antropofágicos! Comeremos tudo o que nos foi imposto e faremos do nosso jeito apimentado.
Povo pentacampeão, chega de tentar entender ciência política, nossa história já é cheia de mentiras. Até o fazer artístico é recheado de invencionice. Disseram que o tal do Nelson Rodrigues foi o precursor do modernismo nessa terra de “ordem e progresso”... COF, COF, COF... Que cinismo! Com certeza não leram minhas dramaturgias: “O Rei da Vela” ou “O Homem e o Cavalo” escrito dez anos antes do “Vestido de noiva” do tal cretino “revolucionário”. Mas me digam: Quem liga? Logo aqui, no país do bala(PEI)-CU-Baco...
Me refiro, neste momento, aos preguiçosos fazedores de teatro do Brasil. Fomos catequizados por Stanislavsk, Brecht, Grotowski, Tchekhov, Sófocles, Genet, Shaskpeare e tantos outros. Mas não damos importância para Boal, Millor, Suassuna, Guarnieri, Dias Gomes, Nelson, Nazareno Tourinho, este que vos escreve e tantos outros pobres miseráveis contemporâneos e não famosos dos livros literários. Portanto, sejamos contra as sublimações antagônicas trazidas nas caravelas! Mas, caso não aderir a esta rogatória, que nos mostre um bom entendimento para sua história. Transforme “Édipo” em anarquista, “As Três Irmãs” em feministas, “Antígona” na rainha louca brasileira, façam um “Romeu” transviado e uma “Julieta” Transformista! Chega de eurocentrismo e todos os sufixos que vem de FORA! Falaremos da trivialidade brasileira e de nossa (não) sabedoria! Sim, isso também é necessário na terra do sarcasmo! Nesta perspectiva, precisamos fugir dos estados tediosos. Contra as escleroses ocidentais. Contra os conservatórios e o tédio especulativo. Precisamos de um novo gênero teatral – O DEBOCHISMO.
Precisamos votar não, também, ao “Dolarcentrismo”! Não precisamos de Hollywood! Tupy or not tupy, that is the question... Broadway? Só se for no teatro operístico. Ali, o money rola solto nas ceroulas dos assaltantes de colarinho. Contudo, se o fizer espelhado no tio Sam, corte as pernas, os braços e cerebelos, devore e beba água não potável (pode ser da baia do Guajará, mesmo) e traga para nossa atualidade Tupiniquim.
Catiti Catiti
Imara Notiá
Notiá Imara
Ipeju[2]
Foi o que pude perceber no espetáculo “Boêmios”, inspirado no musical americano “Rent”. A direção e atuantes reformulam a história para o presente, e os fazem a partir da nossa língua portuguesa (poderia ser tupi, ninguém é perfeito) e colocam temas atuais a partir do signo imagético belenense. Este, sem dúvida, é o maior trunfo de “Boêmios”. O musical – Que musical coisa nenhuma... Opereta antropofágica! – nos revela um grupo de oito jovens abordando os temas: AIDS, miséria, drogas, homossexualidade, desemprego e relacionamentos entre os jovens da contemporaneidade. Com um teor simples na abordagem dos mesmos, mas não deixando que a peça se torne planfetária. Eles apenas narram as mazelas – os jovens que assistem podem se ver no papel dos atuantes.
Antes de tudo, eu gostaria de parabenizar a garra em fazer um teatro praticamente impossível em pouco tempo de ensaios e sem recursos financeiros para a grandiosidade que se pede. É um tiro nos culhões! Mas a juventude liga para isso? Esses questionamentos são coisas de velhos feitores de teatro. COF, COF, COF... Que dependem de recursos para montar uma peça que não precisa nem de cenário. A opereta “Boêmios” é um grande desafio para a direção e elenco, primeiro porque usaram o corredor do teatro Cláudio Barradas para a encenação, isso são quase uns 30 metros. Segundo: não ter grana para usar microfones de lapela para todos os atuantes. Terceiro: o pouco tempo de ensaio para um espetáculo de duas horas de duração. Quarto: não tiveram tempo para ensaiar com a iluminação, sonoplastia, adereços e o próprio palco da narrativa. Isso é um tiro no pé! Culpa da direção? Não! Culpa de um sistema que faz os artistas e fazedores de teatro montarem espetáculos na marra, porque caso contrário, não se faz teatro. Haja vista que não temos incentivos financeiros para montagem. Tem de se ter CORAGEM!
Coragem que não falta nas atuações que corroboram no carismático suporte cênico da personagem Maureen – destacando-se pela energia ferina e maravilhoso jogo com os espectadores. Um dos pontos altos da peça. Mais a boa atuação do inquieto músico Roger e a equivalência na vigorosa composição de personagem e de voz de Mimi Marques – apenas cuidado para que na continuação do espetáculo a vela não se apague. Além da feroz espontaneidade de Joanne e seu timbre retumbante, aliada a mimese corpórea agoniante do atuante “Aracy da Top Therm’. No mais, a sincronia do elenco, embora favorecendo mais um ou outro personagem dá QUASE conta das duas horas de espetáculo. Sobre iluminação e problemas técnicos eu não posso analisar, e seria escrotice de minha parte falar sobre a mesma, mormente porque fui assistir o último ensaio aberto ao público, e nada estava afinado – NA-DA! Apenas a boa cenografia que atende à funcionalidade do que se pretende, aliada ao colorido dos figurinos. Obviamente, muito se tem que melhorar em “Boêmios” mas isso não tira o brilho do mesmo. Aliás, o espetáculo faz um trabalho social nas temáticas supracitadas, em apenas duas horas, onde o governo no ano de 2017 não deu conta (essa nova). Portanto, a adaptação do “dolarcentrismo hollywoodiano”, surte um efeito positivo. É disso que necessitamos – Antropofagismo!
Para encerrar este manifesto, preciso explanar sobre os últimos acontecimentos, isto é, as manifestações de ódio e violência marcadamente conservadoras e supostamente defensoras dos “bons costumes”, direcionadas aos artistas e fazedores de teatro tupiniquins. Parece-me que estão nos encaminhando para uma nova Auschwitz ideologizada. Neste caso, campo de concentração de inculturas. Muito me assusta, no país onde a liberação da libido é permitida nos seus trezentos e sessenta e cinco dias carnavalizados, não se pode mais mostrar o peito e o rabo. Seria o pater famílias e a criação da Moral da Cegonha: Ignorância real das coisas + fala de imaginação + sentimento de autoridade ante a prole curiosa sedentária? Acho que podem me responder os vigilantes, aqueles que nem se quer vão ao teatro ou em outras formas artísticas. Para estes, minha contribuição: vão para casa descascar mangas simbólicas e joguem as Chaves fora – FORA! Porque precisamos de anarquismo para sobrevivência! Repito, fiquemos todos nus! Voltemos a ser indígenas! Contra, também a realidade social, vestida e opressora, cadastrada por Freud – a realidade sem complexos, sem loucura, sem prostituições... Aqui não! É preciso estar atento, antropófago e forte! Tupy or not tupy, that is the question?!
08 de dezembro de 2017.
Ficha Técnica:
Montagem Teatral: 
Boêmios
Elenco:
Alice Maria, Andrey Jandison, Bianca Rolim, Danielle Oliveira, Felipe Cordeiro, Felipe Fernandes, Joyse Carvalho, Julya Campelo, Junior Campos, Luciana Silva, Matheus
Amorim, Matheus Gomes, Priscila Ribeiro, Raíssa Gama, Vanessa Lisboa, Victória Aben-Athar, Yuri Warris.
Direção:
André Launé
Preparação de Elenco:
Miller Alcântara
Preparação Vocal:
Mauro Coutinho
Coreografias:
Madson Santos
Produção:
Raíssa Gama e Danielle Cascaes
Fotografia:
Danielle Cascaes
Figurino:
Thais Squires





[1] Raphael Andrade: Ator e graduando em licenciatura em teatro – e inserções do manifesto antropófago de Oswald de Andrade.
[2] Alusão irônica a um episódio da história do Brasil: o naufrágio do navio em que viajava um bispo português, seguido da morte do mesmo bispo, devorado por índios antropófagos.

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