Montagem teatral: Boêmios
Montagem: Grupo de Teatro Universitário (GTU TARDE).
Autor: Oswald de Andrade – Escritor,
ensaísta e dramaturgo BRASILEIRO[1].
Diletos, selvagens
tupiniquins, voltei para analisar a atual conjuntura do Pau-Brasil. Nesta terra
onde nem o sabiá gosta mais de cantar, rogo que um meteoro termine logo este
Brasil colonizado. Voltemos para “idade de ouro” da não colonização, com sua
própria linguagem e cultura. Porém, caso o dito meteoro não caia, tiremos a
roupa! De fora, deixemos apenas o carnaval, a buzanfã e a boemia – a alegria é
a prova dos nove! Mas, caso Deus não permita, façamos Cristo nascer na Bahia, e
a mãe dele em Belém do Grão-Pará. Porque somos fortes e vingativos como o
pirarucu ou boitatá.
Senhoras e senhores,
fomos enganados! Nossa independência ainda não foi proclamada! Nem em Ipiranga;
e muito menos em Atalaia. Se tudo isso persistir, selvagens tupiniquins,
tomemos injeção de antropofagia! Contra todos os importadores de consciência
enlatada. Falaremos do que é nosso por direito. Uma nova revolução
instauraremos – O mundo não datado. Não rubricado! Sem Napoleão, César,
Aristóteles, Temer, Paulo Chaves e Zenaldo. Caminhemos... Todavia, se tudo der
errado, sejamos nacionalistas zombeteiros! Apesar deste manifesto, não seremos
xenófobos e muito menos adeptos a xenofilia, seremos antropofágicos! Comeremos
tudo o que nos foi imposto e faremos do nosso jeito apimentado.
Povo pentacampeão,
chega de tentar entender ciência política, nossa história já é cheia de
mentiras. Até o fazer artístico é recheado de invencionice. Disseram que o tal
do Nelson Rodrigues foi o precursor do modernismo nessa terra de “ordem e
progresso”... COF, COF, COF... Que cinismo! Com certeza não leram minhas
dramaturgias: “O Rei da Vela” ou “O Homem e o Cavalo” escrito dez anos antes do
“Vestido de noiva” do tal cretino “revolucionário”. Mas me digam: Quem liga?
Logo aqui, no país do bala(PEI)-CU-Baco...
Me refiro, neste
momento, aos preguiçosos fazedores de teatro do Brasil. Fomos catequizados por
Stanislavsk, Brecht, Grotowski, Tchekhov, Sófocles, Genet, Shaskpeare e tantos
outros. Mas não damos importância para Boal, Millor, Suassuna, Guarnieri, Dias
Gomes, Nelson, Nazareno Tourinho, este que vos escreve e tantos outros pobres
miseráveis contemporâneos e não famosos dos livros literários. Portanto,
sejamos contra as sublimações antagônicas trazidas nas caravelas! Mas, caso não
aderir a esta rogatória, que nos mostre um bom entendimento para sua história.
Transforme “Édipo” em anarquista, “As Três Irmãs” em feministas, “Antígona” na
rainha louca brasileira, façam um “Romeu” transviado e uma “Julieta”
Transformista! Chega de eurocentrismo e todos os sufixos que vem de FORA!
Falaremos da trivialidade brasileira e de nossa (não) sabedoria! Sim, isso
também é necessário na terra do sarcasmo! Nesta perspectiva, precisamos fugir
dos estados tediosos. Contra as escleroses ocidentais. Contra os conservatórios
e o tédio especulativo. Precisamos de um novo gênero teatral – O DEBOCHISMO.
Precisamos votar não,
também, ao “Dolarcentrismo”! Não precisamos de Hollywood! Tupy or not tupy, that is the question... Broadway? Só se for no
teatro operístico. Ali, o money rola
solto nas ceroulas dos assaltantes de colarinho. Contudo, se o fizer espelhado
no tio Sam, corte as pernas, os braços e cerebelos, devore e beba água não
potável (pode ser da baia do Guajará, mesmo) e traga para nossa atualidade
Tupiniquim.
Catiti Catiti
Imara Notiá
Notiá Imara
Ipeju[2]
Foi o que pude perceber
no espetáculo “Boêmios”, inspirado
no musical americano “Rent”. A
direção e atuantes reformulam a história para o presente, e os fazem a partir
da nossa língua portuguesa (poderia ser tupi, ninguém é perfeito) e colocam
temas atuais a partir do signo imagético belenense. Este, sem dúvida, é o maior
trunfo de “Boêmios”. O musical – Que
musical coisa nenhuma... Opereta antropofágica! – nos revela um grupo de oito
jovens abordando os temas: AIDS, miséria, drogas, homossexualidade, desemprego
e relacionamentos entre os jovens da contemporaneidade. Com um teor simples na abordagem
dos mesmos, mas não deixando que a peça se torne planfetária. Eles apenas
narram as mazelas – os jovens que assistem podem se ver no papel dos atuantes.
Antes de tudo, eu
gostaria de parabenizar a garra em fazer um teatro praticamente impossível em
pouco tempo de ensaios e sem recursos financeiros para a grandiosidade que se
pede. É um tiro nos culhões! Mas a juventude liga para isso? Esses questionamentos
são coisas de velhos feitores de teatro. COF, COF, COF... Que dependem de
recursos para montar uma peça que não precisa nem de cenário. A opereta “Boêmios” é um grande desafio para a
direção e elenco, primeiro porque usaram o corredor do teatro Cláudio Barradas
para a encenação, isso são quase uns 30 metros. Segundo: não ter grana para
usar microfones de lapela para todos os atuantes. Terceiro: o pouco tempo de
ensaio para um espetáculo de duas horas de duração. Quarto: não tiveram tempo para
ensaiar com a iluminação, sonoplastia, adereços e o próprio palco da narrativa.
Isso é um tiro no pé! Culpa da direção? Não! Culpa de um sistema que faz os
artistas e fazedores de teatro montarem espetáculos na marra, porque caso
contrário, não se faz teatro. Haja vista que não temos incentivos financeiros
para montagem. Tem de se ter CORAGEM!
Coragem que não falta
nas atuações que corroboram no carismático suporte cênico da personagem Maureen
– destacando-se pela energia ferina e maravilhoso jogo com os espectadores. Um
dos pontos altos da peça. Mais a boa atuação do inquieto músico Roger e a
equivalência na vigorosa composição de personagem e de voz de Mimi Marques – apenas
cuidado para que na continuação do espetáculo a vela não se apague. Além da
feroz espontaneidade de Joanne e seu timbre retumbante, aliada a mimese corpórea agoniante do atuante
“Aracy da Top Therm’. No mais, a sincronia do elenco, embora favorecendo mais
um ou outro personagem dá QUASE conta das duas horas de espetáculo. Sobre
iluminação e problemas técnicos eu não posso analisar, e seria escrotice de
minha parte falar sobre a mesma, mormente porque fui assistir o último ensaio
aberto ao público, e nada estava afinado – NA-DA! Apenas a boa cenografia que
atende à funcionalidade do que se pretende, aliada ao colorido dos figurinos.
Obviamente, muito se tem que melhorar em “Boêmios”
mas isso não tira o brilho do mesmo. Aliás, o espetáculo faz um trabalho social
nas temáticas supracitadas, em apenas duas horas, onde o governo no ano de 2017
não deu conta (essa nova). Portanto, a adaptação do “dolarcentrismo
hollywoodiano”, surte um efeito positivo. É disso que necessitamos – Antropofagismo!
Para encerrar este
manifesto, preciso explanar sobre os últimos acontecimentos, isto é, as
manifestações de ódio e violência marcadamente conservadoras e supostamente defensoras
dos “bons costumes”, direcionadas aos artistas e fazedores de teatro
tupiniquins. Parece-me que estão nos encaminhando para uma nova Auschwitz
ideologizada. Neste caso, campo de concentração de inculturas. Muito me
assusta, no país onde a liberação da libido é permitida nos seus trezentos e
sessenta e cinco dias carnavalizados, não se pode mais mostrar o peito e o
rabo. Seria o pater famílias e a
criação da Moral da Cegonha: Ignorância real das coisas + fala de imaginação +
sentimento de autoridade ante a prole curiosa sedentária? Acho que podem me
responder os vigilantes, aqueles que nem se quer vão ao teatro ou em outras
formas artísticas. Para estes, minha contribuição: vão para casa descascar
mangas simbólicas e joguem as Chaves fora – FORA! Porque precisamos de anarquismo
para sobrevivência! Repito, fiquemos todos nus! Voltemos a ser indígenas!
Contra, também a realidade social, vestida e opressora, cadastrada por Freud –
a realidade sem complexos, sem loucura, sem prostituições... Aqui não! É
preciso estar atento, antropófago e forte! Tupy
or not tupy, that is the question?!
08 de dezembro de 2017.
08 de dezembro de 2017.
Ficha
Técnica:
Montagem Teatral:
“Boêmios”
“Boêmios”
Elenco:
Alice Maria, Andrey Jandison,
Bianca Rolim, Danielle Oliveira, Felipe Cordeiro, Felipe Fernandes, Joyse
Carvalho, Julya Campelo, Junior Campos, Luciana Silva, Matheus
Amorim, Matheus Gomes, Priscila
Ribeiro, Raíssa Gama, Vanessa Lisboa, Victória Aben-Athar, Yuri Warris.
Direção:
André Launé
Preparação
de Elenco:
Miller Alcântara
Preparação
Vocal:
Mauro Coutinho
Coreografias:
Madson Santos
Produção:
Raíssa Gama e Danielle Cascaes
Fotografia:
Danielle Cascaes
Figurino:
Thais Squires
[1] Raphael Andrade:
Ator e graduando em licenciatura em teatro – e inserções do manifesto
antropófago de Oswald de Andrade.
[2] Alusão irônica
a um episódio da história do Brasil: o naufrágio do navio em que viajava um
bispo português, seguido da morte do mesmo bispo, devorado por índios
antropófagos.
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