Montagem Teatral: “A outra irmã”
Montagem: Teatro de Apartamento.
Autor
da crítica: Luka Paranoid – Flâneur malquisto nas
cercanias da República Democrática de Rilexine.
Não
sou fã de literatura de suspense. Na verdade tive, até hoje, pouco contato com
os diversos estilos que atravessam esse gênero literário. Mas tive a sorte de
participar de um “encontro de cavalheiros” promovido recentemente pelo Sr.
Sisnando, distinto cavalheiro da casta dos artífices das letras, “– Gente
esquisita e pouco confiável!”, exclamava minha avó, torcendo o nariz e
arremessando, com fúria, “Agatha” contra a parede. A fúria que vovó, Dudu
Paranoid, nutria por autores (as) de romances em geral, se justificava
simplesmente por ciúmes. É que meu avô, Edu Paranoid, exímio peixeiro do
mercado central da ilha de Mosqueiro, era fascinado por romances policiais e
dedicava suas horas de folga vespertinas à leitura de sua autora preferida:
Agatha Christie.
No ventilado pátio da
casa de madeira, sempre após a sesta, vovô, sentado em sua cadeira de balanço,
de palha trançada, exibia sua incrível habilidade para folhear as páginas de
Agatha equilibrando, com mestria, o seu Marlboro com uma das mãos. Cada tragada
– no pensamento de vovó – representava um osculo a afagar a face daquela
maldita Christie, tamanho era o prazer e a entrega de vovô na leitura. Mesmo
com a fervorosa torcida, em segredo, de Vó Dudu para que o livro entrasse em
combustão, o desejável acidente nunca ocorreu. Indignada com a atenção que ele investia
por horas a fio, todos os dias, àquela desconhecida de nome estranho para os
padrões da Bucólica, restava-lhe, então, a vingança física atentada contra os
exemplares – quando vovô não estava por perto, evidentemente.
Pois bem, o Sr.
Sisnando faz parte desta casta de “gente esquisita” esconjurada por vó Dudu. Ciúmes
a parte, sempre suspeitei das pessoas que carregam no nome o sufixo “nando” – e
estão ai o “Collor de Melo”, o “Henrique Cardoso” e o “Beira-Mar” para
confirmar minhas suspeitas. E o Sr. Sisnando não foge a regra: é um cidadão
esquisito que vem se dedicando a produção de uma dramaturgia que agrega
suspense, melodrama, trama policial e comédia nonsense, dentre outras coisas estranhas. Mas ele vai além e para
aumentar sua fama – o que deixaria os cabelos de vó Dudu em pé – ele também se
dedica a escrever contos, romance e críticas de filmes. Aliás, o próprio Sr.
Sisnando reconhece a influência que o cinema de Hollywood exerce em sua obra.
E mesmo com todos esses
elementos postos, me deixei seduzir pela ideia de comparecer ao “encontro de
cavalheiros” – confesso que me deixo seduzir facilmente por pessoas que fogem
das convenções – promovido por este distinto criador de ficções mirabolantes, chamado
Sr. Sisnando.
Ardiloso, como um bom
autor de suspense, ele criou logo um nome pomposo para o evento: “Projeto
Leituras Dramáticas: Edgar Allan Poe”. Imaginei que o encontro poderia ser
oportunidade para dirimir os preconceitos que herdei de vó Dudu contra essa
gente que escreve histórias estranhas e assustadoras. E por mais incrível que
possa parecer, a leitura dramática dos contos “O corvo” e “O coração delator”,
de Allan Poe, e “O corvo de inverno”, de Lenmark Andrade, me proporcionou a
experiência de visitar os lugares soturnos desses autores, com certa dose de
prazer. O que se passou de mais relevante para o propósito do que pretendo
dizer aqui, no entanto, foi a fala de um dos convidados acerca da diferença
entre Suspense e Terror. Se não estou enganado o Sr. Andrei Simões explicou-nos
didaticamente: o terror assusta pelo que mostra, enquanto no suspense o medo é
cultivado excitando nossa imaginação a conceber imagens que estão apenas
sugeridas nas obras – sejam elas obras literárias, teatrais ou
cinematográficas. Mas não confiem categoricamente no que escrevo aqui, pois
minha memória é péssima para apreender informações que não são da minha seara. O
importante é que a distinção entre os estilos existe e o Sr. Sisnando tem
conhecimento e propriedade sobre o assunto, fato que torna suas obras ainda
mais estrambólicas – e isso me agrada pelo exercício do delírio criativo.
E se por um lado, no
entanto, herdei os preconceitos de vó Dudu voltados aos autores (as) da
literatura de suspense e trama policial, por outro também herdei a aversão que
vô Edu nutria pela teledramaturgia nacional. Vovô ficava indignado com aquela
sessão interminável de telenovelas que iniciavam com a novela das seis, seguia
para a das sete e finalizava com a das oito, interrompidas apenas pela pavorosa
imagem do Cid Moreira apresentando o Jornal Nacional – entre a sessão das sete
e das oito; na década de oitenta, e boa parte da década de noventa, a novela
das oito começava por volta das 20:30, inexistindo sessão das nove. Durante
essa overdose de teledrama era vó Dudu que se rejubilava diante do aparelho de
televisão de válvulas. Ela ficava tão absorvida com os dramas mostrados em cada
novela que suspirava e dava opiniões fervorosas para resolução dos conflitos
das suas personagens preferidas; comentários sobre os mais diversos aspectos da
trama eram realizados antes, durante e depois das sessões; e não importava se
vovó estivesse sozinha em frente à televisão, os comentários eram feitos com o
mesmo entusiasmo como se debatesse num palanque eleitoral. Era um verdadeiro
inferno na vida do vovô que era muito mais afeito as intrigas sofisticadas – em
sua opinião – dos livros que devorava. E como ele não podia arremessar a
televisão contra a parede, restava-lhe o resmungo rabugento e os comentários
depreciativos durante as sessões de telenovela – fato que invariavelmente
terminava com os dois indo pro quarto dormir emburrados, um com o outro.
É a partir desta
pequena referência de educação estética às avessas que recebi de meus avós que
me permito falar do “Curioso caso do Sr.
Sisnando”. Sim, daquele sujeito que já teci algumas considerações
relevantes para exposição do caso. Pois bem, o Sr. Sisnando convidou-me para
sua mais nova empreitada artística denominada “A outra irmã”, obra teatral escrita e dirigida pelo Sr. Sisnando –
vejam como ele é abusado. O nome da montagem já me provocou calafrios e
imediatamente me veio à mente aquelas chamadas das telenovelas de antigamente:
Alguém
igual a você pode cruzar o seu caminho? Transformar a sua vida? Paulo, Dono da
imobiliária D’ela Santa, pai de Marília e Pedro Ernesto; dois fortes aliados
contra um inimigo comum: a madrasta Laura, irmã de João Silvério. Uma mulher
que usa do charme e inteligência para conseguir o que quer. Agostinho, pai de
Paulo, o velhinho simpático que luta para continuar na casa onde viveu um
grande amor, o abrigo onde recebe os amigos. A encantadora e rebelde Glorinha
da abolição e o alegre pessoal do edifício Sobre as Ondas. Dona Liúba, a
fofoqueira incorrigível. Dodo e Dede, as sonhadoras musas da praia. Demerval
Parente, o sindico moralista. Edwiges e Genésio, o casal que abala as
estruturas do prédio. Cordeiro de Deus, o velho professor de ginástica. Índia
do Brasil e...o Outro.[1]
“– Putz!”. Foi a
primeira exclamação que me veio a cabeça quando tomei conhecimento do nome da
peça do Sr. Sisnando, suspeitando que passaria momentos desagradáveis durante a
apresentação da obra, algo semelhante à aporrinhação que vô Edu sentia com as
novelas de vó Dudu. Meu fascínio por coisas esquisitas, no entanto, falou mais
alto e me levou até o casarão onde o delírio criativo do Sr. Sisnando se
realizaria.
A primeira impressão do
lugar é ambígua: agradável e impessoal. Refiro-me a sala de espera. Acreditava
que a obra se passaria ali mesmo, mas o amontoado de gente que veio conferir os
desvarios artísticos do Sr. Sisnando logo me fez mudar de ideia: gente em pé,
por todos os lados, uma lousa na parede com preços do cardápio da casa e
cadeias espalhadas no pequeno cômodo. “– O Sr. Sisnando não seria porra-louca o
suficiente para colocar sua obra num espaço caótico desse. Uma sala secreta
logo haveria de aparecer!”, pensei com meus botões – embora estivesse trajando
uma linda camiseta estilo indiano, sem nenhum abotoador. E com um atraso de
cerca de quinze minutos, fomos conduzidos para o grande salão onde finalmente
seria possível conferir a obra.
O salão ocupa toda a
largura do casarão, mas tem pouca profundidade. Ao fundo e à esquerda uma
generosa porta mista, de madeira e vidro, permite a visualização de uma área
externa, com uma cadeira de balanço, e mais ao fundo o quintal arborizado. Ao
fundo e à direita uma cortina vermelha oculta toda a parede, do teto ao chão.
Na parede lateral à direita um quadro gigante com a fotografia de uma madame de
nariz em pé. “– Uma versão atualizada de Odete Roitman.”, imaginei desalentando
e cada vez mais me sentindo como o vó Edu. No espaço há ainda alguns móveis e
objetos que compõem a cenografia, remetendo-nos a década de 50 do século
passado. Assim que adentro neste cômodo do casarão recebo de presente a brisa
fresca de uma noite aconchegante e nublada. A sensação de mato molhado vindo do
quintal me enleva e me faz sentir na cozinha de meus avós.
A obra teatral começa,
mas curiosamente a primeira cena prescinde de atores – pelo menos da presença
física deles. O Sr. Sisnando abre sua obra teatral com uma, bem produzida, cena
em vídeo. Desloca assim, com um golpe certeiro, toda nossa percepção que, até
então, estava voltada naturalmente para a energia e o calor do ato teatral. Imaginem
se lhes convidassem para tomar um café com tapioca, mas lhe servissem um
delicioso milk shake de bacuri. Tive
esta sensação. No vídeo, uma espécie de cena bônus às avessas criando em mim
uma série de dúvidas e expectativas: quem são as duas personagens que dialogam
na cena em vídeo? Qual a relação que mantém entre si? Quais partes do diálogo
são mais relevantes para o entendimento da trama que virá? Sob que
circunstâncias se passaram os acontecimentos comentados na cena? Quem são as outras
personagens mencionadas durante o diálogo?
É o suficiente para me
enredar na trama estabelecida pela mente astuta do Sr. Sisnando. Segundo minha
percepção ingênua de espectador de cinema o vídeo arrola, curiosamente, os
elementos do terror e do suspense: suscita-me assombro pelo que mostra – e
principalmente como mostra – e estimula minha imaginação pelo que não revela,
isto é, as diversas referências aos acontecimentos que serão retratados na
peça.
A parte literalmente
“teatral” da obra começa logo em seguida e à medida que as personagens vão
surgindo, e a fábula se desenvolve, vai me dando um desespero, pois são tantos os
nomes esquisitos – Elizabeth Wilcox, Thompson, Susan, Juliete, Laura Clark, Blithe Spirit dentre outros que esqueci
ou não sei sequer grafar – e diversos acontecimentos apresentados em
perspectivas diferentes, com inúmeras reviravoltas, que mesmo tendo uma mente dionisíaca
entrei em parafuso. “– Deveria ter lido aqueles malditos livros de vovô ou
assistido as famigeradas novelas de vovó”, suspirei com sofreguidão me sentindo
culpado por não conseguir acompanhar a avalanche de peripécias presentes na
obra do Sr. Sisnando. Mas seria eu o responsável por não conseguir acompanhar o
ritmo da obra ou haveriam questões a serem observadas e ajustadas na própria
obra?
“– O que move o mundo
são as perguntas!”. Essa é uma tirada de vó Dudu. Todas as vezes que se via
enredada por questões que ela mesma elaborava, mas não sabia responder, a
matriarca da família Paranoid se saia com essa. Recorro a sua sabedoria
popular, por um motivo simples: também não sei responder as questões que
elaborei sobre a obra do Sr. Sissnando. Na verdade além de não saber, não me
interessa chegar à conclusão alguma, pois penso que em arte as respostas não
sejam exatas – isso quando conseguimos chegar a alguma conclusão em/sobre arte.
Hoje compreendo que o desejo de vó Dudu ao arrolar essa tirada era simplesmente
provocar o debate. Sábia vó Dudu.
Livre desses
compromissos teoréticos-conclusivos – coisa inútil e chata demais para uma
conversa em/sobre arte – me sinto a vontade para especular acerca de pelo menos
três variáveis relevantes para debater sobre a questão levantada: Sr. Sisnando-Dramaturgo,
Sr. Sisnando-Diretor e/ou Sr. Sisnando-Encenador. A qual destas três variáveis
repousaria a responsabilidade maior por eu não conseguir acompanhar as diversas
reviravoltas que a obra apresenta? “– Éeeeegua! Acho que vô Edu teria orgulho
de seu neto após esta formulação”, exclamei a mim mesmo diante da tela do
computador.
A primeira delas é mais
difícil de ser averiguada, pois não disponho do texto em mãos para uma análise
cuidadosa e atenta aos elementos constitutivos da fábula; também não é possível
saber em que medida o Sr. Sisnando-Encenador foi fiel ao Sr.
Sisnando-Dramaturgo. Conta-se “à boca pequena” que o Sr. Sisnando-Encenador tem
pouco zelo com os próprios textos que escreve – por isso que disse anteriormente
que os sujeitos que levam “nando” no nome são pessoas de alta periculosidade.
Contudo, do que pude
perceber a partir da apresentação, o Sr. Sisnando-Dramaturgo arquiteta sua obra
com – ou flertando com – elementos característicos do melodrama: situações
inverossímeis ou pouco verossímeis, mas claramente traçadas. Por outro lado
também elabora sua obra observando a sequência mínima necessária para uma boa
comédia: fases de equilíbrio, desequilíbrio, novo equilíbrio, fases estas
distribuídas numa série de peripécias cômicas e chistes. Ora se o Sr.
Sisnando-Dramaturgo observa e opera bem com esses dois elementos destacados, a
suspeita do excesso de reviravolta a quase todo instante provocando a sensação
de ritmo acelerado da obra – para minha percepção – recai imediatamente sobre a
pessoa do Sr. Sisnando-Encenador, pois é função da encenação, segundo
pensamento de Adolphe Appia, transpor a escrita dramática do texto para uma
escrita cênica. “– Teeeeeera-te!”, exclamaria vô Edu em comemoração efusivamente
por este raciocínio magnífico de seu dileto neto.
Ora, se concordarmos
com o pensamento de Appia o Sr. Sisnando-Encenador leva grande vantagem, pois
sendo ele próprio o dramaturgo, conhece com propriedade todos os meandros da
urdidura do seu texto. É neste ponto, no entanto, que o caso do Sr. Sisnando
vai ficando mais curioso e interessante, pois direção e encenação parecem
imiscuir-se irremediavelmente a ponto deu perder completamente a noção de quem
está no comando: se o Sr. Sisnando-Encenador deseja a qualquer custo garantir
os efeitos literários da obra transposta para o palco numa encenação de ritmo
alucinante ou se é o Sr. Sisnando-Diretor que imprime um ritmo delirante na
obra?
Diante do imbróglio que
criei acredito que vó Dudu já teria perdido a paciência e teria atirado esse
texto às chamas de seu fogão a lenha, enquanto que vó Edu dedicaria toda sua
atenção para acompanhar os desdobramentos da trama. Sigamos com ele para
averiguar se encontraremos alguma pista consistente que ajude a elucidar o
caso.
Passando, então, a
observar o que considero ser a desenvoltura do Sr. Sisnando-Diretor, algo também
curioso ocorre: o jogo entre os atuantes se estabelece com ótima fluência ao
longo de toda a obra; os diálogos são desenvolvidos naturalmente num jogo de
ação e reação orgânico de causar inveja nos discípulos americanos de
Stanislávski. Mérito do próprio elenco, sem dúvida, mas sob a supervisão direta
– a meu ver – do Sr. Sisnando-Diretor que não permite a intrusão de gags, mensura com maestria o efeito de
exagero e excesso de sentimentos no estilo de interpretação dos atuantes – pelo
menos em boa parte da peça – e dimensiona com exatidão os momentos chaves onde
os atuantes podem prolongar os gestos para acentuar e deixar entrever um pouco
mais do que o texto e as circunstâncias permitem. Obviamente que ao destacar
estes elementos estou colocando ênfase na direção de cena e de atuantes, mas também
me parece óbvio que o Sr. Sisnando-Diretor ao realizar este plano de direção
opera seguindo parâmetros pautados na sua proposta de encenação. A questão
talvez seja perceber em que medida a proposta de encenação já se encontra
arraigada a dramaturgia, de modo que ela não permita planos de fuga ou rotas alternativas
para sua realização. Suspeito que vô Edu, a esta altura, já teria ido em busca
de uma nova carteira de Marlboro, tamanha a dimensão do rolo que causei com minhas
especulações.
Concentrarei minha atenção,
então, no trabalho de composição e atuação dos papeis desenvolvido pelo elenco
da obra para, assim, tentar perceber mais pistas do modus operandi da proposta de trabalho sem me preocupar se o
elemento propulsor parte do Sr. Sisnando-Dramaturgo ou do Sr. Sisnando-Encenador.
“A outra irmã” reúne um elenco mesclando figuras tarimbadas do
teatro de nossa cidade, com atuantes mais jovens e de menos experiência de
palco – corre boatos de que o Sr. Sisnando investiu alguns milhares de reais
para contratar o elenco estrelado e cheio de exigências excêntricas. Como já
destaquei anteriormente, o jogo de ação e reação entre o elenco é de um primor
admirável. Os papeis me parecem delineados sob a tutela do melodramático com tendência
aos contornos burlescos e caricatos. Percebo uma coesão em torno destes
princípios, com o elenco muito a vontade deliciando-se e exercitando
ludicamente essa faceta do universo cômico. Há, no entanto, duas atuações que
destoam um pouco desses princípios, não por se afastarem deles, mas por se
deterem demais somente nos aspectos caricatos. Me refiro as atuações do Sr.
Leonardo e da Sra. Olinda. Começarei falando um pouco da atuação desta última.
A Sra. Olinda
interpreta o papel de Elizabeth Wilcox. Trata-se da figura que tem a imagem fotográfica
afixada no quadro, na parede lateral direita. Desde sua primeira aparição ela nos
brinda com o perfil da genuína vilã da novela das oito – vó Dudu entraria em êxtase
acompanhando sua performance. Do inicio ao fim da peça seus trejeitos e as
“caras e bocas” ampliam a dimensão da figura caricata formatando a madame de
nariz em pé, prepotente e arrogante – como disse antes: uma versão atualizada
de Odete Roitman. Se apresentando – aparentemente – como a grande vilã da
trama, a atuação da Sra. Olinda me parece estabelecer o eixo estético sobre o
qual a obra se sustenta. Desse modo, seus contornos pra lá de caricatos se
justificam no plano dramatúrgico e de encenação – permanece a dúvida sobre qual
dos dois é o elemento propulsor. É curioso e importante notar, no entanto, que
a Sra. Olinda não se limita aos clichês formais da vilã; ela consegue trabalhar
outros caracteres cênicos oferecendo bons momentos de nuances gestuais e
textuais, demonstrando que a ênfase na caricatura é uma necessidade da obra e
não uma limitação da atuante.
O mesmo não ocorre com
a atuação do Sr. Leonardo que tem desafio duplo na obra, pois interpreta dois
papeis: Juliete e Laura Clark. Ambas são criadas com um tom de voz e ritmo
melódicos muito semelhantes, com trejeitos que embora primem pela delicadeza não
soam naturais, mas sim o pastiche das
interpretações de teledramaturgia nacional. Certamente vó Dudu torceria por ela
e seria capaz de tecer seus comentários fervorosos durante a apresentação da
peça. Diferentemente do caso da Sra. Olinda, o tom caricato e burlesco na
interpretação do Sr. Leonardo, embora encontre lugar na encenação proposta,
aprisiona o atuante dentro dos limites da própria caricatura oferecendo-lhe
pouca margem para desenvolver outros caracteres cênicos em ambas as personagens.
O Sr. Leonardo fica tão a mercê dos limites da caricatura que na parte final da
peça ficou quase impossível deu perceber qual das duas personagens estava em
cena, pois o atuante investe pouco nos caracteres motivacionais, psicológicos
e/ou morais dos dois papeis.
O princípio estruturante
da obra apresenta toda sua vitalidade no ato final, momento em que a curva
dramática derradeira da obra parece acender o sinal verde para que todos os
atuantes e seus papeis se entreguem com afinco ao tom burlesco e, então, somos
agraciados com um festival de efeitos melodramáticos em tom assumidamente
caricato: prolongamentos dos gestos, elevação do volume de voz, exagero nas expressões
faciais, música incidental – não tenho certeza se realmente há musica, mas sai
com a sensação de que pelo menos nas cenas finais ela existe.
Finalizo assim, o
curioso caso do Sr. Sisnando, sem saber qual das facetas deste misterioso e
perigoso artífice das letras, qual faceta predomina nesta obra intitulada “A outra irmã”: Dramaturgo, Encenador ou
Diretor? Mas como não sou cavalheiro que teme colocar a língua na guilhotina,
arrisco um palpite: um híbrido de encenação-dramaturgia no qual há uma
retroalimentação mútua, seja no momento de realizar a obra no papel, seja no
momento de realizar a obra no palco.
Por ora chega. Deixo
minhas saudações a equipe da peça e em particular ao Sr. Sisnando, com o desejo
de nos encontrarmos em breve para brindarmos com uma taça de vinho. Sem gelo!
20
de dezembro de 2017.
Montagem
Teatral:
A
Outra Irmã
Teatro de Apartamento
Elenco:
Olinda
Charone, Zê Charone, Leonardo Moraes, Leoci Medeiros
Participações especiais:
Pauli
Banhos Sonia Alão e Flávio Ramos
Direção:
Saulo
A. Sisnando
Dramaturgia:
Saulo
A. Sisnando
Criação de Luz:
Patrícia
Gondim
Operação de luz:
Luiza
de Marillac
Cenário:
Patrícia
Gondim
Consultoria de Maquiagem:
Danielle
Cascaes
Consultoria de Figurinos:
Grazi
Ribeiro
Operação de Som:
Gisele
Guedes
Direção de fotografia (filmagens)
Alexandre
Baena
Edição de vídeos (Filmagens)
Saulo A. Sisnando
Assessoria de Imprensa:
Edyr
Augusto Proença
Produção:
Grupo
Cuíra e Teatro de Apartamento