Ceci
Bandeira: Graduanda do Curso de Filosofia da Universidade do Estado do Pará – UEPA.
Todas as vezes que eu
penso a arte como um instrumento a serviço da responsabilidade social, me vigio
para não fugir ao verdadeiro foco da arte-educação que deveria ser o progresso
individual no domínio dos procedimentos estéticos visuais. Esqueço a antiquada
ideia de que o ensino da arte deve conceder experiências estéticas refinadas –
e até certo modo abstratas – àqueles que nunca as experimentaram ou que nunca
viriam a experimentar sem a ajuda emancipadora dos arte-educadores. Não! A
minha intenção é compartilhas as ideias do professor Vicente Lanier,
quando este diz que a experiência estética em geral já é gozada pelo sujeito
antes mesmo dele entrar em contato com a disciplina de artes na escola. O papel
do professor é incrementar, ampliar, algo que já está ali presente.
E o que isso tem a ver
com uma crítica teatral? Muita coisa se levarmos em consideração que no dia 7
de abril estreou o espetáculo “Palhaço!”, no teatro Margarida Schiwazzappa, que
me fez repensar a ação social da arte. Realizado pela Attuô Cia. de Intérpretes Contemporâneos, em parceria com o Grupo
de Estudos e Pesquisas em Cultura do Corpo, Educação, Arte e Lazer (LACOR), por meio do Programa de Arte e
Lazer na UFPA, com direção de Kleber DüMerval, que também integra o elenco e o
grupo LACOR, e que traz um elenco formado por dez artistas, sendo estes
bailarinos, dançarinos, cantores, atores e músicos. Em cima do palco estão a
performance de dança, a arte surrealista e o clown, embalados por canções autorais
e ufanistas, a fim de nos contar (ou recontar) o cruel acontecimento histórico
no processo de adesão do Pará à independência do Brasil: a tragédia do brigue
Palhaço.
Utilizando-se de
recursos áudios-visuais, o primeiro contato do público com o contexto de
revoltas populares se dá logo no prólogo, através do vídeo que nos mostra as
indignações ocorridas em nosso território, desde o período colonial até o século
XXI. Somente depois dessas imagens é que surgem os atores em cenas, performando
o contexto de adesão da província do Grão-Pará dividido em quatro capítulos e
um epílogo. A história toda é proposta de forma bastante poética, os corpos dos
atores contam a história do nosso povo que lutou por liberdade e por respeito,
nada muito diferente de alguns anseios gritados pelo povo, humildade ainda nos
dias de hoje. Percebe-se o estudo por trás de cada cena, porque as performances
se fazem claras dentro desse contexto: por exemplo, entendemos, em uma cena,
quando uma atriz representa a monarquia e outra representa a cabanagem,
percebemos que a sua dança fala sobre uma disputa mútua, assim como percebemos que,
em outra cena, estas duas se transmutam em tapuios para lutar junto com os
outros.
As canções que embalam
a trama são inteligentes e capazes de emocionar, nos situam ainda mais dentro
da história. É uma enorme pena que tenham sido prejudicadas por problemas
técnicos nos microfones dos atores, que falhavam não só nas músicas, mas também
durante as falas do personagem Grenfell. Outras falhas também ocorrem, como os
chapéus de palha dos tapuios que costumavam cair durante alguns movimentos de
dança e a calça de um dos atores que rasgou entre as pernas também durante uma
dança. A meu ver, são falhas mínimas que obviamente podem ser corrigidas, mas
que impediram algumas cenas de ficarem completamente bonitas. Além de dar a
entender que os atores não ensaiaram anteriormente com os figurinos.
Mas, retomando o que eu
havia dito no começo do texto, a grande questão que a peça me trouxe foi sobre
como ela se faria importante se apresentada, principalmente, aos jovens e/ou
alunos que conhecem a história do Pará malmente pelos livros de história
obrigatórios da escola, e às vezes por alguns filmes ou documentários. Eu vejo nesta
performance de dança e de teatro, que conta um marco da nossa história de
maneira tão detalhada e poética, um estímulo para diversos debates em sala de
aula, tanto na disciplina de história como na de arte ou teatro, pois o
espetáculo tem muito o que dizer sobre concepções estéticas dentro de um
contexto realista, sobre conhecer a maneira como arte é capaz de contar um fato
histórico. Pois é preciso, como diz aquela famosa máxima, que conheçamos a
história para não repeti-la, e mais, que a conheçamos a fim de discutir sobre o
presente.
Sendo assim, o clown
triste e político não está no palco por simples acaso ou mero trocadilho com o
nome da tragédia. Ele nos mostra, e a interpretação se dá também por meio dos
vídeos, que a nossa revolta não cessou: está em constante ebulição no peito
daqueles que descendem e desejam representar por média de 250 homens negros,
cabocos e índios que foram presos e transportados para o porão do brigue
“Palhaço” para serem mortos sufocados e asfixiados. A insurreição está nas ruas
até hoje. Procuramos entender, porém, se ainda somos os fantoches de Grenfells
espalhados pela nossa burocrática e abominável política.
Se tivesse que escolher
uma imagem para representar a beleza do espetáculo, escolheria a última: após a
última dança, os atores projetam os seus corpos como a clássica imagens crescente
da evolução do ser humano, o povo calado pela morte insiste em resistir e se
levanta para o próximo passo da sua luta, a cabanagem.
Ceci
Bandeira
08
de Abril de 2016