quinta-feira, 10 de março de 2016

Sem bainha e arremate - Por Victor Peixe

Victor Peixe – Ator, historiador e crítico participante do projeto Tribuna do Cretino

A instalação performática, Memórias, retalhos: cenas teatrais em Belém do Pará, de Denis Bezerra, trabalho derivado de sua pesquisa para o doutoramento em História Social da Amazônia, pelo PPGHIST – UFPA, percorre alguns dos caminhos da ainda pouco registrada história do Teatro moderno e contemporâneo em Belém. Uma história ainda carente de registros e pesquisas.
Nesse intento, Denis se lançou à pesquisa através da História Oral, selecionado algumas vozes de um ambiente tão polifônico, formado por jovens atores e diretores desejosos em dar ao palco paraense ares de novidade. O Teatro do Estudante, Norte Teatro Escola e a Escola de Teatro, são os escolhidos para se contar essa História.
O trabalho cênico de Denis se confunde com sua pesquisa histórica documental, com uma imersão em  cartas, programas, fotos, cartazes, material de divulgação de peças e acervos pessoais, além de permanecer ainda na memória e oralidade dos antigos mestres e mestras. De fio em fio, de retalho em retalho, realiza o trabalho de artista-historiador que costura uma tira da História do Teatro paraense.
 Se o Teatro do Estudante e o Norte Teatro Escola tinham por objetivo modernizar a cena paraense, produzindo um teatro de formas e conteúdos não comerciais – e que, no entanto, negligenciava as tantas manifestações do Teatro Popular presente na capital - é pertinente dizer que essa proposta se firma com o Serviço de Teatro da UFPA, depois transformado em Escola de Teatro.
Denis, fia, desfia, refaz e remenda. Mas onde estão a bainha e o arremate? Se pesquisa se realiza enquanto tese a aprovação do trabalho acadêmico pela banca avaliadora, responde a isto.
Porém, resultado performático, é comprometido pela verborragia de uma dramaturgia espontânea e pelo repetitivo ato de, em posse de rolos de lã e uma grande agulha, fingir que costura para em seguida, fingir que desfia. Neste fingir, esta ação é esvaziada de sua carga poética.
Isto, contudo, me parece acontecer, pois a construção cênica está subordinada ao trabalho acadêmico, resultando numa necessidade em ser didático em vista de sua provável apreensão por um público não familiarizado com as linguagens da cena. Ainda assim, é possível derivar questões urgentes porém negligenciadas para a cena do tempo presente.
A pesquisa-performance de Denis não alcança o tempo presente, seu recorte finda em 1968, mas me induz a pensar sobre nossa produção atual,  a partir de dois momentos: O primeiro, quando da leitura de trecho da carta de Maria Sylvia Nunes à João Cabral de Melo Neto, autor de Morte e Vida Severina, montagem  do Norte Teatro Escola, datada de 1959, pela qual o grupo foi ganhador do Festival de Teatro de Santos. Em certo momento da carta, Maria Sylvia comenta sobre a falta de apoios, à época, para a produção teatral local; O segundo momento passa por quando, já firmada a Escola de Teatro, seus atores e atrizes egressos se deparam com uma cidade que não possui mercado de trabalho, o que conduz muitos à trabalharem nas novelas de rádio e TV. “E hoje, haverá esse mercado?”, pergunta Denis.
Os dois momentos permitem estabelecer algumas continuidades com características da cena atual, onde a carência de apoiadores é patente e os editais de incentivos às Artes e a Cultura são escassos e restritos; além da ausência de perspectivas de trabalho para atrizes a atores formados no curso técnico profissionalizante oferecido pela Escola de Teatro e Dança da UFPA.
Causa angústia e apreensão que, mais de 50 anos após a afirmação do teatro moderno paraense, estas preocupações ainda estejam em pauta. Por conseqüência, uma série de problemas podem ser levantados, pois se a modernização se firma com a Escola de Teatro nas décadas seguintes – a partir da década de 70 do século passado – até os dias atuais, o caráter experimental de muitas produções da cena, se tornou um traço, um nó, importantíssimo para a costura das cênicas na cidade. 
Quais as teias que tecem a cena contemporânea na cidade de Belém? Quais os retalhos ainda ignorados no tempo presente do Teatro paraense? Qual o sentido da profissionalização enquanto artista para a cena, numa cidade com um mercado de trabalho minúsculo? Algum grupo pode ter seu trabalho apontado como referência estética e política? Será possível perceber marcas comuns nas produções teatrais do nosso tempo atual?
Sobre o traços da cena experimental de Belém – no qual o trabalho de Denis também se mostra enredado, ao misturar performance, instalação e projeção – onde é notório o amalgamento de linguagens, onde se buscam elementos exógenos ao Teatro para a composição e construção poética dos trabalhos. É recorrente a busca de elementos da dança contemporânea, da performance, do circo, da palhaçaria, do cinema, das artes visuais e plásticas, produzindo em cena verdadeira colcha de retalhos estética.
Esse traço tão evidente e também repetitivo parece surgir de um sentimento de plena liberdade poética por parte dos fazedores da cena. Lança-se mão de quaisquer recursos para que se alcance um resultado criativo esperado, ainda que nesse caminho o uso de linguagens – de tantas linguagens – facilmente caia em frágeis proposições conceituais e debilidades técnicas.
Paira o sentimento de “tudo é permitido”, onde o uso das linguagens de maneira tão livre e despreocupada é feito não para a construção de discursos políticos, questionamento ou afirmação de novas estéticas e paradigmas artísticos, mas pelo desejo de estar em cena, daí choques entre forma, proposição e conteúdo estarem na ordem do dia.
Como agravante a cena teatral vive um momento de Recolhimento, isto é, pode-se notar nos últimos anos um intenso movimento rumo à casas-teatro – em contraponto ao movimento de teatro-porão de até bem poucos anos passados – geridas de forma autônoma por seus proprietários artistas e coletivos. Aqui podem ser citados a Casa Dirígível, Casarão dos Bonecos, Casa dos Palhaços, Casa da Atriz, Estúdio Reator como espaços residenciais abertos à intervenção teatral.
Se aqueles grupos de jovens dos anos 40, 50 e 60 queriam modernizar a cena da cidade, o que querem os artistas contemporâneos? Estão aqui os novos fios, rasgos e retalhos deixados para que nós, artistas e historiadores, possamos refletir sobre esta Arte. Por hora, nos resta pensar no que fazer para não deixar tantos pontos sem nó.

Victor Peixe
08 de Março de 20

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