Por Victor Peixe - Ator, historiador, crítico participante do projeto
Tribuna do Cretino.
Prestai atenção, prestai,
pois ora relato, em cores contemporâneas, os desdobramentos de uma luta de
corpo, desejo e espírito. Relato, pois, como partícipe do julgamento de um
matricida.
Às portas do Templo de
Atena, sou recebido pela atuante-deidade Geane Oliveira; no interior estão
postos os assentos dos juízes. Uma vez que aceito tuas condições, tomo parte na
absolvição de Orestes, o assassino. Para as Eumênides presentes, de cabelos,
cores e estilos tão díspares, sobrou o desconforto do chão. Caladas,
subalternizadas. Sujeitas de si, donas de seus corpos, tolhidas de direitos por
uma atuante-Deusa.
Ocupo, neste templo, lugar
de conforto, segurança e privilégios.
Degusto do vinho barato que me é ofertado, desfruto da honra de
permanecer calado e me descubro manipulado. Será esse meu lugar devido, por subestimar
teus feitiços? Eis que não posso me pronunciar, ajo por coação, escarnecido no
teu mijo, vertido qual tuas regras que te solicitam mês a mês. Questionas minha
virilidade, Deusa, mas teu gozo ofegante e forçado não me constrange.
Este julgamento foi um
engodo. Minha mudez conivente além para além do Templo-Teatro. Não seria eu
também, eu, meu silêncio conivente e consciente em meu silêncio, um agressor,
não pactuaria de agressões físicas, psicológicas, emocionais, afetivas, enfim,
do feminicídio à que tuas irmãs estão expostas, mas do qual tu escapas, na
divina intangibilidade?
O mal estar de perceber tal
condição degradante é tão maior, pois usurpado de minha hombridade fui feito
fantoche pela Deusa mulher.
Ai de ti, Atena, jovem
Deusa humanizada em malha preta, na pele manchada de sol, na tintura de cabelo
e pêlos, por que vociferas impiedosamente jargões e impropérios furiosos?
Embusteira que fala demais, mesmo me dizendo tão pouco, que me restando
seguir-te apaixonadamente, faminto por apreender teu vinho, teus guizos e teus
gestos sinuosos, porém enrijecidos
Então, ao buscares tuas
irmãs, abandonadas na periferia sob a sombra masculina, te revelas como a
grande dominadora ao exortar teu sexo à última palavra, expondo-nos – nós na
condição de juízes – ao ridículo.
Numa terça-feira, 8 de Março
de 2016, data em que se celebra o Dia Internacional da Mulher, Geane Oliveira
me induz a olhar as rizomáticas relações de poder estabelecidas a partir de
minha posição de macho social, com minhas mães, amigas e companheiras. Por
quanto reproduzo a opressão de gênero através de supostos discursos pró-feministas?
Jamais esperaria que,
passados mais de dois mil anos, Ésquilo tivesse tanto por me questionar.
Victor Peixe
09 de Março de 2016
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