sexta-feira, 11 de março de 2016

A nudez de Atena - Por Victor Peixe

Por Victor Peixe - Ator, historiador, crítico participante do projeto Tribuna do Cretino.
Prestai atenção, prestai, pois ora relato, em cores contemporâneas, os desdobramentos de uma luta de corpo, desejo e espírito. Relato, pois, como partícipe do julgamento de um matricida.  
Às portas do Templo de Atena, sou recebido pela atuante-deidade Geane Oliveira; no interior estão postos os assentos dos juízes. Uma vez que aceito tuas condições, tomo parte na absolvição de Orestes, o assassino. Para as Eumênides presentes, de cabelos, cores e estilos tão díspares, sobrou o desconforto do chão. Caladas, subalternizadas. Sujeitas de si, donas de seus corpos, tolhidas de direitos por uma atuante-Deusa.
Ocupo, neste templo, lugar de conforto, segurança e privilégios.  Degusto do vinho barato que me é ofertado, desfruto da honra de permanecer calado e me descubro manipulado. Será esse meu lugar devido, por subestimar teus feitiços? Eis que não posso me pronunciar, ajo por coação, escarnecido no teu mijo, vertido qual tuas regras que te solicitam mês a mês. Questionas minha virilidade, Deusa, mas teu gozo ofegante e forçado não me constrange.
Este julgamento foi um engodo. Minha mudez conivente além para além do Templo-Teatro. Não seria eu também, eu, meu silêncio conivente e consciente em meu silêncio, um agressor, não pactuaria de agressões físicas, psicológicas, emocionais, afetivas, enfim, do feminicídio à que tuas irmãs estão expostas, mas do qual tu escapas, na divina intangibilidade?
O mal estar de perceber tal condição degradante é tão maior, pois usurpado de minha hombridade fui feito fantoche pela Deusa mulher.
Ai de ti, Atena, jovem Deusa humanizada em malha preta, na pele manchada de sol, na tintura de cabelo e pêlos, por que vociferas impiedosamente jargões e impropérios furiosos? Embusteira que fala demais, mesmo me dizendo tão pouco, que me restando seguir-te apaixonadamente, faminto por apreender teu vinho, teus guizos e teus gestos sinuosos, porém enrijecidos
Então, ao buscares tuas irmãs, abandonadas na periferia sob a sombra masculina, te revelas como a grande dominadora ao exortar teu sexo à última palavra, expondo-nos – nós na condição de juízes – ao ridículo.
Numa terça-feira, 8 de Março de 2016, data em que se celebra o Dia Internacional da Mulher, Geane Oliveira me induz a olhar as rizomáticas relações de poder estabelecidas a partir de minha posição de macho social, com minhas mães, amigas e companheiras. Por quanto reproduzo a opressão de gênero através de supostos discursos pró-feministas?
Jamais esperaria que, passados mais de dois mil anos, Ésquilo tivesse tanto por me questionar.

Victor Peixe

09 de Março de 2016

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