sexta-feira, 6 de novembro de 2015

Pelos meus não olhos - Por Paula Barros

Autora da Crítica: Paula Adrianna Barros da Cruz – Discente do curso de Licenciatura Plena em Teatro da Universidade Federal do Pará.

Estava no intervalo de uma aula sentada com um colega de turma na lanchonete em frente ao Teatro Cláudio Barradas, quando algo me despertou a curiosidade: uma fila de aproximadamente trinta pessoas onde havia outras quinze ao redor vestidas de preto que orientavam aos que estavam na fila a tirar os sapatos; logo após eram vendados e organizados em grupos de quatro ou cinco pessoas. Não sabia que teria espetáculo naquela noite, pois era bem atípico já que se tratava de uma quarta-feira.
Acompanhamos a fila até que não resistimos e decidimos “matar” a aula para assistir o espetáculo. Fomos vendados. E primeiramente o sentido a ser despertado foi o tato: uma mão gelada e delicada tocava a minha, logo não sabia mais qual o sentido era usado, pois o vento batia em meu rosto, folhas que me pareciam ser de canela às vezes tocavam meus braços, rosto e cabelo. Senti um frio gostoso em meu corpo e sabia que já estava entrando no teatro, então pisava em folhas secas e uma voz cantava, e sabia que era ao vivo; ao longo do espetáculo as sensações me traziam frescor e bem-estar.
No entanto, apesar das explosões de sensações e do despertamento do que em algumas vezes nem sabemos que está lá como o tato, o olfato e a audição, algo me instigou a pensar o espetáculo; logo percebi que se tratava de um teatro inclusivo, mas não porque me vendaram e sim porque simplesmente era falado e discutido durante o espetáculo. Penso que naquele momento não havia necessidade, pois por diversas vezes o texto falado não me dizia nada, e se tornava excessivo, um reforço desnecessário, ou como diria o professor Edson Fernando, se tornou um discurso panfletário. A dramaturgia na linguagem teatral é um elemento fundamental, no entanto é necessário saber trabalhar para que não ocorram exageros, nesse caso a deficiência apareceu não nos olhos ou na cegueira, mas pela quantidade de informações. A dramaturgia tratava do modo de ver as coisas, com que olhos realmente enxergamos? Não sei bem mais do que falar sobre a dramaturgia, pois em alguns momentos ela me passou despercebida devido às sensações, um dos motivos pelo qual me posiciono da real necessidade desse discurso no espetáculo.
Outro apontamento que desejo fazer, é sobre a voz dos atores, algumas vezes se utilizava o microfone, e é importante saber usar este recurso, por vezes era gritado e não falado o texto, porém não somente no microfone, mais também os atores sem ele quando não gritavam, “rasgavam” a voz, e carregavam demais a interpretação na fala, tropeçavam nas palavras, e como costumamos falar no teatro “metralhavam”. A fala como principal meio de comunicação deve ser clara e bem articulada para que não haja ruídos no canal de comunicação, e o risco é que a mensagem pode não chegar como esperado ao receptor, principalmente quando o receptor está sem um dos sentidos, nesse caso a visão.
Ao fim da apresentação as vendas foram retiradas, e descobrir a visão novamente já meio turva devido ter ficado um bom tempo com os olhos tapados. Descobri então o nome do espetáculo: “Pelos olhos dela”, e o diretor e dramaturgo era Carlos Correia Santos que trouxe para o palco do Teatro Cláudio Barradas sua pesquisa sobre Teatro Inclusivo. Esta última informação soube no momento em que fui conversar com ele para falar pessoalmente do que achei; ele tentara se justificar da dramaturgia dizendo que nesse primeiro momento compreende o texto como informativo e levar as pessoas a conhecer a deficiência e as discussões da contemporaneidade.
Compreendo a justificativa de Carlos Correia, no entanto, o teatro sendo uma linguagem de gênero dramático e com todos os seus elementos extra verbais, reforço que tudo que é trabalhado nesses elementos deve ser cuidadosamente estudado e avaliado (não querendo dizer que isso não tenha ocorrido no espetáculo, apenas faço menção para questionar a real deficiência que percebi na apresentação). Carlos utiliza como elementos extras verbais os outros sentidos, o que já é informativo principalmente para aqueles que estão acostumados a ter a visão, e quando ele diz que deseja que as pessoas conheçam a deficiência ele já apresenta para elas no espetáculo, então qual a real necessidade de se falar da cegueira quando já não temos – provisoriamente – a visão?. Também é importante apontar que informações têm em demasia nas redes sociais, jornais e programas voltados para abordagem de temas sociais. O teatro é instigante, provocador e o objetivo primeiro é o de mostrar. Seria realmente importante e relevante se o espetáculo fosse totalmente sentido o que geraria um incômodo e traria o fio instigador para uma reflexão mais crítica e então ao final houvesse uma discussão sobre o que foi sentido e percebido e assim ele traria todo o seu conhecimento e explanação sendo o intermediador de um diálogo.
Paula Barros
06 de Novembro de 2015

Um comentário:

  1. Paula, li a crítica e, em nome do projeto, agradeço não somente a tua presença na plateia, como o interesse de escrever sobre a experiência. Nosso trabalho te inquietou, te provocou, te incomodou, te causou reações. E isso é maravilhoso! Teatro é tudo isso. Bjão!

    CARLOS CORREIA SANTOS

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