quinta-feira, 12 de novembro de 2015

Sobre o “AUTO DA LUA CRESCENTE” - Por Andrey Gomes

Autor da Crítica: Andrey Gomes - Aluno do curso de extensão em crítica em Teatro e Dança-ETDUFPA

Discorro sobre o espetáculo do dia 28 de outubro, organizado pela Fundação Cultural do Pará no teatro do Curro Velho – uma apresentação especial, ou melhor, reapresentação – pois também ocorreu durante o Círio de Nazaré, tratando-se de um espetáculo itinerante.
Falar do “Auto da Lua Crescente” é refletir a dança por dentro, pois apesar do texto que suspende seu corpo, é o canto que a identifica, e o ritmo imprime sua voz. É falar de religiosidade, pois o Círio de Nazaré está presente em signos, sendo a festa “mãe” de uma série de procissões que transcorrem tradicionalmente pelo interior do Estado. Em alusão a Antônio Nóbrega, trata-se de cultura popular aberta em si mesma embora desvalorizada por uma hegemonia burguesa. O espetáculo então estabelece sua dramaturgia partindo do material presente na região Amazônica manifesto nas danças populares que em sua maioria são originarias de práticas religiosas e dos saberem místicos (e míticos) da terra, como as fases da lua que supostamente tem influência na vida das pessoas.
   O próprio termo dramaturgia soa estranho quando associado à cultura popular por se tratar de uma prática que exige organização de conceitos e idéias e se convencionou acreditar que a dita arte popular não produz arranjos desse conhecimento. Ressalto este equívoco identificando e pontuando exemplos: nas ladainhas entoadas pelos beneditinos de Bragança está a origem da Marujada, releitura do xote europeu ao ritmo do Retumbão – culto e festa compartilham a representação e a música; os siris, crustáceos típicos da região de Cametá tem na dança do  Siriá uma singela homenagem; e o Carimbó nascido como ritual dos Tupinambás ressurge com o erotismo do Lundu africano – dançar e representar são experiências do corpo.
Do mesmo jeito que em Junho a apresentação contou com os folguedos juninos a partir de pássaros e bois – neste o Círio foi contado e cantado por oito atores e uma banda musical, cujo repertório transitava por MPB, hinos canônicos, sempre destacando músicos da região. Tratando-se de um espetáculo readaptado em ocasiões, vale em algum momento delinear uma construção dramática que ofereça maior desafio aos atores embora não me pareça que o grupo busque aproximações com a dança contemporânea; entretanto, pensar a dança em um contexto popular não significa situá-la nesse permanente anacronismo, distanciado da realidade contemporânea – mas afirma-la como processo de organização de formas de conhecimento sobre a vida e o mundo.
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   Qualquer linguagem que se feche dentro de normas estabelecidas tende à estratificação – seria diferente com a dança? Isolada por normas estéticas, prepotente em sua técnica, restrita aos iniciados? O que se classifica como erudito, hoje, desclassifica o popular em sua atemporalidade? Shakespeare que o diga, já foi mais popular. Justifico a alusão feita, destacando que a oposição entre erudito e popular constitui uma tendência histórica burguesa – a de superestimar (e subestimar) gêneros, linguagens, pessoas; delimitar campos e segregar culturas. O fortalecimento dessa tendência alicerça a soberania do produto, castra a dialética e condena Orfeu.
   Em sua simplicidade, o “Auto da Lua Crescente” localiza a coesão de componentes culturais em debate perene na antropologia da arte, no que diria Adorno que a obra de arte é crítica em si, por apresentar as contradições do mundo em seu interior assim evidenciando sua função social para além de qualquer técnica. Aliás, para Heidegger, a poesia está no extremo oposto da técnica.
   A poesia, para além da técnica ou em seu extremo oposto atua sobre a vida – na dança participa em seus movimentos e formas, conectada aos ancestrais de cada cultura através dos séculos. Assim, os brincantes, menestréis do “Auto da Lua crescente” sintetizam ritmos populares com coreografia e alguma estilização. Incorporam aspectos simbólicos (como a corda do Círio, em referência à lenda da cobra grande) em suas características físicas, evidenciando sua importância contemporânea. O impacto visual é fundamental – ainda que seja válida uma dramaturgia mais delineada, a narrativa musical deve prevalecer na obra, que está em plena evolução.
12 de Novembro de 2015

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