Autor da Crítica: Andrey Gomes - Aluno do
curso de extensão em crítica em Teatro e Dança-ETDUFPA
Discorro
sobre o espetáculo do dia 28 de outubro, organizado pela Fundação Cultural do
Pará no teatro do Curro Velho – uma apresentação especial, ou melhor,
reapresentação – pois também ocorreu durante o Círio de Nazaré, tratando-se de
um espetáculo itinerante.
Falar
do “Auto da Lua Crescente” é refletir a dança por dentro, pois apesar do texto
que suspende seu corpo, é o canto que a identifica, e o ritmo imprime sua voz.
É falar de religiosidade, pois o Círio de Nazaré está presente em signos, sendo
a festa “mãe” de uma série de procissões que transcorrem tradicionalmente pelo
interior do Estado. Em alusão a Antônio Nóbrega, trata-se de cultura popular
aberta em si mesma embora desvalorizada por uma hegemonia burguesa. O
espetáculo então estabelece sua dramaturgia partindo do material presente na região Amazônica
manifesto nas danças populares que em sua maioria são originarias de práticas
religiosas e dos saberem místicos (e míticos) da terra, como as fases da lua
que supostamente tem influência na vida das pessoas.
O
próprio termo dramaturgia soa estranho quando associado à cultura popular por
se tratar de uma prática que exige organização de conceitos e idéias e se convencionou
acreditar que a dita arte popular não produz arranjos desse conhecimento.
Ressalto este equívoco identificando e pontuando exemplos: nas ladainhas entoadas
pelos beneditinos de Bragança está a origem da Marujada, releitura do xote
europeu ao ritmo do Retumbão – culto e festa compartilham a representação e a
música; os siris, crustáceos típicos da região de Cametá tem na dança do Siriá uma singela homenagem; e o Carimbó nascido
como ritual dos Tupinambás ressurge com o erotismo do Lundu africano – dançar e
representar são experiências do corpo.
Do mesmo jeito que em Junho a apresentação
contou com os folguedos juninos a partir de pássaros e bois – neste o Círio foi
contado e cantado por oito atores e uma banda musical, cujo repertório
transitava por MPB, hinos canônicos, sempre destacando músicos da região. Tratando-se
de um espetáculo readaptado em ocasiões, vale em algum momento delinear uma
construção dramática que ofereça maior desafio aos atores embora não me pareça
que o grupo busque aproximações com a dança contemporânea; entretanto, pensar a
dança em um contexto popular não significa situá-la nesse permanente anacronismo,
distanciado da realidade contemporânea – mas afirma-la como processo de organização
de formas de conhecimento sobre a vida e o mundo.
*
Qualquer linguagem que se feche dentro de normas estabelecidas tende à
estratificação – seria diferente com a dança? Isolada por normas estéticas,
prepotente em sua técnica, restrita aos iniciados? O que se classifica como
erudito, hoje, desclassifica o popular em sua atemporalidade? Shakespeare que o diga, já foi mais popular. Justifico a
alusão feita, destacando que a oposição entre erudito e popular constitui uma
tendência histórica burguesa – a de superestimar (e subestimar) gêneros,
linguagens, pessoas; delimitar campos e segregar culturas. O fortalecimento
dessa tendência alicerça a soberania do produto, castra a dialética e condena
Orfeu.
Em sua simplicidade, o “Auto da Lua
Crescente” localiza a coesão de componentes culturais em debate perene na
antropologia da arte, no que diria Adorno que a obra de arte é crítica em si, por apresentar as
contradições do mundo em seu interior assim evidenciando sua função social para
além de qualquer técnica. Aliás, para Heidegger, a poesia está no extremo
oposto da técnica.
A
poesia, para além da técnica ou em seu extremo oposto atua sobre a vida – na
dança participa em seus movimentos e formas, conectada aos ancestrais de cada
cultura através dos séculos. Assim, os brincantes, menestréis do “Auto da Lua
crescente” sintetizam ritmos populares com coreografia e alguma estilização.
Incorporam aspectos simbólicos (como a corda do Círio, em referência à lenda da
cobra grande) em suas características físicas, evidenciando sua importância
contemporânea. O impacto visual é fundamental – ainda que seja válida uma dramaturgia mais delineada, a narrativa musical deve
prevalecer na obra, que está em plena evolução.
12 de Novembro de 2015
Nenhum comentário:
Postar um comentário