quarta-feira, 23 de setembro de 2015

ENTRE OS DOIS MUNDOS - Por Roberta Castro

ROBERTA CASTRO: Intérprete-criadora em Dança da Companhia Experimental de Dança Waldete Brito, Técnica e graduanda em Dança pela Universidade Federal do Pará e Licenciada em Estudos Artísticos pela Universidade de Coimbra em Portugal, Bolsista PIBEX pelo projeto TRIBUNA DO CRETINO.
O mundo se desintegra a minha volta. Minha conexão com o mundo em crise permanece tênue e remota. Eu consigo prever um tempo que essa relação remota deve acabar necessariamente, no entanto não consigo prever exatamente quando isso vai acontecer, ou quais serão as circunstâncias que me incitarão a um tipo de ação diferente. (FERNANDES, 2013, pág 3)
O mundo que se desintegra é o da realidade porque fui levada por esta obra que me deixou num estado de transi onde o real e o imaginado se confundiam pela forma como as dramaturgias se cruzaram: a dramaturgia do corpo, do texto, do cenário, da cenoplastia que marcam uma identidade bem peculiar nessa obra.
Segundo Marila Velloso (2010 – pág. 191) dramaturgia na dança é a relação de sentido que o artista organiza com a diversidade de materiais que podem ser utilizados além do corpo e do movimento, como o uso de texto, objeto, suporte teórico, imagem, projeção entre outras possibilidades. É o modo como o artista organiza e articula cada elemento com signos que englobados geram a significação de um todo.
A Artista-pesquisadora, Doutoranda em Educação pelo PROPPG/ PUC- Minas e então diretora da Ribalta Companhia de Dança, Mayrla Andrade consegue articular com eficiência esses elementos e signos quando coloca o espectador a vivenciar Retratações (espetáculo da Ribalta Companhia de Dança) pela via da imaginação. Propõe a entrada do público por  uma ponte composta de várias caixas de feira acompanhada de um fundo musical que produz o som de água aonde os intérpretes vêm até a portaria e recitam alguns poemas, é um convite  para um devaneio. Quando o espectador atravessa a ponte e entrega o tiket do espetáculo a sensação é de se está chegando no cais do porto onde o barco no fim dessa entrada é quem nos dá uma carona para essa viagem.
Vestidos, calças, saias, camisas,  sapatilhas, fotos, cortina, caixas são os elementos que  indicam ser a experiência de cada intérprete, pendurados, estão lá para despertar lembranças de todos os envolvidos nesse espaço, os que fazem e os que veêm. Esses elementos cênicos também tornam-se o figurino para alguns dos intérpretes que trocam a roupa na própria cena. Nota-se que a quantidade de figurino pendurado na coxia é proporcional a quantidade de intérpretes, o que acaba sendo desnecessário porquê esse excesso suja a composição cênica mesmo que a sua funcionalidade seja exposta. Já a combinação da maquiagem em desenho de raiz e cabelos soltos, fazem todo o sentido a esses corpos que correspondem a proposta dramatúrgica da artista.
A entrada do público, a maquiagem e a projeção no fundo do palco projetando o mapa no Município de Ananideua, revelam uma relação afetiva e problematizadora dos intérpretes com este lugar. A gestualidade de deslizar de uma mão que vem desde a barriga chegando até a boca lançando-o para fora desse corpo,  falas incompreensíveis e projeção do mapa prenuncia ao caos que é a viagem por esse lugar.
Com estes indicativos era possível identificar a fonte de onde alguns dos movimentos eram extraídos. Os intérpretes faziam a gestualidade de andar com a costa curvada, passo arrastado miúdo e a saia esticada onde ia uma mão na frente e outra atrás, finalizando com a soltura desses braços e  respiração que remete a experiência de andar pela feira carregando duas sacolas expressando impaciência com a situação. A imagem que me refiro é a dos intérpretes na cena a qual não tinha uma relação de imitação com o que acontecia na projeção no fundo do palco, mas equiparava-se a essa idéia devido a combinação destas gestualidades com a projeção a qual apresentava o cotidiano das típicas feiras populares que se tornou cenário para esse acontecimento cênico.
Reconhece-se então alguns dos pontos de partida para a criação que é levado ao extremo tendo sido trabalhado e esculpido para o que se resulta na composição coreográfica como foi o caso do momento descrito no parágrafo anterior. É num processo de passagem do material na sua forma pura à representação que situações comuns são dilatadas transfiguradas à signos.
Uma composição coreográfica não se resume a ordem de movimento e nem tão pouco uma ordem de formas, pois os elementos figurativos são objetos eleitos do entendimento que imitem algum significado. São gestos que se entrelaçam de modo contínuo, energético e intensional que variam de direção, nível e plano num espaço e tempo, ganhando formas e significados de acordo com a vontade do coreógrafo.
Assim apresentou a Ribalta Companhia de Dança. Variação de direções, níveis e planos, criou-se uma sinfonia de movimentos com entradas, saídas e permanências de solos, duos, quartetos e grupo, que trafegaram a face do espectador sob formas que se dissolviam sem que percebesse. Eram formas que apresentavam conteúdo provando que o trabalho teve todo uma pesquisa de movimento, tornando assim uma composição completa. Porém, nem sempre foi assim, houveram passagens de células coreográficas que eram apenas o movimento pelo o movimento como a lançamento de pernas, o uso da flexibilidade, alguns saltos e giros que só não foi perdido porque a intérprete apresentava uma certa força interpretativa que camuflava essas formas vazias e também pela força da própria cena.
O uso de vídeos funcionou em determinadas situações como a projeção dos mapas e  da feira, inoportuno foi quando projetado o vídeo da coreográfica gravada numa ilha localizada aos arredores do Município de Ananideua, segundo a fala da diretora no fim do espetáculo. Não havia relação alguma da gravação com a composição posta em cena, eram composições distintas que raramente se relacionavam, numa célula coreográfica ou outra criava-se um contraste de níveis entre projeção e palco, mas nada que pudesse sustentar os dois planos propostos.  Penso que o uso de vídeo que contém uma composição coreográfica contrapondo a uma outra simultaneamente sem nenhuma conexão na cena requer alguns cuidados, usado inadequadamente pode acontecer ruídos na transmissão da mensagem. Funciona quando esse uso é a extensão do que acontece no palco como aconteceu na projeção da feira.
Portanto, falar do trabalho da Ribalta Companhia de Dança é abrir todos os poros para receber poesia através de movimento, é olhar sob uma ótica que não faz parte do sensu comum, é se tornar acessível à sentimentos mais profundos despertado por essa linguagem artística a qual essa artista desenvolve transportando o expectador para um outro plano que não é o de simplesmente estar sentado na platéia.
22.09.2015
BIBLIOGRAFIA
DANAN, J. O que é dramaturgia?. Editora: Licorne, 2010.
VELLOSO, Marila. Dramaturgia na dança: investigação no corpo e ambientes de existência.  Revista: Usp. Sala Preta, 2010.
FERNANDES, Mariana Patrício. “A realidade que resiste”: a relação entre o espectador e a dança em trio a de Yvone Rayner. Revista: O persevejo online.Vol: 5, Nº 1 PUC-Rio, 2013.

ALVES, Flávio Soares. Composição Coreográfica: traços furtivos de dança. Revista: Tfc. Edição 01, Ano 2007.

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