Silvia Luz: Atriz e Professoa Mestre em Artes pelo PPGArtes - ICA/UFPA.
[...] Num terreiro de Oxum
Os tambores sagrados
Bateram pra mim.
[...] Sou iluminada, eu sou,
Sou de Keto sim (Roque Ferreira)
Corpos pequenos nos
recebiam harmonicamente. Adentrar ao espaço foi um convite para o olhar para
dentro de si. Corpos e saias circulavam num imenso corredor. Luzes apagam-se,
eis que surge um corpo na parte de cima do teatro, luz!!! Uma senhora? Nanã? Meus
olhos vidrados acompanhavam seu andar, eis que de sua saia, saem mais cinco
saias que são entregues aos atuantes que estavam embaixo, no palco.
Nós ficamos sentados
nas laterais e as cenas aconteciam entre a duas laterais, um túnel do tempo; no
meio de uma lateral ficava o sonoplasta que ao vivo nos embalava com sons que
nos remetiam para diversos lugares do passado ao futuro. Tudo acontecia sem truques,
era o corpo que dilatava e tomava conta de mim e do espaço. Confesso que no
início ao vê-los tão esmirrados, pensei: Não vão dar conta da potência que o
espaço cênico e a sonoplastia trazem.
Três moças e três
rapazes, uma relação equilibrada de energias. Os tambores anunciam a presença
dos Orixás e caboclos. Em cena esses corpos esmirrados cresceram de uma forma
que arremessavam em meu peito sua potência, de tão forte, a energia voltava
para eles, os olhos vidrados, uma sincronia que mexia comigo. Segundo a
antropologia teatral de BARBA (1995), o espectador é afetado fisicamente pelo
nível pré-expressivo do corpo do ator e da representação. Senti-me na cena,
dancei, suei, gritei, extasiei-me.
A pré-expressividade preocupa-se em deixar a energia do ator
cenicamente viva, ou seja, de manter no ator uma presença que atraia
imediatamente a atenção do espectador. Essa energia cenicamente viva é o
denominado nível pré-expressivo.
Corroborando com Barba, “a expressão do ator, de fato, deriva – quase
apesar dele – de suas ações, do uso de sua presença física. É o fazer, e o como
é feito, que determina o que o ator expressa.” (1995, p. 187). O
ator tem vida em cena, a atuante que fez Oxum dilatou de uma
forma que seu corpo irradiava vida pelos poros, sua segurança e presença me
tencionavam psicofisicamente, isso segundo Pavis (2008) “é o nível Kinestésico
que diz respeito à comunicação entre atores e espectadores, como, por exemplo,
a tensão do corpo do ator ou a impressão que uma cena pode causar ‘fisicamente’
no público”.
Da Cabeça aos pés faz
jus ao vocábulo “Espetáculo”. A sensibilidade e a inteligência para criar algo
tão intenso e impactante, simplesmente com uma atuação compromissada com àquilo
que se está fazendo aqui e agora; a voz era a extensão do corpo, inundou o
espaço como uma fumaça. Os jovens atuantes revelaram-se a si mesmos ali diante
de nós espectadores, a capacidade criadora da direção de fugir do senso comum
dos rituais de terreiros e ainda trazer nossa história, foi algo que enriqueceu
a performance de todos. O conjunto da obra foi excepcional, permito-me dizer
que o Boi-bumbá que ali estava na presença do boiadeiro e das músicas cantadas,
que o Erê que contava histórias me fez perceber universos aparentemente
distantes tão intrínsecos.
A atuação cênica e a sonoplastia foi algo
que se completou de uma forma mágica. A iluminação precisa, e graças a ela os
meus sentidos foram despertados. A apresentação totalmente sinestésica, pois
teve cheiro, cor, forma, som e gosto. O corpo falava, pulsava, as cores tinham
cheiro, a face de Oxum me devorava, sentia minhas entranhas ofegando a cada
movimento dela. Iemanjá me levava nos braços com sua luz irradiada não sei de
onde, inexplicável. Dom Sebastião saiu das águas para contar seu paradeiro,
reinou ali diante de todos. O corpo era a voz que ecoava o Touro que brilhou
pelos olhos do Boi Bumbá.
A apresentação estava
tão pulsante que enquanto espectadora queria mais. Em um determinado momento
entrou uma projeção no espaço: o datashow lançara imagens com depoimentos de
pessoas, no fundo do teatro. Nesse momento os espectadores pareceram sair de um
sono profundo e começaram a conversar, uns pegaram o celular, olharam,
sussurravam, enquanto a projeção rolava. Não demorou, mas poderia ser mais
breve. Mas isso em nenhum momento comprometeu o vigor do espetáculo.
Para finalizar uma
chuva de papel picado amarelo caindo sobre nossas cabeças, os papeis tinham
cheiro e nesse momento senti-me na procissão do Círio de Nazaré. O que é isso? Magnífico!!!
Vivemos numa escassez
de quase tudo, de amor, gentilezas, afetividade, respeito, mas o que vivi hoje
é uma fartura inexplicável de tudo isso, sinestesias múltiplas. Mergulhei no
meu, no teu, no nosso mar de Rio e saí revigorada. Um espetáculo que arrepiou da
cabeças aos pés, de cima para baixo, de dentro para fora. Gosto dessa entrega.
GEMTE se faz com gente.
Bravíssimo!!!
Por
Silvia Luz
20.09.2015
PAVI,
Patrice. Dicionário de Teatro;
tradução para a língua portuguesa sob a direção de J. Guinsburg e Maria Lúcia
Pereira. 3. ed – São Paulo: Perspectiva, 2008.
BARBA,
Eugenio; SAVARESE, Nicola. A arte
secreta do ator. São Paulo/Campinas: Hucitec/Unicamp, 1995.
Tuas palavras inundam e transbordam meu ser! Uma critica embasada e sensível que, acompanha a eferverscência do Teatro! Faz-me acreditar ainda mais que estamos seguindo o curso das águas doces. Banhado de Dadivas!
ResponderExcluirObrigada pela tua DOAÇÃO!
Axe! Ewoe!