Victor
Peixe – Ator e participante do projeto Tribuna do Cretino.
Inicio
esta reflexão localizando o trabalho que será discutido, para assim ser
comentado dentro dos parâmetros corretos: Mitos
é a apresentação pública da conclusão da disciplina Técnicas Corporais II do
Curso Técnico de Formação em Ator da ETDUFPA, ministrada pelo professor Miguel
Santa Brígida.
Esta
disciplina tem como eixo a pesquisa do universo mítico das culturas africanas,
afro-brasileiras e afro-amazônicas e a construção de performances solo. Não se trata, portanto, de resultados
que derivam de um longo processo de pesquisa e experimentação, já que
disciplina dura apenas um bimestre.
É
importante salientar também que este ano pude acompanhar apenas a primeira das
duas noites de apresentação. Contudo, meu ponto de reflexão passa ao largo dos
24 mitos-performances apresentados, mas parte da fala do professor-diretor
Miguel Santa Brígida, que posiciona a importância dessa disciplina diante da
lei 10.639/2003, que implementa o ensino da história e da cultura africana e
afro-brasileira nos currículos nacionais em diferentes etapas do ensino. Partir
desta fala, torna possível tecer algumas reflexões para além dos resultados
deste ano.
Diz
o texto da referida lei:
Art. 26-A. Nos estabelecimentos de ensino
fundamental e médio, oficiais e particulares, torna-se obrigatório o ensino
sobre História e Cultura Afro-Brasileira.
§ 1º O conteúdo programático a que se refere o caput deste artigo incluirá o estudo da História da África e dos Africanos, a luta dos negros no Brasil, a cultura negra brasileira e o negro na formação da sociedade nacional, resgatando a contribuição do povo negro nas áreas social, econômica e política pertinentes à História do Brasil.
§ 2º Os conteúdos referentes à História e Cultura Afro-Brasileira serão ministrados no âmbito de todo o currículo escolar, em especial nas áreas de Educação Artística e de Literatura e História Brasileiras.
[...] Art. 79-B. O calendário escolar incluirá o dia 20 de novembro como ‘Dia Nacional da Consciência Negra’.
§ 1º O conteúdo programático a que se refere o caput deste artigo incluirá o estudo da História da África e dos Africanos, a luta dos negros no Brasil, a cultura negra brasileira e o negro na formação da sociedade nacional, resgatando a contribuição do povo negro nas áreas social, econômica e política pertinentes à História do Brasil.
§ 2º Os conteúdos referentes à História e Cultura Afro-Brasileira serão ministrados no âmbito de todo o currículo escolar, em especial nas áreas de Educação Artística e de Literatura e História Brasileiras.
[...] Art. 79-B. O calendário escolar incluirá o dia 20 de novembro como ‘Dia Nacional da Consciência Negra’.
A
partir disso, é possível identificar falhas no currículo do Curso de formação
em Ator, pois de acordo com o texto acima, a temática afro-brasileira deveria
ser transversal, atravessando o currículo do curso técnico. Como egresso deste curso,
não é que o pude vivenciar.
Enquanto
escrevo esta crítica, o Bando de Teatro do Olodum, de Salvador, um dos mais
importantes grupos de teatro negro brasileiro, está em meio a uma programação
comemorativa de seus 25 anos de atividade ininterrupta, permanecendo como um
dos referenciais à produção cênica voltada à pesquisa, vivência e
experimentação das culturas afro-brasileiras. Enquanto se passa pela disciplina
de História do Ator sem se ouvir falar deste grupo ou de qualquer outro grupo
de Teatro Negro brasileiro. Quando muito, vagamente se fala do Teatro
Experimental do Negro e na figura de Abdias do Nascimento. Passa-se pela
disciplina Dramaturgia, sem se discutir sobre um dramaturgo negro sequer,
permanecendo a estética negra relegada ao silêncio e a desinformação, sem que
se tenha à oportunidade de travar contato com a importância da sua dimensão sociopolítica
para a desconstrução dos paradigmas eurocêntricos ainda dominantes nas artes
cênicas e do enfrentamento do racismo na sociedade brasileira.
Assim,
sobra à disciplina de Técnicas Corporais II dar conta de toda essa temática, o
que apenas por sua breve carga horária não seria possível, dada a complexidade
social das populações africanas oriundas da Diáspora negra. Este problema
conduz ao seguinte, que tratarei a partir agora.
Lidar
com o imaginário afro-brasileiro é adentrar o universo de Orixás, Voduns,
Nkinces, Caboclos, Exus e Encantados, é lidar com a espiritualidade, a cosmogonia
e visão de mundo de culturas secularmente perseguidas, enxovalhadas e
violentadas à paus e pedras, seja por igrejas neopentencostais extremistas ou pelo
mais rasteiro senso comum herdado de uma educação religiosa católica, que por
séculos tratou os deuses e divindades africanos como demoníacos, luxuriosos e
bestiais, coisa de algo muito menos do que gente.
Sem
o devido cuidado de tradução cultural, simbólica e imagética
da pesquisa-conceito para a execução/resultado cênico, se acaba apenas reproduzindo
o senso comum, onde esse imaginário permanece como estranho, exótico e
permissivo.
Isto
faz com que em cena onde toda sorte de confusão simbólica aconteça, onde
criaturas asquerosas, deformadas e dadas à beberagem são apresentadas como exus,
pomba giras são representadas como mulheres libertinas, caboclas dançam música pop e sereias executam danças sensuais,
revelando a superficialidade da pesquisa de diversos trabalhos. Este tipo de
trabalho deve ser problematizado na medida em que apenas reforça e reproduz estigmas
e estereótipos sociais já tão disseminados. Para isto, já bastam às cenas de
péssimo gosto apresentadas em cultos televisivos.
Para
finalizar, afirmo que não se trata aqui de conservadorismos ou de censura à
liberdade artística, mas a percepção de que se trata de culturas secularmente
castradas de sua liberdade de culto, se está lidando com a cultura do
violentado, do usurpado, culturas ainda em resistência, onde um exercício
mínimo de alteridade se faz necessário, para que não se caía na repetição de discursos
de dominação do pior tipo, e por quais meios nossa Arte de fato contribuir para
o enfrentamento do racismo da violência contra o povo afrodescendente.
12.05.2015
Super entendo o seu ponto de vista, mas acho que é necessário ser citada outras colocações. O resultado da disciplina técnicas corporais II em nenhum momento visa colocar em cena a religião, pois somente a usa como base para a criação das performances. Assim, a liberdade de criação do artista e sua interpretação do deus/entidade apresentado pode variar e utilizar outras simbologias, visto que o objetivo da disciplina não é levar toda o universo dos orixás para a cena.
ResponderExcluirAcho que realmente o respeito é necessário ao lidar com religiões que são perseguidas e marginalizadas, mas o grande foco da disciplina é o trabalho corporal do ator baseado nos mitos afro-brasileiros. Logo, levar esse universo e toda a sua simbologia se torna opcional, o que ocorre somente pois os atores envolvidos tem o respeito as simbologias tradicionais das crenças ao fazer a sua pesquisa, mas sua criação em cima disso é livre.