Victor
Peixe – Ator, participante do projeto Tribuna do Cretino
Qual
o valor da hora-aula de um cavalo? Quantas chicotadas um professor aguenta? O
que distancia o cavalo, submetido ao trabalho escravo, do homem escravizado pelo
trabalho? São questões que Animalismo –
A Nova Ordem Mundial do Grupo de Teatro Universitário me provoca, ainda que
sem o compromisso de respondê-las.
Uma
revolução acontece na Granja dos Bichos. A antiga ordem humana exploratória é
abolida em prol de um novo sistema social justo e igualitário que respeita
todos os bichos e, assim, o Animalismo é instaurado.
Com
o passar dos anos, o novo sistema que em troca do trabalho árduo de todos garantiria
o bem estar de galinhas, cavalos, ovelhas, vacas, bois, éguas, ratos e porcos
se revela vantajoso apenas para os últimos, que tomam para si a direção do
processo revolucionário, sob a justificativa da condição superior do trabalho
intelectual dispensado à gerência da granja revolucionária.
Aos
poucos, aquele que poderia ter sido um sistema social benéfico para todas as
espécies, se revela tão opressor quanto à ordem humana. O sonho de liberdade se
esvai, a realidade violenta piora a cada dia, com o novo regime de trabalho se
tornando ainda mais exaustivo que o anterior. Os sonhos de esperança e liberdade
se tornam um sussurro sonolento depois de um dia exaustivo de trabalho.
A
retórica política rapidamente transforma os insatisfeitos em inimigos da
revolução, entraves à ordem social e inimigos do progresso, imediatamente me
remete à greve dos professores paraenses da rede estadual de ensino,
transformados em detestáveis obstáculos da educação diante da generosidade do
governo estadual.
Mas
além de pensar a violência política que atravessa os ismos, Animalismo, ao atentar para a condição de escravidão a qual
animais são submetidos, dá ares quase realistas à metáfora da opressão para
além do nível humano, ainda que este não seja o eixo central da encenação.
Nessa
provocação, Animalismo utiliza recursos que dialogam com o teatro brechtiano. O primeiro é o próprio
espaço. O Fórum Landi não é uma caixa preta preparada para um trabalho cênico,
assim o barulho da central de ar e a placa de “banheiro” se tornam camadas
dramatúrgicas que quebram com a rigidez formal do espaço teatral.
O
corpo-bicho dos atuantes e sua interação com os músicos; as placas que demarcam
os atos – tempo; a narração; o intervalo com a entrada da equipe técnica em
cena e os atuantes conversando entre si, num estado que não é o do corpo-bicho;
a repetição da cena inicial ao final, todos estes são recursos que dialogam com
o estranhamento e o distanciamento explorados por Brecht e
que dão suporte a se pensar nossa arte para além da efemeridade do gesto
cênico, onde no “mundo real” professores são espancados e crianças são mortas
em morros por unidades de elite da polícia militar, enquanto a maioridade penal
é reduzida.
Retomando
a pergunta feita no início dessa crítica, qual é então a diferença, a distância
entre homens e animais? O egoísmo e a mesquinhez da nossa raça.
Isso pode ser lido na projeção de defeitos humanos como características
animais: o político que legisla para si (porcos); os facilmente manipuláveis
(ovelhas); submundo (rato); aquele que só vem agourar a vida dos outros
(urubu); o barraco/ “galinhagem”; aquele que aguenta uma jornada de trabalho
exaustiva (cavalo).
Tamanha
é nossa letargia política, que talvez apenas observando a condição de um outro
de nossa mesma espécie já não seja o suficiente pra provocar alguma
movimentação. Nesse elemento, Animalismo timidamente provoca o público e o
Teatro, a pensar para além da opressão e exploração humana, apontado para outro
nível de alienação, o que existe entre espécies, na esquizofrenia moral que nos
silencia – humanos – à violência contra todas as outras formas de vida animal,
na provocação de que os sistemas, sejam quais forem, perpetuam a violência especista. Essa questão é amplamente
debatida e enfrentada por grupos de libertação animal.
Mas
o homem-bicho especista, abjeta essas comparações, prefere ser coisa do que
animal não animal. Ignora que independente dos ismos, a diferença entre galinhas, porcos e humanos não vai além do
tipo de abate, se na degola ou na aposentadoria. Isto pode ser metáfora humana,
mas é realismo animal. Animalismo já existe, para toda espécie à mercê do
açoite humano.
Assim,
O Grupo de Teatro Universitário consegue fazer Teatro Político sem ser
enfadonho ou panfletário, prezando por uma dramaturgia bem estruturada e pela
preparação de seu elenco, aliando de forma coesa a provocação política com o
cuidado estético.
16.05.2015
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