ROBERTA CASTRO:
Intérprete-criadora em Dança da Companhia Experimental de Dança Waldete Brito,
Técnica e graduanda em Dança pela Universidade Federal do Pará e Licenciada em
Estudos Artísticos pela Universidade de Coimbra em Portugal, Bolsista PIBEX pelo projeto TRIBUNA DO CRETINO.
O mundo se
desintegra a minha volta. Minha conexão com o mundo em crise permanece tênue e
remota. Eu consigo prever um tempo que essa relação remota deve acabar
necessariamente, no entanto não consigo prever exatamente quando isso vai
acontecer, ou quais serão as circunstâncias que me incitarão a um tipo de ação
diferente. (FERNANDES, 2013, pág 3)
O
mundo que se desintegra é o da realidade porque fui levada por esta obra que me
deixou num estado de transi onde o real e o imaginado se confundiam pela forma
como as dramaturgias se cruzaram: a dramaturgia do corpo, do texto, do cenário,
da cenoplastia que marcam uma identidade bem peculiar nessa obra.
Segundo
Marila Velloso (2010 – pág. 191) dramaturgia na dança é a relação de sentido
que o artista organiza com a diversidade de materiais que podem ser utilizados além
do corpo e do movimento, como o uso de texto, objeto, suporte teórico, imagem,
projeção entre outras possibilidades. É o modo como o artista organiza e
articula cada elemento com signos que englobados geram a significação de um
todo.
A
Artista-pesquisadora, Doutoranda em Educação pelo PROPPG/
PUC- Minas e então diretora da Ribalta Companhia de Dança, Mayrla Andrade consegue articular com eficiência esses
elementos e signos quando coloca o espectador a vivenciar Retratações (espetáculo da Ribalta Companhia de Dança) pela via da imaginação. Propõe a entrada do público
por uma ponte composta de várias caixas
de feira acompanhada de um fundo musical que produz o som de água aonde os
intérpretes vêm até a portaria e recitam alguns poemas, é um convite para um devaneio. Quando o espectador atravessa
a ponte e entrega o tiket do espetáculo a sensação é de se está chegando no
cais do porto onde o barco no fim dessa entrada é quem nos dá uma carona para essa
viagem.
Vestidos,
calças, saias, camisas, sapatilhas,
fotos, cortina, caixas são os elementos que indicam ser a experiência de cada intérprete,
pendurados, estão lá para despertar lembranças de todos os envolvidos nesse
espaço, os que fazem e os que veêm. Esses elementos cênicos também tornam-se o
figurino para alguns dos intérpretes que trocam a roupa na própria cena. Nota-se
que a quantidade de figurino pendurado na coxia é proporcional a quantidade de
intérpretes, o que acaba sendo desnecessário porquê esse excesso suja a
composição cênica mesmo que a sua funcionalidade seja exposta. Já a combinação
da maquiagem em desenho de raiz e cabelos soltos, fazem todo o sentido a esses
corpos que correspondem a proposta dramatúrgica da artista.
A
entrada do público, a maquiagem e a projeção no fundo do palco projetando o
mapa no Município de Ananideua, revelam uma relação afetiva e problematizadora
dos intérpretes com este lugar. A gestualidade de deslizar de uma mão que vem
desde a barriga chegando até a boca lançando-o para fora desse corpo, falas incompreensíveis e projeção do mapa
prenuncia ao caos que é a viagem por esse lugar.
Com
estes indicativos era possível identificar a fonte de onde alguns dos
movimentos eram extraídos. Os intérpretes faziam a gestualidade de andar com a
costa curvada, passo arrastado miúdo e a saia esticada onde ia uma mão na
frente e outra atrás, finalizando com a soltura desses braços e respiração que remete a experiência de andar
pela feira carregando duas sacolas expressando impaciência com a situação. A
imagem que me refiro é a dos intérpretes na cena a qual não tinha uma relação
de imitação com o que acontecia na projeção no fundo do palco, mas
equiparava-se a essa idéia devido a combinação destas gestualidades com a
projeção a qual apresentava o cotidiano das típicas feiras populares que se
tornou cenário para esse acontecimento cênico.
Reconhece-se
então alguns dos pontos de partida para a criação que é levado ao extremo tendo
sido trabalhado e esculpido para o que se resulta na composição coreográfica como
foi o caso do momento descrito no parágrafo anterior. É num processo de
passagem do material na sua forma pura à representação que situações comuns são
dilatadas transfiguradas à signos.
Uma
composição coreográfica não se resume a ordem de movimento e nem tão pouco uma ordem
de formas, pois os elementos figurativos são objetos eleitos do entendimento
que imitem algum significado. São gestos que se entrelaçam de modo contínuo, energético
e intensional que variam de direção, nível e plano num espaço e tempo, ganhando
formas e significados de acordo com a vontade do coreógrafo.
Assim
apresentou a Ribalta Companhia de Dança. Variação de direções, níveis e planos,
criou-se uma sinfonia de movimentos com entradas, saídas e permanências de
solos, duos, quartetos e grupo, que trafegaram a face do espectador sob formas
que se dissolviam sem que percebesse. Eram formas que apresentavam conteúdo provando
que o trabalho teve todo uma pesquisa de movimento, tornando assim uma
composição completa. Porém, nem sempre foi assim, houveram passagens de células
coreográficas que eram apenas o movimento pelo o movimento como a lançamento de
pernas, o uso da flexibilidade, alguns saltos e giros que só não foi perdido porque
a intérprete apresentava uma certa força interpretativa que camuflava essas
formas vazias e também pela força da própria cena.
O
uso de vídeos funcionou em determinadas situações como a projeção dos mapas e da feira, inoportuno foi quando projetado o
vídeo da coreográfica gravada numa ilha localizada aos arredores do Município
de Ananideua, segundo a fala da diretora no fim do espetáculo. Não havia
relação alguma da gravação com a composição posta em cena, eram composições
distintas que raramente se relacionavam, numa célula coreográfica ou outra
criava-se um contraste de níveis entre projeção e palco, mas nada que pudesse sustentar
os dois planos propostos. Penso que o
uso de vídeo que contém uma composição coreográfica contrapondo a uma outra simultaneamente
sem nenhuma conexão na cena requer alguns cuidados, usado inadequadamente pode
acontecer ruídos na transmissão da mensagem. Funciona quando esse uso é a
extensão do que acontece no palco como aconteceu na projeção da feira.
Portanto,
falar do trabalho da Ribalta Companhia de
Dança é abrir todos os poros para receber poesia através de movimento, é
olhar sob uma ótica que não faz parte do sensu comum, é se tornar acessível à
sentimentos mais profundos despertado por essa linguagem artística a qual essa artista desenvolve
transportando o expectador para um outro plano que não é o de simplesmente
estar sentado na platéia.
22.09.2015
BIBLIOGRAFIA
DANAN, J. O que
é dramaturgia?. Editora: Licorne, 2010.
VELLOSO,
Marila. Dramaturgia na dança: investigação no corpo e ambientes de existência. Revista: Usp. Sala Preta, 2010.
FERNANDES, Mariana
Patrício. “A realidade que resiste”: a relação entre o espectador e a dança em
trio a de Yvone Rayner. Revista: O persevejo online.Vol: 5, Nº 1
PUC-Rio, 2013.
ALVES, Flávio
Soares. Composição Coreográfica: traços furtivos de dança. Revista:
Tfc. Edição 01, Ano 2007.