segunda-feira, 9 de outubro de 2017

Um deslocamento para a fronteira – Por Afonso Gallindo

Performance: Pachiculimba.
Montagem: Usina 
Autoria da crítica: Afonso Gallindo, jornalista, publicitário e documentarista; Participante do Minicurso de crítica teatral “O que pode uma crítica teatral?”

Um deslocamento para a fronteira.
Esta foi a sensação nítida que percebi na mística não-encenação, e sim partilha, que esta performance me proporcionou.
Desde a chegada, é possível perceber o mergulho de Claudio Barros num universo singularmente energético, como que imerso numa vibração. Mais nem de longe é possível prever o que nos será ofertado. Para início de prosa, o espaço utilizado é no mínimo fantástico. O chão batido ao céu aberto e a interação com os elementos nativos do lugar, possibilita uma integração do ato e a natureza que poucas vezes tive a felicidade de vivenciar.
Acompanho o trajeto do Claudio Barros desde A Terra é azul, que na época já me impressionou muito, mas o que tive a oportunidade de assistir atesta seu amadurecimento e complexo trabalho corporal apresentado.
Seu corpo parece ter vida própria. Ora portando o peso da sabedoria do velho xamã, ora conectado ao espaço e as sonoridades existentes.
Injusto definir um ponto alto apenas na atuação. Mas, pretensiosamente, permito destacar o momento da relação com os sons presentes no entorno e a resposta de seu corpo. Nesse, particularmente, consegui visualizar uma tal “conexão” com a terra. Muitos falam e escrevem sobre o assunto. Já tive inclusive a satisfação de sentir isso. Mas, assistir isso no outro, fisicamente, confesso ter sido a primeira vez. 
Outro momento que muito me chamou a atenção foi quando estabelecia relação com as árvores do entorno da cena. As palavras pronunciadas, entendo oriundas de línguas também brasileiras, carregavam da emoção o lugar no lamento e no corpo dele e me remeteram a processos praticados ao retorno de guerreiros em algumas etnias brasileiras, onde um membro do grupo é escolhido para expressar toda a saudade e dor pelo longo distanciamento em busca da caça.
Com o passar do tempo, o sol se esconde no horizonte e o cenário natural muda. E também a área por nós visitada, onde fomos silenciosamente direcionados. Oculto na copa de uma pequena árvore, parte viva da cena, uma voz densa narra o momento da queda do céu. Me percebi, então estar cercado pela noite. Apenas uma fogueira ilumina a cena, onde dessa vez somente a voz do ator se faz fortemente presente. Pequenos pontos de luz, oriundos dos lampiões colocados por ele no momento anterior, remetem a estrelas de um pequeno sistema, onde a chama da fogueira parece reproduzir uma luz central. Neste momento ouve-se sobre um outro céu, de um outro tempo, e por um instante consegui visualizar esta outra possibilidade, que nascia da voz representante do xamã, forte e sábio, que nos indicava a necessária reflexão sobre o chão e o céu que vivemos.
A integração neste processo chega a um tal nível de cumplicidade, que torna-se difícil identificar onde inicia o trabalho de direção ou encontra-se somente o trabalho dos atores em cena.   
Estas poucas linhas infelizmente, bem sei, não terão o poder de transcrever a experiência vivida por mim durante a performance. Digo vivida por se tratar de um processo também sensorial e convida a visitar um lugar, o universo cultural que também é nosso e que, infelizmente, fazemos questão de ignorar.
8 de outubro de 2017

Pachiculimba
Grupo Usina
Local:
Praia do Paraíso – Ilha de Mosqueiro
Com Claudio Barros e Claudio Melo
Direção:
Alberto Silva Neto
Sonoridades:
Cláudio Melo
Visualidades:
Claudio Rêgo de Miranda
Corporeidades:

Valéria Andrade

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